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Regulamentações da avaliação do rendimento escolar nas escolas estaduais em Florianópolis

A BUSCA DE INDÍCIOS PARA O ESTUDO DAS REPROVAÇÕES, REPETÊNCIAS E INTERRUPÇÕES ESCOLARES.

1.2. Os processos de organização escolar e avaliação do rendimento em escolas estaduais e municipais de Ensino Fundamental em Florianópolis

1.2.3. Regulamentações da avaliação do rendimento escolar nas escolas estaduais em Florianópolis

A história do estabelecimento de sistemas de avaliação nas escolas estaduais difere substancialmente da vivida pelas escolas do sistema municipal de ensino.

Em 1969 o PLAMEG – Plano de Metas do Governo de Santa Catarina, com o objetivo de inserir o Estado no projeto nacional-desenvolvimentista12, tinha como

meta promover a modernização do sistema educacional catarinense de modo a adequá-lo ao modelo de desenvolvimento nacional (AURAS, 1995, p. 13).

Antecipando-se à Lei 5692/71 e fortemente influenciado pelas idéias da Escola Nova propunha a ampliação da escolaridade mínima obrigatória de quatro para oito anos; a democratização do ensino pela expansão de vagas; a abolição de exame de admissão; e a instituição de um sistema de avaliação por Avanços Progressivos, que concorreu para promover automaticamente os alunos, contribuindo para a

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Importante lembrar que o processo de implantação ocorreu durante o período do regime militar quando não eram permitidas contestações das decisões tomadas, o que dificultou a rejeição declarada dos professores às medidas em pauta.

desqualificação e barateamento do ensino público. A proposta “substituía o sistema de avaliação por aprovação/reprovação através da regularização do fluxo de saída dos alunos da escola elementar.” (AURAS, 1995, p.17).

Oliveira (1984), que pesquisou a implantação do Avanço Progressivo nas escolas estaduais concluiu que a diretriz de avaliação implantada - que deveria considerar o desenvolvimento contínuo do aluno obedecendo ao ritmo de cada um e suas potencialidades – contraditoriamente, organizava o ensino pela seriação, estabelecia objetivos mínimos em cada série, e mantinha os programas de ensino homogêneos e controlados por meio de exames aplicados nas escolas. Entretanto, a medida priorizou apenas as questões administrativas em detrimento das pedagógicas. A adoção de uma política de aprovação visava regularizar o fluxo escolar nos três primeiros anos da implantação.

Segundo Valle,

(...) o sistema preservava sua fachada democrática, pois transferia para as crianças a responsabilidade de seu próprio percurso - aprovação ou fracasso [...], e mascarou os efeitos perversos da política educativa, destacando o aumento das oportunidades de acesso à escola (VALLE, 2003, p. 47).

Esta forma de avaliação, empregada entre 1969 e 1980, contribuiu para a desvalorização do ensino público, desqualificação dos alunos, baixo incentivo para os estudos. O uso de estratégias para burlar a proibição de reprovar alunos marcou o período. Os professores desenvolveram acordos paralelos entre pais e escola atribuindo faltas aos alunos com dificuldade, de forma que estes não poderiam avançar para a série subseqüente e alcançar o mínimo exigido (OLIVEIRA, 1984). Por outro lado, nos anos subseqüentes qualquer possibilidade de retorno desse tipo de avaliação foi rejeitada por professores, pais e alunos.

De 1980 até 1996, as resoluções que regulamentavam as avaliações nas escolas estaduais permaneceram centradas em princípios quantitativos. Entretanto, no início da década de 1990, período de elaboração da proposta curricular estadual houve tentativas de compatibilizar os princípios teóricos professados na proposta curricular com uma avaliação participativa, por meio da criação dos Conselhos de Classe nas escolas.

Até 1990 a estratégia proposta para superação das dificuldades do aluno era a repetência. Nesse período os debates sobre a avaliação incluíram a recuperação

paralela como possibilidade de melhorar as condições de aprendizagem. Incluída nos

períodos finais de cada bimestre e intensiva ao final do ano, tinha por finalidade oferecer novas oportunidades para a aprendizagem. Acabou confundida com

recuperação de notas mediante acréscimo de uma ou mais provas. Mudanças

posteriores aboliram a atribuição de notas exclusivas à recuperação.

De 1990 a 1995 encontraram-se correlações entre as mudanças ocorridas nas diretrizes de avaliação escolar e o aumento das reprovações nas 5as. séries. Dos 26 alunos que realizaram provas de segunda época em 1990 somente 38,4% foram aprovados. De 1991 a 1994 a média de aprovação em provas de segunda época aumentou para 84,4% em razão da alteração feita no critério de seleção, já que o aluno com média inferior a cinco, em três disciplinas ou mais, estava automaticamente reprovado. Somente os que possuíam nota abaixo de 5,0 em até duas disciplinas poderiam submeter-se às provas de segunda época. Por outro lado, ao serem cruzadas as notas obtidas nas provas de segunda época e as que os alunos precisavam alcançar em cada disciplina, observou-se que todos obtiveram exatamente a pontuação necessária, mesmo aqueles que nunca haviam conseguido tais notas durante todo o ano letivo (HANFF et al, 1995).

De 1997 até 2002 as escolas estaduais passaram por apenas duas regulamentações sobre avaliação (SANTA CATARINA, 1998b, 2000a). Entretanto, uma delas concentrou a atenção de professores e alunos pelas polêmicas instauradas. A primeira, na forma de lei, aprovada pelo Conselho Estadual de Educação, estabelecia a intenção de coadunar as mudanças legislativas, aprovadas na Lei 9394/96, com as diretrizes que vinham sendo praticadas pelo sistema estadual de ensino. Foram mantidos os princípios quantitativos, com valores que variavam de zero (0,0) a dez (10,0) e padrão de aprovação com média final cinco (5,0). A conservação da maior parte dos critérios utilizados até aquele período na rede estadual de ensino não provocou, como no caso do sistema municipal, grandes discussões, pois as mudanças vinham sendo gestadas desde o período de elaboração da Proposta Curricular de Santa Catarina. As idéias de estabelecimento de uma avaliação formativa, baseada em diagnósticos e na superação de notas faziam parte das discussões e dos documentos da Proposta (SANTA CATARINA, 1998b).

A diretriz de avaliação, Lei Complementar 170/98-SEE, deu destaque aos princípios que se encontravam em consonância com a proposta curricular implantada.

Assim, considerados os valores numéricos de 1 a 10, “para os alunos que não lograrem aprovação, a escola deveria oferecer novas oportunidades de avaliação. A recuperação paralela” foi instituída, inclusive com atribuição de notas. Ou seja, as notas em cada disciplina nas quais os alunos não conseguiram atingir a média necessária poderiam ser substituídas pelas de recuperação. O registro seguia o

critério da ordem crescente, ou seja, o registro tinha por base conceitos que

poderiam variar de 10% a 100% durante o ano letivo, mas não poderiam ser inferiores às notas obtidas em semestres ou meses anteriores, “uma vez que ninguém desaprende o que já foi apropriado e nem se suprime o que já foi ensinado” (SANTA CATARINA, 1998b, sp.).

No ano de 2000 a Secretaria Estadual de Educação, sob o comando político do Partido Popular – PP, oposição declarada ao governo anterior (PMDB), enviou ao Conselho Estadual a Resolução 023/2000, que suscitou entendimentos diferenciados quanto a sua aplicação. Em função das inúmeras dúvidas que provocou, a Secretaria elaborou as ´Diretrizes para organização da prática escolar na Educação Básica` contendo documento explicativo sobre o processo da avaliação e suas especificidades (SANTA CATARINA, 2000b).

As diretrizes emitidas mostraram-se congruentes com as discussões mais recentes sobre aprendizagem e avaliação escolar, relacionadas ao caráter cumulativo do processo de conhecimento, às críticas à avaliação quantitativa e ao registro de notas. Falava-se de socialização do conhecimento, ação educativa, democratização do conhecimento e reconhecia que a avaliação “não era neutra, [...] tem intencionalidade [...] significado [...] e não pode ser usada como mecanismo de poder para aprovar ou reprovar” (SANTA CATARINA, 2000b, sp.). Entretanto, o documento elaborado que deveria contribuir para o esclarecimento suscitou polêmicas e interpretações variadas. Parte do texto aqui destacado exemplificava as dificuldades na compreensão das normativas de avaliação.

Considerando que o aluno não desaprende, o registro terá como base a apropriação dos conceitos que pode variar de 10% a 100% dos conceitos trabalhados no ano letivo. Exemplificando: se o registro da nota no 1º bimestre for cinco, consideramos que no 2º bimestre este registro só poderá ser igual ou superior a nota cinco. Conclui-se assim que não é possível atribuir notas inferiores às obtidas em bimestres anteriores, uma vez que ninguém desaprende o que já foi apropriado e nem suprime o que já foi ensinado (SANTA CATARINA, 2000b, sp.).

O documento, com intenção de esclarecer, confundia. Grande parte dos professores não sabia o que e nem como registrar. Falava-se de conceitos, mas as escolas trabalhavam por conteúdos disciplinares; confundia-se nível de conhecimento com notas e percentuais; e a equipe técnica responsável por sua elaboração, na SEC, pressupunha que existia nas escolas estaduais um ensino processual, cumulativo e não fragmentado.

Nas escolas estudadas encontraram-se diferentes formas de entendimento dessa resolução e dos registros adotados. Algumas utilizavam registros de notas bimestrais e cálculo de médias finais com média de aprovação igual ou superior a cinco. Outras apresentavam percentuais cumulativos, e havia ainda as que desconsideravam a resolução aprovada utilizando critérios anteriores.

Exemplo dessas ambigüidades, com grande repercussão nas trajetórias dos alunos e na produção das estatísticas educacionais, foi observado na escola 2E, entre 2000 e 2001, ao atribuírem notas finais a todos os alunos considerando a média de aprovação igual ou superior a sete (7,0). Ao utilizar esse parâmetro para aprovar ou reprovar, a escola desconsiderou o artigo 6º Inciso II, Resolução 23/2000 (SANTA CATARINA, 2000a).

II – os alunos com aproveitamento inferior previsto no inciso anterior e que submetidos à avaliação final, se for adotada pela Unidade de Ensino, alcançar 50% (cinqüenta por cento) em cada disciplina.

Desta forma, a maior parte dos alunos considerados reprovados em 2001 e 2002 poderia ter sido aprovada. No documento sobre avaliação, desenvolvido pela Secretaria de Educação, de que não era possível “atribuir notas inferiores às obtidas em bimestres anteriores, uma vez que ninguém desaprende”, levaram professores da escola 4E a reduzirem, nos primeiros bimestres do ano letivo, as notas dos alunos com receio de uma aprovação massiva na escola (SANTA CATARINA, 2000b, sp.).

A aprovação dessa regulamentação e o documento de esclarecimento das diretrizes chegaram às escolas em um período de desestímulo frente a greves mal sucedidas, salário com valores menores no país e em atraso, divididos em prestações, professores endividados. As escolas não contavam com o acompanhamento dos responsáveis pela Secretaria de Educação e cada uma organizava-se de acordo com as possibilidades existentes.

Observou-se que os entendimentos diferenciados quanto aos critérios de avaliação e as discordâncias dos professores interferiram diretamente nos índices de aprovação por meio de mecanismos de ajuste, estratégia bastante utilizada pelos sistemas de ensino.

No período após 2000, o sistema estadual de ensino havia passado por poucas, mas conturbadas, modificações no sistema de avaliação, produto de mudanças políticas ocorridas no Governo de Estado.

Nas escolas estaduais as idéias subjacentes às novas diretrizes apresentavam coerência teórica (pressupostos histórico-críticos) com os princípios estabelecidos na Proposta Curricular desde 1998, mas vieram isoladas e desconectadas de uma efetiva mudança nas escolas. Seria o mesmo que tentar informatizar o sistema de transporte

de uma cidade ainda realizado em carroças com tração animal. Ignorava-se o

processo histórico vivido até então pelas escolas, considerando que atos legislativos pudessem revolucionar o sistema escolar.