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As atividades seguiram com vistas à realização da gincana estudantil, evento anual, realizado para promover a interação entre os/as estudantes. A gincana serviu como uma culminância das atividades realizadas nas oficinas de Práticas Corporais. A ideia foi utilizar o evento, que já acontecia na escola, para estabelecer uma conexão com as atividades realizadas e as ações que foram previstas para fortalecer se as Práticas Corporais funcionam como articuladoras da aproximação entre a escola e a comunidade.

O evento ocorreu entre os dias 04 e 09 de novembro de 2019 e envolveu atividades diversas como esportes, dança, música etc. A articulação das atividades da gincana com as oficinas, se deu a partir de um levantamento feito com os/as estudantes em que, os/as mesmos/as fizeram propostas de atividades que envolvessem a comunidade e as Práticas Corporais abordadas, em seguida foi realizada uma votação para escolher as sugestões que seriam escolhidas. Toda essa articulação foi feita durante as aulas de Educação Física. Após a decisão ficou estabelecido que as Práticas Corporais e a comunidade se articulariam com a gincana através de provas como: aula coletiva de zumba com a presença dos pais, mães e responsáveis, roda de capoeira com responsáveis pelos/as estudantes e apresentação de jiu-jitsu envolvendo confrontos entre pais/mães e filhos/as. O critério de avaliação das provas seria a quantidade de pais, mães e/ou responsáveis que cada equipe conseguiria mobilizar nas atividades

propostas. Estando a organização a cargo dos/as professores de Educação Física, Artes e História, esperava-se que, por se tratar de uma atividade de grande porte, a participação docente seria mais efusiva. A expectativa diante disso, se deu porque a atividade proposta envolve praticamente toda a escola e oferece possibilidades para que os componentes curriculares se articulem para o desenvolvimento das diversas tarefas. As manifestações na sala dos/as professores/as apoiavam o evento, porém, as declarações de grande parte dos/as docentes eram as de que da parte deles/as, haveria, nas palavras proferidas por alguns, “um apoio moral”.

O tom de surpresa aumentou ao tomarem ciência de que as atividades propostas pelos/as estudantes, referentes a articulação entre as Práticas Corporais e a participação da comunidade, comporiam uma parte importante do evento. Alguns comentários foram comuns: “Claro que os pais não vão vir, eles não aparecem aqui hora nenhuma durante o

ano e não vai ser agora que vão vir”. Apesar disso, demos continuidade no que foi

planejado. Para facilitar a mobilização da comunidade disparamos diariamente convites e comunicados através das listas de transmissões do Whatsapp informando sobre a realização das atividades.

A baixa adesão dos/as professores e principalmente a ausência dos mesmos no dia da gincana, ocorrida no dia 09 de novembro, sábado letivo, gerou alguns problemas. De imediato, a falta de auxílio na resolução das várias situações que surgiram ao longo do evento e de forma mais complexa, o impacto da ausência dos/as docentes na visão da comunidade presente, como veremos mais adiante.

Durante a semana, denominada de pré-gincana, os/as estudantes revelaram dificuldades em articular as atividades devido ao tempo e disponibilidade dos pais, mães e responsáveis que trabalhavam no período no qual seriam executadas as provas da gincana. Na tentativa de resolver este problema, foram disparadas mensagens via Whatsapp para identificar o melhor horário para que os/as responsáveis pudessem comparecer.

Imagem 21 - Captura de tela do convite para a gincana e da ação consultiva

Fonte: arquivo pessoal do autor

Dos 512 contatos presentes nas listas de transmissão criadas no aplicativo, recebemos um retorno de 362 pais, mães ou responsáveis. Uma tabulação desses dados permitiu verificar que 173 respostas ou 48% do total, indicaram que o final da tarde do dia 09 de novembro seria o mais adequado. O restante das indicações se dividiu entre manhã, início da tarde e noite.

A partir dessas constatações, a programação da gincana seguiu de maneira a facilitar e criar condições para que houvesse a participação satisfatória dos atores envolvidos no processo. A ação consultiva promovida através do Whatsapp representou uma oportunidade de entender o perfil dos pais, mães e responsáveis. A busca pela participação destes sujeitos representa considera-los de fato na construção da proposta e perpassa justamente por um processo de conhecimento da realidade, compreensão do quadro estabelecido e enfrentamento do mesmo de forma conjunta.

Porém, é preciso compreender que existe uma dificuldade logística clara para atender disponibilidades tão variadas. As respostas indicaram diferentes períodos e horários. O atendimento dessas demandas no dia a dia escolar é algo que tem que ser planejado com bastante cuidado para que não haja a exclusão e acordado entre toda a equipe técnico- pedagógica para que não haja sobrecarga excessiva para somente alguns de seus membros. Montar um esquema dessa magnitude é algo bastante complexo.

Todavia, o que se quer traçar como reflexão é que, apesar das dificuldades, a escola deve atuar no sentido de sanar ou minimizar estes problemas, não os enxergando como uma barreira instransponível para as questões de participação, mas colocando-se aberta às possibilidades. A consulta aos pais, mães e responsáveis sobre o melhor horário para uma

reunião, por exemplo, é uma estratégia válida e que deve permear as ações com vistas à participação comunitária.

Aliás, como já exposto por autores como Paro (2016), um dos principais fatores pela baixa participação dos responsáveis na vida escolar dos/as estudantes são as jornadas extensivas de trabalho e a falta de tempo diante de uma sociedade forjada sob a égide do produtivismo. É necessário que haja, portanto, na busca pela participação, uma sensibilidade de toda comunidade escolar em considerar as diversas condições de vida que permearão o processo. Claro, que isso não significa, de maneira alguma, se render as vontades da comunidade, mas sim prover formas para abranger, considerar as necessidades e minimizar os impactos causados pelo problema.

A primeira prova da gincana foi a aula coletiva de zumba. Os/as estudantes, com a contribuição do professor S.C, ministrante da oficina de zumba, prepararam uma coreografia e mobilizaram pais, mães e responsáveis para participar. A equipe que conseguisse maior adesão dos mesmos receberia a melhor pontuação. A veracidade das informações dadas pelos/as estudantes foi checada através de uma lista, na qual os pais, mães ou responsáveis apresentavam o documento de identificação pelo qual verificávamos seu parentesco com os/as discentes e o registravam seu contato para realizar as avaliações após o fim da gincana. Segundo a relação, compareceram nas aulas de zumba de todas as equipes 143 responsáveis, dos quais 138 mulheres e 5 homens.

Esse quadro se relaciona com as percepções obtidas nas oficinas realizadas com os/as estudantes. Na ocasião, as questões apresentadas revelavam que a não participação dos/das estudantes estava condicionada a fatores ligados ao gênero. A presença de mais responsáveis do sexo feminino do que masculino, durante a atividade da gincana, é um fator que reflete o discurso proferido pelos/as jovens. O contexto exposto acima pode estar ligado à “[...] assimetria de papeis sexuais e de gênero [...]” (CARVALHO, 2000 p. 56) que normalmente pode ser percebida no meio escolar, onde a responsabilidade pela educação dos/as filhos tanto em casa como na escola é delegada às mães (CARVALHO, 2000). Outra possível interpretação para este quadro é o de que as Práticas Corporais são fortes marcadoras de gênero. Isso fica evidente na oficina de capoeira, que em contraponto à atividade anterior, trouxe ao todo 68 responsáveis, dos quais 42 homens e 26 mulheres. As Práticas Corporais estão ligadas à uma noção sociocultural que subjuga e direciona os indivíduos a exercerem papeis que são limitados pelo gênero. Por se tratar de uma dança, a zumba é vista como uma atividade essencialmente feminina, enquanto que capoeira, por requisitar que os/as praticantes executem movimentos mais bruscos e vigorosos é muitas vezes classificada como uma atividade masculina.

Os critérios de organização e validação desta prova foram os mesmos da atividade anterior. Porém, foi possível observar que, alguns/as responsáveis eram os/as mesmos/as que estavam na prova que envolveu a zumba. Optou-se por dar continuidade à prova em uma tentativa de não cercear a participação. Uma das dificuldades em verificar os pormenores das atividades durante a gincana, foi a falta da equipe escolar no evento.

A logística para executar diversas tarefas ao mesmo tempo, delegada aos/as professores/as responsáveis pelo evento, impossibilitou um registro mais apurado e uma interação mais eficaz com os membros da comunidade. Com provas ocorrendo simultaneamente em espaços diferentes e em situações adversas, o trabalho de registro ficou aquém do esperado. Essa situação reflete as condições de trabalho e a realidade enfrentada por muitos/as docentes em seu cotidiano escolar.

Por fim, os encaminhamentos para a prova envolvendo o jiu-jitsu, ocorreram dentro das expectativas e orientações já utilizadas nas outras oficinas. Nessa etapa os/as estudantes deveriam articular com suas equipes o maior número de duplas formadas por pais, mães ou responsáveis e discentes para realização da movimentação/golpes do jiu-jitsu. O total de participantes das 4 equipes foi de 52 responsáveis.

Uma particularidade dessa prova é que no momento de sua realização, já no período noturno, a presença de pessoas na escola aumentou. Esse fato foi constatado a partir de uma lista de presença disponibilizada na entrada do evento. É possível fazer uma relação entre a ocorrência descrita e fatores como a indicação dada por alguns pais, mães ou responsáveis de que o melhor período/horário para estar na unidade escolar seria o noturno, ou mesmo com as questões que envolvem a falta de infraestrutura como a exposição ao sol. Após a finalização das atividades partimos para a etapa de avaliação das estratégias utilizadas. Visualmente foi possível perceber um grande movimento de pais, mães ou responsáveis na escola. Porém, a verificação e validação de dados para comprovar esta percepção é uma necessidade bastante importante para que as ações realizadas tomassem corpo e pudessem ser legitimadas na comunidade escolar. A avaliação dos resultados se deu com a aplicação de questionários para os diversos componentes da comunidade escolar: pais, mães e/ou responsáveis, professores/as e gestão tiveram a oportunidade de expor sua opinião e fornecer dados para que as análises das diversas possibilidades e entraves de se pensar a participação a partir do trabalho com as Práticas Corporais.

A produção dos dados proferidos nessa fase foi feita de diferentes maneiras. Para os pais, mães e responsáveis foi enviado um pequeno questionário pelas listas de transmissão elaboradas no Whatsapp, no qual os mesmos colocaram suas visões acerca da participação nas atividades realizadas. As perguntas enviadas foram: Você achou importante participar

das atividades da gincana? Porque? Quais atividades você sugere para que a escola e vocês (pais, mães ou responsáveis) tenham mais contato? Do total de 263 mensagens

enviadas, recebemos o retorno de 223 responsáveis.

Imagem 22 - Pesquisa de opinião enviada aos/as responsáveis

Fonte: arquivo pessoal do autor

Outro instrumento que subsidiou as análises foram as atividades escritas realizadas pelos/as discentes ao final das oficinas de Práticas Corporais. Ao todo, foram verificados 102 textos, nos quais eles/elas colocavam seus pontos de vista, suas percepções, opiniões e sugestões. É importante colocar que o número de textos produzidos e analisados nesta etapa é fruto de uma ação em que os/as estudantes puderam se oferecer para responder às proposições. Foi realizado também, como forma de avaliar as atividades, uma entrevista com os ministrantes das oficinas. Após a gincana e diante das atividades já concluídas, foi importante verificar se as visões acerca da participação e da escola mudaram em relação às falas anteriores. Os resultados foram apresentados ao corpo técnico-pedagógico que também teve a oportunidade de se posicionar. Estes últimos registros compuseram o diário de bordo da pesquisa e auxiliaram na composição das análises.

A partir dos elementos suscitados pela dinâmica dos dados, foi possível perceber pontos importantes, nos quais assentaremos as nossas visões acerca da participação. Dessa maneira, o conteúdo extraído dos diversos discursos proferidos ao longo do processo, foi agrupado de acordo com a recorrência dos indícios que enunciavam, analisado e confrontado teoricamente para que pudéssemos conhecer as possibilidades e os entraves do trabalho com as Práticas Corporais e a articulação destes com fatores que envolvem a participação.

5.5 AS PRÁTICAS CORPORAIS E OS FATORES QUE DIFICULTAM A