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Por fim, a oficina de jiu-jitsu, ocorrida entre os dias 28 e 01 de outubro, levantou aspectos de teor parecido com os já notados nas atividades anteriores. Diferentemente das oficinas anteriores, as atividades ligadas ao jiu-jitsu aconteceram em um prédio ao lado da escola. Isso ocorreu devido à falta de material apropriado na escola. Na tentativa de sanar este problema, as placas de tatame, necessárias para que as vivências propostas acontecessem com segurança, foram solicitadas a uma academia da cidade, porém, sem sucesso devido as atividades que são realizadas no estabelecimento todos os dias.

A alternativa foi realizar a oficina em uma pousada que fica ao lado da unidade escolar. A mesma possui espaço amplo e o material necessário. Apesar de não estar utilizando as placas de tatame no dia da oficina, o proprietário preferiu ceder o espaço a emprestar o material, pois segundo ele, em outras ocasiões em que o material foi cedido, houve

deterioração e sumiço do mesmo. Diante desse quadro, aceitamos realizar a atividade na pousada, visto que este material é parte importante das atividades que seriam realizadas pelo professor N.V.

O Jiu-jitsu é bastante praticado na cidade de Prado. Sua principal ocorrência se dá em academias e em projetos sociais que ocorrem nas comunidades. Apesar disso, observei, desde o início, a dificuldade em conseguir material para executar a oficina na escola. Na maioria das vezes, o empréstimo era negado devido ao volume de atividades que eram realizadas nas outras instituições. Porém, é preciso ressaltar que a dificuldade de tematização dessa arte marcial é algo bastante recorrente.

Apesar de trazer aspectos dessa prática corporal para a aulas e, de adaptar seus fundamentos para a realidade da escola, que não oferece material apropriado e nem espaço adequado, ao longo de minha experiência docente, sempre observei um receio por parte dos/as estudantes em participar. Na maioria das vezes, os mesmos/as alegavam medo, pela insegurança gerada pela falta do tatame e indisponibilidade para realizar os movimentos específicos, como rolamentos e golpes no chão. Rufino e Darido (2015) apontam que, a defasem na infraestrutura e a falta de materiais pedagógicos são, realmente, grandes entraves para a tematização das lutas como conteúdo da Educação Física escolar. No entanto os autores entendem que a abordagem desta Prática Corporal na escola é possível a partir de adaptações de espaços e materiais.

Assim, mesmo com as dificuldades de infraestrutura, da falta de material didático-esportivo na escola e com as adequações necessárias, a oficina de jiu-jitsu prosseguiu de maneira satisfatória. O professor N.V, faixa preta na modalidade, possui licenciatura em Educação Física e é responsável por coordenar uma série de projetos no município. Sua figura é bastante conhecida pela sua atuação altruísta voltada aos/as jovens carentes da cidade. Em um círculo, o professor, apresentou-se e deu detalhes do que seria realizado. Questionou aos/as estudantes a respeito da prática do jiu-jitsu e de forma bastante didática, iniciou a oficina com um discurso sobre o sentido das lutas e da importância de estas serem abordadas na escola. Abaixo a fala inicial do professor:

Aposto que aqui poucas pessoas tiveram contato com as artes marciais na escola né? Isso acontece porque muita gente pensa que as lutas são práticas que envolvem a violência e que quem pratica vai realizar algum ato violento. Mas a verdade é que as artes marciais possuem um significado muito além disso e que traz princípios para as pessoas que as praticam. Quem luta Jiu-jitsu por exemplo é exigido em disciplina, em respeito e o que a gente preza é a cultura de paz. Não é porque a pessoa faz Jiu-jitsu que ela vai sair batendo em todo mundo na rua. Nas aulas e nos treinamentos ela aprende o contrário. Então tudo isso é um preconceito que existe e

que impede esse esporte de ser mais praticado. Isso aqui que a gente está vivenciando hoje é muito importante, porque estamos tendo a oportunidade de desmistificar e de apresentar uma nova face para essa arte marcial que é o Jiu-jitsu (PROFESSOR N.V.).

É possível compreender que há, na postura e no discurso do professor, uma grande preocupação em desconstruir receios e preconceitos que envolvem a prática corporal em voga. Inicialmente, os/as estudantes mostraram-se tímidos em relação à participação na oficina. Pelos comentários foi possível notar que a resistência se deu principalmente pelo fato do alto contato físico que a modalidade exige. Ao perceber isso, o professor realizou a seguinte intervenção:

Não precisa ter medo de tocar o colega. Isso aqui nada mais é do que o medo que a gente tem de chegar perto do próximo e a gente precisa começar a vencer isso. O que a gente vai fazer agora então é apertar a mão do seu parceiro e dar um abraço nele (PROFESSOR N.V.).

Apesar do choque inicial, após a intervenção, o professor N.V. conseguiu conduzir com mais facilidade as atividades da oficina. Os/as estudantes começaram a responder de uma forma menos tímida às propostas. Nessa oficina, as meninas relutaram mais em participar. O oposto da Zumba, por exemplo, em que as meninas estavam presentes em maior número. Durante as avaliações questionamos às meninas o porquê da não participação. A maioria delas foi enfática em dizer que as lutas possuíam um caráter mais masculino e, que, portanto, não gostavam de praticar. A intervenção do professor N.V. foi bastante pertinente. O mesmo colocou que realmente há um preconceito em relação a prática do jiu-jítsu por mulheres e que isso acontecia no esporte em geral. O mesmo citou como exemplo a seleção brasileira de futebol feminino em que as atletas recebem muito menos e são menos valorizadas do que os homens. Em suas palavras:

Tem sido comum essa visão de que a mulher é menos capacitada para praticar certos esportes e isso é histórico e cultural. Porém a gente precisa discutir essas coisas e entender que essas questões prejudicam muitas pessoas. Esse negócio que fulana vai virar homem se lutar ou jogar futebol precisa ser revisto. E nós é que começamos essa mudança.... Entendendo que não é porque a pessoa luta, ou joga futebol ou dança que ela vai se masculinizar. Fica aí essa questão para vocês refletirem (PROFESSOR N.V.). O debate prosseguiu com colocações dos/as estudantes:

Eu mesma já vivenciei isso em casa. Antigamente minha mãe me proibia de praticar jiu jitsu porque ela achava que era coisa para homem. Eu demorei muito para convencer ela e mesmo assim de vez em quando ela ainda joga umas indiretas. É muito ruim você viver isso, as vezes ter que deixar de fazer uma coisa que você gosta por um pensamento errado quer as pessoas têm (ESTUDANTE 40).

Eu vejo que isso tá mudando. Mas ainda é muito pouco. As meninas estão até ganhando um pouco mais de espaço. Mas é dureza. Lá em casa mesmo minha mãe implica demais com minha irmã porque ela gosta de jogar futebol. Acho que a mesma coisa acontece no jiu-jítsu e em outras coisas. Mas tomara que a gente consiga mudar isso (ESTUDANTE 55).

Eu até gosto de ver, mas eu não me sinto motivada a praticar esse tipo de esporte porque esse negócio de força é mais com homem. Sei lá acho que mulher e mais delicada. Mas é um esporte legal de se ver (ESTUDANTE 11).

Os discursos acima trazem bastante destaque para as questões de gênero. Ao se posicionarem e trazerem experiências pessoais para o debate, os/as estudantes enriqueceram a atividade e trouxeram para a mesma um sentido amplo e atual. Além disso, temos aqui, mais uma vez a reafirmação das questões de gênero como um importante fator a ser analisado para se pensar a participação comunitária. A visão apresentada pelos/as discentes é, muitas vezes reflexo das aspirações e experiências vivenciadas em casa, com os pais, mães ou responsáveis e fruto de uma cultura ainda baseada nos princípios do patriarcado enraizado em nossa sociedade. Considerar que é preciso, para estreitar laços entre escola e comunidade, trabalhar com estratégias para desconstruir concepções já arraigadas ou pelo menos apresentar novas possibilidades diante delas, é um fato.

As falas geraram um debate bastante acirrado. Por questões de tempo, encerramos a atividade e iniciamos a avaliação escrita, na qual os/as jovens eram oportunizados /as a apresentar, de forma anônima, suas visões acerca das atividades. Assim como nas oficinas anteriores, a orientação era que eles/as analisassem os pontos positivos ou negativo de trazer atividades da comunidade para a escola. Dentre as colocações as que mais chamaram a atenção foram:

É bom ter essas atividades porque a gente tem experiências de algumas coisas que acontecem na nossa cidade e muitas vezes nós não conhecemos. Por exemplo, eu não sabia que poderia praticar Jiu-Jitsu em um projeto e nem sabia que tanta gente praticava aqui na cidade (ESTUDANTE 18).

Eu gostei porque me sinto valorizado em ter uma atividade que eu faço fora da escola aqui. Ficam mais interessante as aulas e a gente consegue (ESTUDANTE 44).

Eu não sou muito de praticar esportes e tenho um pouco de medo. Mas eu acho importante ter essas atividades da comunidade aqui na escola porque acaba sendo um pouco da realidade que muitos alunos já vivem e acaba valorizando também (ESTUDANTE 38). Eu não gosto. Prefiro que tenha aula normal com futsal e esportes que a gente já pratica (ESTUDANTE 9).

As colocações dos/as estudantes na avaliação escrita, mostram que há uma necessidade de integrar as Práticas Corporais comunitárias à escola. O fato de, 53% das respostas, trazerem indicações que mostram que os/as estudantes se sentem mais valorizados/as ao terem contato com práticas da cultura local na escola e, a compreensão de que os desdobramentos desse tipo de atividade afetam a realidade deles/as é um produto interessante que envolve o protagonismo e a autonomia desses/as jovens. Estes aspectos se relacionam com a influência direta na seleção dos conteúdos das oficinas e com o envolvimento ativo na construção das propostas seguintes.

De acordo com Dayrell (2016 p. 103), o estímulo ao protagonismo juvenil é importante à medida que isso oferece ao/a jovem oportunidades de se colocar no mundo e de exercer funções sociais de forma autônoma. O autor compreende que:

o protagonismo juvenil como uma concepção e uma postura advindas do reconhecimento dx jovem como sujeito, que interpreta seu mundo, age sobre ele e dá um sentido à sua vida. Implica reconhecê-lx como detentor de saberes, de formas de sociabilidade e de práticas culturais. Dessa forma, considerar x jovem como protagonista significa construir as ações em conjunto com elx e não tanto para elx, o que leva a estabelecer uma relação dialógica baseada na sua autonomia.

A construção de vias participativas, perpassam justamente pela ideia de oferecer aos/as jovens oportunidades de atuarem como protagonistas das ações. O estabelecimento de condições de participação que dialogam, valorizam e incluem o/a jovem em seu cerne, contribuem significativamente para a formação das identidades desse grupo.

Como já relatado no percurso metodológico, todas as atividades realizadas durantes as oficinas foram registradas e encaminhadas juntamente com uma nota explicativa, via

Whatsapp para a comunidade escolar. Como as Práticas Corporais que estavam sendo

trabalhadas foram selecionadas também por eles/as, pensamos ser importante divulgar e desde já provocar uma possível identificação entre comunidade e escola.

Imagem 20 - Capturas de tela das informações enviadas

Fonte: arquivo pessoal do autor