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Caracterização da estrutura teórica da filosofia prática: distinção fundamental entre sentenças empíricas e sentenças filosóficas

O PROJETO FILOSÓFICO E SUA RELEVÂNCIA PARA A ARQUITETÔNICA DA ÉTICA DO DISCURSO

3.3 Caracterização da estrutura teórica da filosofia prática: distinção fundamental entre sentenças empíricas e sentenças filosóficas

Habermas também considera que se deve entender como hipótese os enunciados básicos da “pragmática universal” que tratam dos pressupostos necessários da comunicação

e, também, que estes enunciados deveriam comprovar-se empiricamente, analogamente, às hipóteses da lingüística de Chomsky. Não que Habermas tenha defendido explicitamente um falibilismo irrestrito, o que se afirma é o caráter hipotético dos principais enunciados da pragmática formal e se estabelece uma analogia entre a comprovação dos enunciados da pragmática-formal com os enunciados da ciência lingüística.

Tal qual Apel, a filosofia prática de Habermas parte de um contexto histórico específico. Ele distingue características próprias da sociedade moderna frente às sociedades antigas. Nestas, a ética fazia parte das “cosmovisões” ontológicas e seteriológicas que serviam de base à integração social. Os critérios para a ação humana justificavam-se a partir da estrutura objetiva de sentido imanente na natureza e na realidade social e não no ser humano e seus fins. Nesta perspectiva, moral e direito estão intimamente vinculados a determinadas concepções de vida boa, o que implica a defesa da prioridade do bem em relação ao justo.247

Algo diferente ocorre nas sociedades modernas plurais em que não há um consenso substantivo sobre valores, mas uma multiplicidade de formas de auto-realização humana. Isto significa o reconhecimento de visões diferenciadas sobre a realidade no seio do qual se estabelece uma concepção determinada dos significados e fins últimos da existência humana. Aqui, emerge um conceito de moral que é inconciliável com qualquer visão dogmática do mundo; caso se pretenda configurar normativamente a vida individual e coletiva só pode ser uma moral radicada na racionalidade, partilhada por todas as pessoas, portanto, uma moral autônoma, imparcial e crítica. Isso implica a seguinte pergunta para a filosofia prática: como fundamentar princípios normativos para a configuração da vida em comum em sociedades marcadas pelo pluralismo de formas de vida?

A filosofia na modernidade se defronta com o surgimento das ciências empíricas, que através de procedimentos próprios, buscam dar explicações para todas as questões da vida humana. Isto irá trazer conseqüências para a articulação da filosofia prática.

Então, a partir deste contexto, em que se apresenta a pluralidade de saberes e se busca determinar a relação entre o saber filosófico e o saber empírico da ciência, efetivar- se-á na teoria discursiva uma cisão entre dois modos fundamentais de pensar a

247 Caminhos diferentes seguem Apel e Habermas que defendem a prioridade de uma moral deontológica

fundamentação e a relação entre moral, o direito e a democracia.248 Com isso, pretende-se indicar que a ênfase e ponto de partida da cisão, para pensar a distinção entre dois modos essenciais de tratar a fundamentação moral e o conceito de razão prática ou a fundamentação e relação entre moral, o direito e a política, numa perspectiva da teoria discursiva, recaem fundamentalmente na tematização da relação entre proposições filosóficas e proposições das ciências sociais reconstrutivas. Dessa forma, na seqüência, elaboremos a reconstrução apeliana dessa problemática.

A pretensão de Apel é fundamentar o princípio formal e procedimental da ética do discurso através de uma fundamentação última pragmático-transcendental que recorra não só a “recursos de segundo plano” de formas socioculturais de viver (Habermas) - enquanto “estrutura preliminar” da facticidade do ser-no-mundo que intui, a qual precede qualquer entendimento e torna-o possível (Heidegger, Gadammer) - mas às pressuposições da argumentação incapazes de serem racionalmente negadas.

A pragmática-transcendental reconhece, por exemplo, que o pleito de veracidade da ciência “... deve, para ser resgatado argumentativamente, aproveitar, por sua vez, pressuposições éticas da racionalidade comunicativa do discurso”.249 Todo aquele que

argumenta reconhece também as normas éticas de uma comunidade ideal ilimitada de comunicação: as normas básicas do tratamento com igual justiça de todos os participantes imagináveis da argumentação e a norma básica da co-responsabilidade desses participantes na identificação e solução de todos os problemas capazes de serem discutidos.

Tratando acerca da compreensão, Apel afirma que ele suspeita que existe a “...tendência de não–distinção, de Habermas, entre a compreensão reconstrutiva concreta, empiricamente controlável, e a teoria filosófica da compreensão – da TAC, da pragmática

universal e, respectivamente, formal que a fundamenta decisivamente”.250

Para Apel, a pragmática universal e, respectivamente, formal não é uma teoria empiricamente generalizante, como no caso da “... lingüística de Chomsky estabelecesse, em relação a pressuposições humanas inatas de gramática, “propriedades universais”

248 Cf. OLIVEIRA, M. A. Moral, direito e democracia: o debate Apel versus Habermas no contexto de uma

concepção procedimental da filosofia prática, Op. cit., p. 148.

249Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 46. 250Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 47.

hipotéticas que pudessem ou devessem ser comprovadas empiricamente por experimentos (...) ou por observações em falantes competentes”.251

Para ele, em sua substância formal-pragmática “a TAC contém declarações – por exemplo, a respeito dos quatro pleitos necessariamente implícitos de validade dos atos de

comunicação humanos, passíveis de reflexão no discurso argumentativo – a respeito da capacidade consensual de os pleitos de validade serem resgatados, a ser necessariamente

pressuposta, e a respeito do primado da racionalidade comunicativa diante da instrumental

e estratégica racionalidade de finalidade (...), que, para qualquer reexame empírico

imaginável de hipóteses, já estão pressupostas ...”.252

O motivo é que Apel considera o princípio do discurso – que contém todas as disposições referentes a pleitos de validade e a seu resgate – como uma pressuposição pragmático-transcendental do princípio de falsificação. Como referido, ele não poderá, portanto, como condição de sentido do princípio de falsificação ser empiricamente reexaminado, falsificado ou falível.253

Apel propõe como alternativa – também do reexame empírico - das declarações centrais da pragmática universal: “todas as candidatas ao status de declarações genuinamente universal-pragmáticas (...) precisam ser reexaminadas quanto à possibilidade de serem negadas sem autocontradição performativa. Se isso não for possível, (...) estaremos lidando com uma declaração transcendental-pragmática que possui caráter

filosófico de fundamentação última, na medida em que ela é irrecorrível para qualquer

modo de se argumentar ...”.254

Com base nessas considerações, Apel elabora uma análise do ponto central de divergência que se desenvolveu entre ele e Habermas onde, segundo aquele, aponta principalmente “... para uma diferença de estratégias de conceituação e, respectivamente, de argumentação”.255 Deixemos claro o significado disso.

Os projetos de elaboração da ética do discurso são bastante diferenciados em Habermas e Apel, no entanto, há convergências de idéias sobre certas questões. Ambos defendem, de um lado, a postura universalista da ética moderna que se refere às pretensões 251 Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 48. 252Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 48. 253 Cf. APEL, K.-O. FNT, pp. 48-9. 254 Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 49. 255 Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 24.

de validade implicadas na linguagem256, por outro lado, a idéia de que todo discurso humano, inclusive o discurso argumentativo, parte de contextos concretos dos mundos da vida257.

A pragmática-transcendental, assim como Habermas, parte de um horizonte de pré-compreensão enquanto “recurso de segundo plano do “contexto social”, do qual depende qualquer entendimento (Habermas, Teoria da Ação Comunicativa (TAC). Nesse contexto, ambos são herdeiros do hermeneutic-linguistic-pragmatic-turn da filosofia contemporânea e encontram-se ligados à tradição de pensadores como Wittgenstein, Heidegger, Gadammer, Searle e Richard Rorty. No entanto, para Apel, isso não significa que se assuma a tese de que haja apenas uma “base contingente de consenso”, pelo qual este último define seu historismo.

Apel considera, no entanto, que a pergunta fundamental, neste contexto, refere-se à estrutura específica do saber filosófico: bastará ao discurso filosófico confiar nestas certezas fáticas histórico-contingentes de um modo de vida (Wittgenstein), ou deverá também recorrer às pressuposições indiscutivelmente universais de entendimento certificáveis por meio de uma reflexão transcendental?258 Nessa perspectiva, cabe a

seguinte interrogação: “basta ao discurso filosófico confiar nestas fontes pragmáticas do dia-a-dia, que são pressupostas por toda compreensão e constituem certezas faticamente isentas de dúvida e irrecusáveis do ponto de vista prático, e assim se articular como uma teoria reconstrutiva destas certezas históricas: Ou o discurso argumentativo deve, precisamente como forma de reflexão da comunicação do mundo vivido, recorrer, além dos pressupostos socioculturais provenientes das formas históricas de vida, aos pressupostos de outro nível – necessários e irrenunciáveis não apenas faticamente, portanto, não mais relativizáveis, embora sem apelo a um fundamento absoluto transcendente no horizonte de

256 Aqui se apresenta o momento de incondicionalidade e idealidade da pressuposição contrafática e

antecipação efetiva do possível consenso sobre a validade das pretensões entre todos os parceiros pensáveis da argumentação.

257 Daqui resulta a idéia de que toda e qualquer compreensão humana depende destes contextos dos mundos

da vida, revelando-se essencialmente enquanto histórico e contingente. Esta última posição é reforçada pelo fato de que todo argumentante pertence a uma comunidade real de comunicação que é socioculturalmente condicionada, limitada e institucionalmente configurada. Aquilo que Apel chama de a priori da facticidade.

uma teoria metafísica da fundamentação – e que tornam o próprio discurso argumentativo possível e precedem logicamente a todas as formas de comunicação no mundo vivido?”.259

Daqui se estabelece uma cisão no pensamento de Habermas e Apel. Uma pequena distinção que trará conseqüências importantes quando da elaboração da estrutura da razão prática. Tal cisão se refere à fundamentação da dimensão normativa da linguagem, a partir do ponto em que se fundamentam e explicitam os diferentes discursos normativos: da moral, do direito e da política. Então, de maneira genérica é possível dizer que as controvérsias entre Habermas e Apel acerca da ética do discurso se efetivam a partir dos modos diferenciados como a esfera normativa da linguagem é fundamentada no programa de cada autor e que o modo distinto de pensar a fundamentação moral e o conceito de razão prática ocorre em princípio a partir de tal diferença. Portanto, no tratamento dessa diferença, está presente, fundamentalmente, a controvérsia, em ambos os programas, sobre o modo distinto de tematizarem a relação metodológica entre sentenças empíricas e sentenças filosóficas.

No seu modelo de Teoria Crítica, Habermas confere à filosofia o papel de desenvolver uma teoria reconstrutiva da racionalidade comunicativa. Neste primeiro passo, ela se entende como teoria dos pressupostos pragmáticos da comunicação. Porém, ao contrário do que argumenta Apel em sua versão da ética do discurso, Habermas rejeita a fundamentação última260, válida a priori, das pretensões filosóficas de validade das sentenças pragmático-universais sobre os pressupostos necessários do discurso argumentativo. Os pressupostos pragmáticos da comunicação não possuem o status de uma fundamentação última; primeiramente, em virtude de que eles se apóiam em interpretações e reconstruções teóricas em princípio falíveis; em segundo lugar, pela impossibilidade de se

259 Cf. OLIVEIRA, M. A. Moral, direito e democracia: o debate Apel versus Habermas no contexto de uma

concepção procedimental da filosofia prática, Op. cit., p. 149. Apel propõe, nesse caso, uma fundamentação

filosófica última que, ao mesmo tempo, seja não-metafísica. Para tratar dessa questão e sua aceitação no contexto da filosofia atual, conferir Fundamentação Última Não-Metafísica?. In: STEIN, E.; DE BONI, L. A.,

Dialética e Liberdade, Festschrift em homenagem a Carlos Roberto Cirne-Lima. Petrópolis\Porto Alegre:

Vozes,1993, pp.305-26.

260 Segundo Apel, a conclusão de Habermas é que uma fundamentação última do princípio da moralidade é

impossível e desnecessária. Não obstante considera “... não ser a respectiva eticidade do mundo da vida, mas os princípios da moralidade (...) que representam os critérios formais e, nessa medida, exclusivamente universais do dever: critérios que necessariamente abstraem de quaisquer avaliações particulares da vida boa e, portanto, “incidem” na eticidade das formas de vida concretas, de tal modo que surge, conseqüentemente, um problema complementar em relação à realização individual da boa vida sob as condições restritivas da moralidade”. Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 34.

poder excluir uma transformação histórica dos padrões de racionalidade comunicativa. Em seu segundo passo reconstrutivo, Habermas integra essas reconstruções no âmbito de teorias hipotéticas sobre os desenvolvimentos ontogenéticos e filogenéticos da consciência moral, verificadas empiricamente. Desta forma, diz-se que a filosofia pode ser uma ciência reconstrutiva que trabalha em cooperação com outras ciências reconstrutivas, isto é, ciências humanas que investigam, sob condições empíricas, a gênese e o desenvolvimento de estruturas cognitivas e normativas.

Segundo Apel, Habermas, por um lado, gostaria de manter o universalismo dos pleitos de validade vinculados ao discurso humano, assim como, o elemento de incondicionalidade e de idealidade na pressuposição contrafactual, porém, de outro lado, ele “... sempre rejeitou como impossível e desnecessária a exigência de uma

fundamentação última, válida a priori, do pleito filosófico de validade das declarações

universal-pragmáticas a respeito das necessárias pressuposições, há pouco mencionadas, do discurso argumentativo”.261

Segundo Apel, apesar de Habermas ter isso como pressuposto em cada discussão, no entanto, pretende, mesmo assim, que a fundamentação filosófica racional do princípio da ética seja substituída pelo recurso à eticidade, que efetivamente funciona, da ação comunicativa no mundo da vida.262

Neste contexto, segundo Apel, Habermas “... negou, por exemplo, que houvesse uma diferença principiológica, epistemológica e metodologicamente relevante entre as possíveis declarações das ciências sociais empírico-reconstrutivas (as declarações hipotéticas da lingüística chomskyana a respeito das universalidades da gramática) e as declarações universais – a meu ver, válidas a priori – da filosofia (as declarações, mencionadas acima, da pragmática universal) ...”.263 Dessa forma, ele recorre ao princípio do falibilismo irrestrito264 também para as proposições da pragmática universal (assim

261 Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 27. 262 Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 38. 263 Cf. APEL, K.-O. FNT, pp. 27-8.

264 Kuhlmann, junto com Apel, diferencia declarações que explicitam o princípio do falibilismo e as

pressuposições necessariamente nele implícitas (pressuposições necessárias da argumentação). Dessa forma, Kuhlmann estabelece a distinção entre declarações que – da ciência empírica – formulam um pleito de veracidade e declarações reflexivas que – proposições filosóficas – formulam a reserva de certeza e de falibilidade, respectivamente, que faz parte de cada pleito empírico de veracidade. No entanto, Apel adianta que as declarações filosóficas da pragmática-transcendental “... ainda é levada além dos limites da reserva

como, para as declarações a respeito do princípio falibilista e das suas necessárias pressuposições).

Portanto, segundo a interpretação apeliana, Habermas recusa-se a distinguir epistemológico e metodologicamente entre as possíveis sentenças das ciências reconstrutivo-empíricas e as sentenças universais de validade a priori da filosofia. Isto implica de imediato “a aplicação do princípio do falibilismo às próprias sentenças da pragmática universal filosófica, portanto, também, às sentenças sobre o princípio do falibilismo e das pressuposições necessárias da linguagem humana. Por esta razão, ele considera as condições necessárias da comunicação também contextuais, históricas e contingentes, conseqüentemente falíveis e sujeitas a uma acareação empírica, como as sentenças das ciências empíricas”.265

Perante tal situação, Apel se pergunta: como é possível submeter as próprias condições necessárias de todo discurso a uma acareação empírica, a uma tentativa de falsificação? Caso sejam rejeitadas, estas condições não confirmar-se-iam como pressuposições necessárias de possibilidade do discurso de falsificação e do discurso de sua própria negação? Neste caso, ele põe a necessidade da “diferença transcendental” entre hipóteses (sentenças das ciências empíricas), cujo teste empírico e a possível falsificação são de antemão previsíveis, e sentenças sobre as pressuposições do próprio teste (sentenças filosóficas), de cuja validade dependem os procedimentos do teste empírico.

Apel, dessa forma, se pergunta como Habermas consegue sustentar, ainda assim, sob estes pressupostos “antifundamentalistas”, os seus pleitos de fundamentação

normativo-universalistas em relação às condições de possibilidade de uma teoria crítica?

Ou “como ele pode partir do fato de que, ao avaliar criticamente as formas socioculturais de vida, que a cada vez determinam o conteúdo específico dos recursos de segundo plano do mundo da vida, sejam aproveitadas não simplesmente outras pressuposições de segundo sensata do falibilismo até a autocertificação reflexiva dos pleitos de veracidade da filosofia, impossíveis de serem frustrados”. Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 29.

Apel considera que Habermas rejeitou tal argumentação com a seguinte afirmação: “Não há um metadiscurso no sentido de que um discurso superior pudesse prescrever as regras para um discurso subalterno. Jogos argumentativos não constituem uma hierarquia”. Apel retira tal explicação de Kommunikatives Handeln. HONNETH, A. & JOAS, H. (ed.), Frankfurt/M: Suhrkamp, 1986, p.350. Diante disso, ele se pergunta se Habermas não percebeu que essa sentença pleiteia justamente aquilo que ela nega – e, portanto, ela expressa uma contradição performativa? Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 29.

265 Cf. OLIVEIRA, M. A. de. Moral, direito e democracia: o debate Apel versus Habermas no contexto de

plano do mundo da vida, mas também pressuposições de padrão normativo que conseguem justificar a crítica?”.266

Com isso, podemos, também, justificar os motivos pelos quais Apel se contrapõe a analogia estabelecida entre os enunciados da pragmática universal e os da lingüística. Apel, remetendo a Thomas McCarthy, considera que há uma aporia que se manifesta no pensamento de Habermas: se a pragmática universal se entende como ciência reconstrutiva empírica e que esta reconstrução operativa, no âmbito objetivo, corresponde exatamente às regras, então, pergunta-se: Como se pode chegar ao resultado de que as pretensões de validade sejam condições universais indubitáveis do possível acordo? Por que razão a pragmática universal pode servir como base de validade do discurso?

Apel responde que não é possível “alcançar uma reconstrução crítica das regras que são operativas no âmbito objetivo das ciências sociais – e é isto o que interessa a Habermas”, caso se reconheça como princípio da reconstrução as regras vigentes, faticamente operativas.267 Como entender o sentido dos conceitos de verificação, exame empírico, falseabilidade, etc., sem pressupor já o que se pretende examinar, ou seja, as quatro pretensões de validade e sua possível realização no discurso?268

Para Apel, o motivo da analogia estabelecida por Habermas, entre enunciados pragmático-universais e os da lingüística no sentido de Chomsky, consiste na confusão dos

indícios que representam as anomalias lingüísticas, como indicado acima. Para ele,

Habermas elabora uma aprovação contextualista da diferença transcendental entre pretensões de validade empíricas e os enunciados filosóficos. A partir disso, indaga-se

266 Cf. APEL, K.-O. FNT, p. 31.

267 Cf. APEL, K.-O. FTF, pp. 121-22, nota 84. Segundo Apel, no âmbito da moral e do direito, isto vai ser

bastante questionável, para não falar da confusão que, de fato, existe entre ação estratégica e a ação consensual-comunicativa.

268 A resposta de Apel é que se tem de abordar de forma a priori com base em princípios normativos os quais

não se pode negar no discurso da reconstrução sem autocontradição. Tais princípios ou pressupostos são idênticos ao tipo ideal da comunicação humana que se antecipa já sempre contrafaticamente nas pretensões universais de validade dos homens. Para Apel, “a fundamentação normativa da identidade – suposta também por Habermas – entre condições universais das regras da comunicação humana e as condições do discurso argumentativo, tem que se efetuar não naturalisticamente, mas sim de certa forma “desde acima”, quer dizer, no sentido do princípio do autoalcance (selbsteinholung) do discurso das ciências crítico-reconstrutivas,” portanto, princípios que são derivados da auto-fundamentação última filosófica. Cf. APEL, K.-O. Ibid. Segundo Apel, o próprio Habermas – contrariamente a sua compreensão metodológica – procede de acordo com o princípio da pragmática-transcendental, quando se serve do tipo ideal da comunicação orientada ao acordo contrariamente ao uso encoberto da ação estratégica, onde esta última é apresentada como