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As ações desenvolvidas e apresentadas nesta pesquisa foram realizadas em uma escola pública de Ensino Médio, situada no município de Prado, interior da Bahia. A cidade, pertencente à Costa das Baleias, tem uma população estimada pelo IBGE em 2017 de 23.376 habitantes e tem como principais fontes de renda a pesca e o turismo. Seu patrimônio histórico-cultural está ligado a aspectos folclóricos e religiosos. São comuns manifestações como: capoeira, danças afro-brasileiras, atividades relacionadas a pesca entre outras práticas corporais em que as tradições da cidade ficam em evidência.

As principais fontes de renda giram em torno da produção pesqueira e das ações relacionadas ao turismo. Geralmente os jovens estudantes, se envolvem em atividades desse teor. Parte dos alunos realiza trabalhos temporários na chamada “alta temporada”

como forma de complementar a renda familiar. É bastante comum que, de novembro a fevereiro os jovens consigam trabalho em restaurantes, cabanas de praia, supermercados, atividades de guias turísticos, salva-vidas, lava- jatos etc.

Imagem 1 - Porto de Prado/Palácio do Turismo Prefeito Orlando Sulz de Alemida

Fonte: arquivo pessoal do autor

Ao término desse período, boa parte dos/as jovens estudantes voltam a sua condição anterior e alguns passam a realizar trabalhos alternativos e esporádicos. Esse quadro é expresso nas diferentes e desiguais condições socioeconômicas que se agravam em nosso país. Segundo Nagamine (2009) citado por Souza e Paiva (2012, p. 358) o fato da entrada prematura no mercado de trabalho e a ocupação informal agrava as condições de exclusão decorrentes das desigualdades sociais.

Os dados produzidos acerca do público jovem que frequenta a escola subsidiam a ideia de que boa parte dos estudantes possui condições socioeconômicas baixas. Um relatório gerado pelo Sistema de Gestão Estudantil do Estado da Bahia acerca do número de discentes beneficiários do Programa Bolsa Família, revelou que 42% dos 483 estudantes matriculados nos turnos matutino e vespertino recebem o benefício. Esse índice revela que a escola recebe um público, que em boa parte, possui carências econômicas e sociais. Durante as aulas de Educação Física e em outras atividades da escola, por exemplo, as desigualdades socioeconômicas manifestam-se com bastante clareza. Recordo-me que em uma das aulas, realizamos um passeio pelas ruas do centro da cidade para ilustrar as discussões sobre os benefícios da caminhada. Em diversos momentos alguns alunos/as mostravam desconhecer pontos importantes da cidade e exprimiam um sentimento de revolta ao dizer que todas os estabelecimentos comerciais daquela localidade eram “lojas de rico”, já outros demonstravam-se familiarizados com aquele ambiente.

Outro ponto bastante importante citado frequentemente pelos jovens é a pretensão de deixar a cidade ao final dos estudos. Uma parcela expressiva deles, ao término do Ensino Médio, muda-se para os municípios vizinhos para exercer funções profissionais. De acordo com os relatos informais realizados pelos mesmos, esse fato está ligado ao desejo pela independência e por condições de vida mais dignas.

Todos esses fatores permeiam os processos na unidade escolar e conferem diferentes significações e sentidos para o processo de escolarização. De acordo com pesquisa realizada por Leão (2006), os jovens que possuem condições econômicas menos favorecidas traçam trajetórias próprias sobre seu processo educativo, “[...] diante das desigualdades sociais e culturais vividas em seu meio social, eles elaboram e constroem um modo próprio de se relacionar com o universo escolar (LEÃO, 2006, p. 34).

O autor ainda coloca que, para os jovens que possuem condições financeiras menos favoráveis, o mundo do trabalho torna-se mais atrativo que a escola e passa a disputar espaço com o processo de escolarização. Os questionários trazem dados que expressam essa realidade dentro do contexto já explicitado, em que os jovens pradenses costumam exercer atividades remuneradas somente na “alta temporada”, período em que o comércio da cidade se fortalece e ganha ares econômicos mais rentáveis.

Imagem 2 - Cabanas de praia/Praça de alimentação

Fonte: arquivo pessoal do autor

A escola na qual ocorreu a pesquisa funciona em 3 turnos, atende em torno de 600 estudantes, oferece Ensino Médio regular e EJA. Por ser a única escola na sede da cidade com essa modalidade de ensino, a instituição é responsável por acolher a maioria dos/as jovens do município. A faixa etária dos/as estudantes do ensino regular varia entre 13 e 18 anos. Grande parte são filhos/as de pescadores e comerciantes. Além disso, é bastante

comum também o trabalho dos/as jovens em cabanas de praia e atividades afins.

No geral, o colégio conta com uma estrutura inadequada ao desenvolvimento das aulas de Educação Física. Quadra esportiva sem cobertura falta de materiais didáticos etc. Atualmente, na instituição atuam 38 servidores entre professores/as funcionários/as técnicos/as e equipe gestora. É importante ressaltar que o Projeto Político Pedagógico da instituição se encontra desatualizado e não traz dados sobre a realidade atual da escola.

Imagem 3 - Quadra esportiva da escola

Fonte: arquivo pessoal do autor

O PPP traz dados do ano de 2012 e faz referência à estrutura de funcionamento da unidade escolar naquele ano. O texto não traz considerações sobre a participação coletiva e não cita as formas metodológicas pelas quais foi construído. Há apenas uma descrição dos nomes e funções dos membros do colegiado escolar daquela época. O documento enfatiza também que já naquele ano, a escola, devido aos seus problemas estruturais e pedagógicos, sofria uma defasagem em relação às mudanças e inovações que a Educação brasileira vinha sofrendo. Atualmente a escola vivencia problemas relacionados a aulas vagas, falta de merenda e estrutura desfasada. As grandes mudanças nas formas de ensino propostas no país têm sido implantadas de maneira bastante rasa e assimiladas com dificuldade por grande parte da comunidade escolar.

Imagem 4 - Unidade escolar pesquisada

Fonte: arquivo pessoal do autor

Enquanto professor de Educação Física em uma escola de Ensino Médio, no município de Prado, no interior da Bahia, percebo o quanto este público desenvolve relações conflituosas e permeadas por uma necessidade de se encaixar nos moldes do mercado. Esse quadro fica bastante claro em simples conversas com os jovens estudantes. Alguns relatam desgostar da cidade justamente por conta da falta de oportunidades de emprego e de condições mais atrativas para eles. O enfoque em políticas públicas que beneficiem este grupo social é ainda bastante frágil na cidade, que se destaca no cenário econômico pelas atividades turísticas e de pesca.

No intuito de apresentar um panorama mais conciso sobre as diversas nuances do público usuário/a da unidade escolar, na qual se deu a pesquisa, aplicamos questionários de caráter socioantropológico que forneceram indícios importantes para a compreensão da realidade e o fomento das ações metodológicas adotadas durante o processo investigativo. Parte dos dados produzidos por essa intervenção serão utilizados para a caracterização da escola. Uma das questões direcionada aos/as jovens estudantes referiu-se à faixa etária apresentada por este público. Quanto a esta dimensão, os dados produzidos pelo público jovem da escola, mostrou que a maioria dos/as discentes, apresenta-se dentro do que é considerado adequado para idade/série no Ensino Médio. Um baixo índice de estudantes apresenta distorção entre a faixa etária e a série que cursam. O gráfico abaixo mostra que:

Gráfico 4 - Idade dos estudantes

Fonte: elaborado pelo autor

O quadro acima revela que a maioria dos/as estudantes da unidade escolar estão dentro das expectativas de faixa etária preconizadas para o Ensino Médio, uma vez que os/as jovens que possuem idade igual ou superior a 18 anos, e que não completaram os estudos dessa etapa da Educação Básica, normalmente, são encaminhados para a Educação de Jovens e Adultos.

A segunda questão objetivou verificar o percentual de jovens que trabalham. Nessa dimensão, os dados mostraram que 30% dos/as estudantes exercem atividades empregatícias enquanto 70% deles/as declararam não trabalhar. Esse contexto indica algumas das percepções já expostas anteriormente. A maioria dos/as jovens estudantes, usuários da unidade escolar, não costumam trabalhar durante o ano letivo. Esse quadro muda bastante na chamada “alta temporada” em que o município recebe um grande número de turistas, o que movimenta o comércio e gera oportunidades de trabalho.

Vale salientar que não estamos defendendo aqui a inserção precoce dos/as estudantes no mercado de trabalho, uma vez que isso pode representar um fator que concorre diretamente com o processo de escolarização. Porém, compreender o perfil do público usuário da unidade escolar, em seus diversos aspectos, é uma ação importante que contribui para que entendamos o contexto ao qual estamos inseridos. E, neste sentido, observamos que a falta de Políticas Públicas, no município construídas com e para os/as jovens é algo que agrava o quadro.

Quando indagados se gostariam de trabalhar, 64% dos/as discentes, que declararam ainda não exercer atividades empregatícias, apontaram que sim, enquanto os 36% restantes responderam negativamente à questão. Apesar de a maioria dos/as estudantes não exercerem atividades empregatícias, percebe-se que há o desejo de grande parte deles/as em adentrar no mundo do trabalho.

desejo por uma escola que se articule efetivamente à esfera do trabalho”. As demandas e exigências sociais são fatores que contribuem de maneira bastante efusiva nesse processo. Para a autora é comum que, as experiências profissionais dos jovens estudantes estejam atreladas a sentidos ligados a necessidade de apoio à família, à busca pela independência e a possibilidade de identificação social, na qual o/a jovem tem maiores possibilidades de consumo e de aceitação.

O desejo por adentrar no mundo do trabalho, mostrado pela maioria dos/as jovens pesquisados/as, possui uma intrínseca relação com as condições sociais e econômicas enfrentadas pelos/as estudantes de escolas públicas, na maioria das vezes pertencente às camadas populares, (vide a quantidade significativa de discentes que são beneficiários do programa Bolsa Família na unidade escolar) o que faz com que o anseio pelo trabalho não se configure somente como um fator de atendimento dos interesses de consumo dos/as jovens, mas também como um caminho que provenha condições de vida mais favoráveis para a família (OLIVEIRA, 2018).

De acordo com Dayrell (2007) a escola e seus aspectos aparecem para o/a jovem como uma via que garante um “[...] mínimo de credencial para pleitear um lugar no mercado de trabalho[...]” (p.9). A valorização do estudo perpassa por uma noção ligada à garantia de um futuro melhor no sentido socioeconômico. Para o/a jovem estudante, a busca por um trabalho não está relacionada, necessariamente à “[...] ter um emprego com carteira assinada, direitos trabalhistas e benefícios sociais. Representa, a possibilidade de ter uma renda que viabilize o mínimo necessário à sobrevivência [...] (OLIVEIRA, 2018, p. 186). Neste cenário, muitos/as estudantes enxergam a educação escolar como uma possibilidade de sair da [...] precarização funcional que estão vivendo [...] (OLIVEIRA, 2018, p. 186). O trabalho, representa, nesse sentido, uma dimensão que permite com que estes sujeitos transformem a realidade em que vivem e obtenham acesso a uma série de bens de consumo que fazem parte do seu universo e caracterizam as suas identidades (SILVA, 2014).

Dentre os que declararam já trabalhar, as funções mais recorrentes nas respostas foram: faxineira, babá, trabalhos rurais, garçom, jardinagem, atividades em peixarias, atendentes em lojas e supermercados. Geralmente as atividades realizadas pelos/as estudantes não ocorrem dentro da legalidade e nem garantem direitos básicos. Sobre esse fato, Corrochano (2014, p. 219) expõe que:

De modo geral, quando começam a trabalhar precocemente, os jovens das camadas populares trabalham próximos às suas residências, obtendo a vaga por intermédio de algum vizinho, amigo ou parente. O trabalho realizado é sempre muito próximo dos

executados pelas pessoas próximas no que diz respeito à posição na ocupação, conteúdo e condições de trabalho. Dos 15 aos 17 anos há um predomínio do trabalho ilegal e poucos estão inseridos em situações de aprendizagem ou estágio, ambos previstos em lei para essa faixa etária. Assim, sobre esse grupo recaem as situações mais precárias de trabalho, com predomínio do trabalho sem carteira e não remunerado.

A colocação do autor corrobora com os aspectos ressaltados anteriormente neste texto. Geralmente, os postos de trabalho assumidos pelos/as jovens pesquisados não atendem à legislação e não garantem direitos trabalhistas básicos. Esse fato repercute também na valorização da educação escolar como um possível meio para se alcançar condições de trabalho mais dignas.

Os/as estudantes foram indagados também sobre a localização de suas residências. Essa questão é importante, uma vez que, a unidade escolar localiza-se em uma zona central da cidade e é a única escola da sede municipal a oferecer essa etapa de ensino, o que faz com que a mesma atenda a um público de diferentes localidades. Diante dessa questão, os/as estudantes indicaram que 62% deles/as moram na sede e 38% na zona rural. Foi questionado também se, os/ discentes que moram na sede do município, residem próximo a escola, nesse quesito os dados indicaram que somente 37% dos/as estudantes moram nas proximidades da unidade escolar, enquanto 67% deles/as vêm de zonas periféricas da cidade.

Essas informações são importantes para o planejamento das ações e atividades escolares, uma vez que é preciso considerar uma série de fatores para os/as discentes que moram na zona rural ou para os/as que moram distante da escola. Em dias de chuva, por exemplo, é comum que um grande contingente de estudantes não compareça às aulas. É corriqueiro também que os/as discentes que residem na zona rural, percam atividades devido à falta de transporte escolar adequado.

Imagem 5 - A escola e seus arredores

Fonte: arquivo pessoal do autor

Aliás, devido a um desalinhamento dos calendários letivos municipal e estadual, a unidade escolar enfrenta diversos problemas. Há uma parceria entre estado e município para a viabilização do transporte escolar, porém é comum que, os veículos, nos dias em que não há aula nas escolas municipais, não circulem, impossibilitando o andamento adequado das aulas na escola estadual. De acordo com a gestão escolar já houve várias tentativas de resolver este problema, porém sem êxito. Dessa maneira, o trabalho é planejado de forma a considerar tais questões para que não haja prejuízo aos/as estudantes da zona rural.

Esse dado também pode ter influenciado nos dados referentes à dimensão do trabalho, já apresentados. A dificuldade de conseguir um trabalho remunerado, apesar de ser um desejo da maioria, pode estar interligada a falta de acesso que, os/as discentes residentes na zona rural, tem em relação à informação, transporte etc. Essas dificuldades atingem até mesmo os/as moradores da sede. Normalmente os bairros mais periféricos ficam distantes da escola. É muito comum a existência de conflitos em relação aos horários de chegada ou a liberação antecipada dos/as estudantes no inverno, por exemplo, em que os dias escurecem mais cedo.

Outra dimensão pesquisada foi a religiosa. Os dados apreendidos dos questionários trouxeram o seguinte quadro:

Gráfico 5 - Religião praticada pelos/as estudantes

Fonte: elaborado pelo autor

A partir dos dados é possível perceber que a escola lida diariamente com estudantes de variadas religiões, ainda que com predominância das religiões católicas (58%) e evangélica (32%). Diante disso, é preciso que as atividades pedagógicas transcorram de maneira a não desrespeitar as diferentes crenças e mais que isso, a instituição deve desenvolver ações assentadas nos ideais da inclusão também no que diz respeito às religiões.

A propósito, a laicidade é um direito garantido pela Constituição Federal brasileira. O estabelecimento de ações que resguardem as opções religiosas e as crenças dos/as estudantes deve ser uma prática escolar. O artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96 – traz em seu texto orientações que devem funcionar de forma contrária ao proselitismo. Assim, as várias intervenções pedagógicas podem ocorrer de maneira respeitosa com as diferentes manifestações religiosas.

3.2 IMAGENS QUE FALAM DA COMUNIDADE: AS PRÁTICAS CORPORAIS