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O problema de uma racionalidade ética

PONTO DE PARTIDA DA ÉTICA E A NECESSIDADE DE UM MODELO DE FUNDAMENTAÇÃO PRAGMÁTICO-

1.3 O problema de uma racionalidade ética

Indicamos, para o tratamento dessa questão, uma mudança de enfoque: partirmos nas reflexões anteriores de uma espécie de diagnóstico de época que resultou numa situação paradoxal da ética contemporânea, para a passagem, como nova estratégia, de uma reflexão ao nível filosófico da racionalidade ética.

Para Apel, o resultado mais importante que podemos extrair da análise crítica dos pressupostos inerentes ao sistema ocidental de complementaridade reside na diferença

121 Cf. OLIVEIRA, M. A. Ibid, p. 309. 122 Cf. OLIVEIRA, M. A. Ibid. 123 Cf. OLIVEIRA, M. A. Ibid, p. 310.

que aparece entre uma racionalidade comunicativo-consensual e uma racionalidade de ação estratégica. Ambos os tipos de racionalidade constituem-se em formas de interação e de comunicação entre os homens enquanto sujeitos de ação.124 Ele considera que somente a racionalidade comunicativo-consensual pressupõe normas que se situam a priori além do interesse individual particular que se baseia no cálculo, enquanto, ao contrário, a razão estratégica se fundamenta exclusivamente sobre o pressuposto da reciprocidade que supõe o exercício da racionalidade instrumental e técnica na convivência humana.125 Disto, resulta que a racionalidade estratégico-instrumental não pode constituir-se sozinha numa base satisfatória para a ética, senão ao contrário, é a racionalidade comunicativo-consensual que deve estar na base da ética. O limite do sistema de complementaridade reside, portanto, no fato de não terem distinguido satisfatoriamente a racionalidade comunicativa e racionalidade estratégica, de modo a não mais reconhecerem a possibilidade de uma racionalidade ética.

Segundo Apel, se o fundamento dos acordos – por exemplo, os contratos – que estão na base de toda forma de direito, tivesse que ser procurado exclusivamente no livre arbítrio e interesse particular, totalmente definido pelo cálculo estratégico, então, não haveria razões para alguém cumprir um contrato sem haver reserva ou cláusula restritiva criminal.

Neste caso, se põe a questão de saber se a adoção de um princípio de racionalidade, por exemplo, a norma ética de aspirar a acordos no caso de conflito, não é utópica no mau sentido do termo. O que Apel alega é que cada um entre nós, enquanto ser vivo, deve, também, ser responsável ou responder moralmente por sistemas de auto- afirmação, no caso a família, o grupo de interesse a que se pertence e enquanto político ao Estado. Levando em conta esta responsabilidade, “o homem, porém, com muita freqüência, não pode, e até mesmo não deve pressupor que os outros – os quais igualmente devem ser responsáveis por sistemas de auto-afirmação – observarão o imperativo categórico ou o princípio de reciprocidade subtendido na formação do consenso”.126 Em tais situações, ele não apenas pode agir de forma comunicativo-consensual, mas deve ao menos também agir

124 Cf. APEL, K.-O. SM, p. 60. SH, p. 30. 125 Cf. APEL, K.-O. Ibid., conferir, também, ELF. 126 Cf. APEL, K.-O. SM, pp. 61-2. SH, p. 32.

estrategicamente.127 Apel considera que isto se assemelha ao problema posto por Maquiavel e retomado por Weber, quando opõe a ética da convicção à ética da

responsabilidade (política), problema que até agora não foi resolvido pela ética filosófica.

Assim, desde então, a problemática da ética política vai estar marcada pela tensão – muitas vezes oculta – entre universalismo consensual e referência estratégica aos sistemas de auto- afirmação. Isto vale, sobretudo, para a situação contemporânea de crise ecológica e estratégico-nuclear. Perante esta situação é que Apel aponta para uma estratégia de finalidade moral como exigência prévia de uma continuação humana da evolução. Assim, parece, em princípio, diante do desafio da crise em que se encontra o homem, ser possível a seguinte concepção de uma ética política fundamental:

“... aqui o pensamento estratégico que se relaciona com a auto- afirmação dos diversos sistemas sócio-políticos, - e em última análise também os dos indivíduos - em cada caso, na situação concreta, deveria ser mediado por uma estratégia finalística de longo prazo da moral consensual. Esta estratégia finalística brota da norma básica da moral consensual e da circunstância contingente da

conditio humana que nós – como representantes de sistemas de auto-afirmação

política – não vivemos num mundo em que pudéssemos, sem mais, contar com o fato de que a norma básica da moral consensual seja obedecida. A estratégia finalística que se impõe estipula por conseqüência que nós deveríamos constantemente tentar contribuir para a realização de tais condições, as quais devem ser exigidas pela norma básica e antecipadas contrafaticamente no discurso argumentativo”.128

Por fim, a distinção estabelecida por Apel entre racionalidade comunicativo- consensual e racionalidade estratégica vai ser importante, no sentido de fundamentar sua proposta de ética do discurso em pressupostos que somente podem ser encontrados no âmbito de uma racionalidade argumentativa - prático-intersubjetiva - normativo e contrafática. No entanto, antes de expor a proposta pragmático-transcendental, vejamos

127 Na reflexão da ética do discurso, como ética da responsabilidade, na parte B de fundamentação, Apel

tematiza a mediação entre racionalidade estratégica de ação e racionalidade comunicativo-consensual. Remeter neste trabalho à questão da descoberta do princípio formal-normativo complementar C, como mediação de moralidade e eticidade, razão ética e razão estratégica de ação.

como Apel, a partir de sua reconstrução da posição de Habermas, caracteriza estes tipos de racionalidade no tratamento da tensão entre os critérios de validade e os critérios estratégicos de racionalidade.129

Com este objetivo, Apel parte da arquitetônica filosófica fundada por Habermas, que permite, desde o ponto de vista da tensão entre critérios de validade e os de uma racionalidade estratégica - bem como, das relações de significado e validade - as seguintes distinções:

a) Em primeiro lugar, a diferenciação, em conexão com Karl Bühler, das três funções da linguagem: a função expositiva que se refere às proposições, a função expressiva e a função apelativa.

b) Em segundo lugar, a diferenciação entre três dimensões do mundo, que se refere primeiramente ao mundo dos objetos de referência e de estados de coisas que se descrevem, o mundo social da interação e comunicação, regulado por normas, e por fim o mundo interior subjetivo.

c) Em terceiro lugar, a diferenciação entre três pretensões universais de validade que se distinguem da pretensão ao sentido ou compreensibilidade dos atos de fala, a saber: a pretensão de verdade “referida ao mundo objetivo, cujos portadores são as proposições afirmadas dos atos de fala constatativos ou assertóricos”; as pretensões à correção normativa dos atos de fala “enquanto atos comunicativos, com referência a normas (jurídicas ou morais) do mundo social, os quais levantam uma pretensão frente aos destinatários”; por fim a pretensão de veracidade ou de sinceridade dos atos de fala “enquanto automanifestação expressiva que expõe algo do mundo interior, subjetivo do falante”.130

Para Apel, neste contexto, é importante a distinção que Habermas estabelece entre a comunicação do mundo da vida e o discurso argumentativo descarregado dos contextos de ação. Segundo ele, interpreta Apel, o entendimento, no nível da comunicação e interação do mundo da vida, tem lugar a serviço da coordenação social das ações; também

129 Cf. APEL, K-O. SM.

se pode dizer, que esta “coordenação tem lugar, normalmente sobre a base da “força social vinculante” que têm as “pretensões de validade”, na medida em que não só são entendidas, mas, também, aceitas”.131 Vai ser, portanto, no nível do discurso argumentativo “descarregado dos contextos de ação”, que a comunicação e interação do mundo da vida será objeto de análise crítico-reflexiva e isto significa dizer que “as pretensões de validade dos atos de comunicação que foram entendidas, mas não aceitas, podem ser resgatadas ou rechaçadas, mediante argumentos”.132 Com isso, Apel chega à compreensão de que somente mediante uma reflexão crítico-argumentativa é possível atestar racionalmente a legitimidade destas pretensões à validade problematizadas.

No que se refere à arquitetônica habermasiana, Apel afirma que não “pode compreender e valorar exatamente da mesma maneira que Habermas a comunicação e

interação do mundo da vida por um lado, e, por outro lado, o discurso argumentativo em

seu significado para a fundamentação da resolução racional das três diferentes pretensões de validade”.133 Apel aceita a opinião de que o discurso descarregado dos contextos de ação tem a função de resolver pretensões de validade problematizadas no mundo da vida através de argumentos que sejam aptos para obter consenso, no entanto, avalia de forma diferente a Habermas, o problema da fundamentação que se põe neste contexto. Isto ocorre em virtude de que Apel mantém-se atrelado ao programa de uma transformação da filosofia transcendental e, neste sentido, sustenta a necessidade de uma fundamentação última reflexiva.134 Ele considera que Habermas prescinde de tal tarefa, pois não “(...) está disposto em última instância a reconhecer uma diferença metodologicamente relevante entre as pretensões de validade universal da filosofia - por exemplo, da sua própria filosofia -, e as pretensões de validade das ciências sociais reconstrutivas”.135 No entanto, Habermas

131 Cf. APEL, K.-O. Ibid. 132 Cf. APEL, K.-O. Ibid. 133 Cf. APEL, K.-O. Ibid, p.126.

134 Com esta pretensão, Apel elaborou o conceito de uma fundamentação transcendental última da filosofia

teórica e prática. Tal fundamentação última só pode ser levada a cabo mediante uma reflexão estrita sobre as pressuposições de um argumentar filosófico em ato. Quando da tentativa de impugnação e de dúvidas em relação a esta fundamentação última, se mostra que o argumentante tem que enredar em uma auto-contradição performativa, pois a mesma é pressuposta, implicitamente, como condição de possibilidade e validade desta contestação e dúvida. Com isso, chega-se ao resultado de que sob esta perspectiva não se pode substituir esta fundamentação última pragmático-transcendental das condições ideais de validade, mediante o recurso ao transfundo de certezas faticamente inelimináveis do “mundo da vida”. Cf. APEL, K.-O. Ibid. pp.132-3. Remeter ao terceiro capítulo do nosso texto.

se viu obrigado a reconhecer esta diferença, quando do confronto com seus críticos que o acusavam de idealismo encoberto em sua descrição sociológica das relações de interação e comunicação do mundo da vida, pois neste momento se viu forçado reiteradamente a recorrer à diferença metodológica entre proposições filosóficas e proposições sociológicas, e a destacar, em especial, a diferença entre o conceito pragmático formal e o conceito sociológico do mundo da vida. Neste sentido precisou argumentar, de fato, como se a

Teoria da Ação Comunicativa pudesse pressupor para ele mesmo uma fundamentação

pragmático-transcendental.136 Desta forma, para Apel, somente a reflexão pragmático- transcendental é capaz de dar conta dos pressupostos da própria pragmática universal, que mais de uma vez recorre a uma legitimação transcendental ou quase-transcendental.

Continuando com a sua análise da arquitetônica habermasiana, Apel reflete sobre a resposta que poderia dar aos argumentos dos realistas e empiristas contra o que chamam de “idealismo da comunicação”, que consideram presente na tese habermasiana de que “... na práxis da comunicação e interação do mundo da vida operam como boas razões para a aceitação ou não-aceitação dos atos de fala não somente os critérios de validade, mas, também, critérios estratégicos de racionalidade”.137 Sob este aspecto surge uma

diferença entre Apel e Habermas, pois para Apel os realistas e empiristas têm razão na medida em que:

“Resulta, no meu modo de ver, simplesmente falso dizer que no nível

da práxis da comunicação e da interação do mundo da vida o entendimento e a

coordenação das ações sociais têm lugar normalmente sob a base da “força social vinculante” das pretensões de validade aceitas – e, portanto, à luz de critérios de validade universalmente reconhecidos, como são as normas jurídicas ou morais”

.

138

Segundo Apel, nesta consideração de Habermas, há “uma idealização que - se não refletida e fundamentada como tal, mas apenas apresentada como resultado de uma

136 Cf. APEL, K.-O. Ibid.

137 Cf. APEL, K.-O. Ibid, p. 133. 138 Cf. APEL, K.-O. Ibid, pp. 133-4.

descrição quase fenomenológica -, desemboca numa “idealistic fallacy”.139 Isto ocorre em virtude de que “se ignora que no nível da interação do mundo da vida a “coordenação das ações” - e inclusive a formação de consenso lingüisticamente mediado que possibilita tal coordenação - ocorre pelo menos com tanta freqüência, ou na mesma medida, sobre a base de negociações abertamente estratégicas, ou de sugestões comunicativas encobertamente

estratégicas”.140 Isto que dizer que os destinatários dos atos de fala não aceitam a

coordenação das ações sobre a base da força social vinculatória de suas implícitas pretensões de validade, mas com base em motivações oportunistas. Apel considera que o mais correto seria dizer que “a coordenação das ações nas circunstâncias existentes somente poderia funcionar à maneira de um compromisso de mediação - que é supostamente modificável - entre formas diferenciáveis como tipos ideais contrapostos, de certo modo, à motivação racional da formação fática de consenso”.141

Apel reconhece que Habermas não desconsiderou tais questões aqui tratadas, inclusive, teve em vista uma classe especial de atos de fala como imperativos abertamente estratégicos no sentido, por exemplo, da expressão: levanta as mãos! Só que, ao restringir sua compreensão a uma classe especial de atos de fala, crê Apel, que tal abordagem encobre ainda mais a efetiva função da “formação do consenso” por meio de negociações mais ou menos abertamente estratégicas, mesmo que inteiramente civilizadas em seus procedimentos.142 Não obstante ter analisado de forma penetrante a função dos atos de fala encobertamente estratégicos, não se pode deixar de dizer que em sua “Teoria da Ação

Comunicativa”, Habermas deixou, segundo Apel, “quase inteiramente de lado a função das negociações abertamente estratégicas e conseqüentemente também dos atos de fala

abertamente estratégicos”.143 Assim, se considerada correta esta interpretação, se poderia afirmar, segundo Apel, que há no pensamento habermasiano uma falácia idealista na

139 Cf. APEL, K.-O. Ibid, p. 134. 140 Cf. APEL, K.-O. Ibid.

141 Cf. APEL, K.-O. Ibid. Aqui no contexto do consenso fático, Apel lembra que a “força social vinculatória”

das pretensões de validade no mundo da vida, mesmo no caso de serem consideradas subjetivamente como universalmente válidas, se baseiam em pressupostos fáticos históricos das diferentes formas de vida, os quais são eles próprios “já o resultado de compromissos históricos entre pretensões de validade e pretensões de poder”. Cf. APEL, K.-O. Ibid.

142 A resposta de Habermas a seus críticos encontra-se no livro editado por A. Honneth em Kommunikatives

Handeln, Frankfurt/m: Suhrkamp, 1976. Para Apel, tal resposta não consegue eliminar a dificuldade de

princípio que iremos tratar, o qual surge fundamentalmente da arquitetônica do projeto da Teoria da Ação

Comunicativa (TAC).

apreciação das condições do mundo da vida. Neste caso, é preciso esclarecer como isso ocorre.

Para Apel, Habermas apresenta na TAC de forma convincente uma justificação dos motivos pelos quais as comunicações abertamente estratégicas não podem representar o paradigma da comunicação humana. A razão disto consiste em que o sujeito dos atos de fala encobertamente estratégico deve simular um uso não estratégico da linguagem, ou melhor:

“... quem pretende alcançar seus fins – por exemplo, o êxito de determinadas metas políticas ou econômicas – com respeito aos destinatários de uma alocução, mediante a sub-repção encobertamente estratégica do efeito

perlocucionário da mesma, tem que despertar nos ouvintes, apesar disso ou

justamente por isso, a impressão de dar-lhes a chance, no nível de uma

comunicação lingüística oficialmente aberta à compreensão, de poder julgar a força ilocucionária da fala como orientada por pretensões de validade (...) quem

pretende persuadir (ou enganar) exitosamente a alguém mediante procedimentos retóricos, tem que despertar no ouvinte a impressão que deseja convencê-lo com argumentos”.144

Considerando-se correto o enunciado, então, se reconhece, neste caso, implicitamente, a primazia normativa da força ilocucionária da fala que se baseia em

pretensões de validade. Assim, para Apel, a tese de Habermas da normalidade do caráter

não estratégico da práxis comunicativa no mundo da vida, apóia-se sobre a seguinte proposta: “(...) já no nível da práxis comunicativa do mundo da vida se reconhece, pelo menos de maneira implícita, que a comunicação encobertamente estratégica depende

parasitariamente daquela outra forma de comunicação que recebe sua força social vinculante do implícito recurso às pretensões de validade suscetíveis de justificação

racional”.145 Apel vai alegar dois motivos para considerar tal proposta como injustificada ou no mínimo ambígua.

a) A primeira razão é que “... o argumento de Habermas não certifica a

normalidade fática do uso não encobertamente estratégico da linguagem no mundo da vida,

144 Cf. APEL, K.-O. Ibid, p. 136. 145 Cf. APEL, K.-O. Ibid, p. 137.

quer dizer, que este seja de fato o uso normal ou predominante da linguagem. O que de fato se mostra é somente o primado normativo do mesmo, que inclusive é reconhecido já no nível da práxis do mundo da vida”.146 Apel lembra que o próprio Habermas reconheceu esta diferença em vários lugares.

b) O segundo motivo é que tampouco demonstrou Habermas, em absoluto, com seu argumento, que se haja reconhecido também necessariamente no nível da práxis cotidiana do mundo da vida o primado normativo da racionalidade de formação do

consenso baseado em critérios de validade, e neste caso com respeito à racionalidade abertamente estratégica.

Apel afirma que a tese supracitada de Habermas não é verdadeira no sentido da

normalidade fática, demonstra-se já pelo fato “do papel que jogam as negociações, mais ou

menos abertamente estratégicas, na formação dos consensos, política e economicamente relevantes, que são faticamente efetivos”.147 Além disso, Apel alega “(...) que mediante o recurso à práxis do mundo da vida não pode ser demonstrado, por princípio, que seja

reconhecido em geral o primado normativo da formação não estratégica de consenso”.148

Apel exemplifica com o argumento, segundo o qual, aquele que “(...) confronta a seus interlocutores com ameaças e ofertas de benefícios em um processo de negociação

abertamente estratégico, ao fazer isto está reconhecendo certamente, de fato, o primado da

“fala orientada ao entendimento”, posto que deixa inteiramente de lado o uso

encobertamente estratégico da linguagem, - diferente de quem intenta persuadir simulando que trata de convencer”.149 Com isso, no entanto, segue Apel, não se reconhece in actu, de nenhuma maneira, o primado normativo da comunicação não estratégica.

Em fim, resulta que existe uma distinção, no contexto da práxis do mundo da vida, que é fundamental, entre a posição de quem se comunica de maneira abertamente

estratégica, daquele que faz um uso encobertamente estratégico ou dissimulador da

linguagem e “reconhecem, portanto, justamente com isso, o primado da formação não estratégica de consenso”.150 Apel considera que Habermas não percebeu esta distinção e isto se demonstra na resposta que ele dá aos críticos da TAC, quando “pretende sair com

146 Cf. APEL, K.-O. Ibid.. 147 Cf. APEL, K.-O. Ibid, p. 138. 148 Cf. APEL, K.-O. Ibid. 149 Cf. APEL, K.-O. Ibid.. 150 Cf. APEL, K.-O. Ibid, p. 139.

galhardia frente ao fato do uso abertamente estratégico da linguagem mediante o mesmo argumento que esgrimou, com êxito certamente, contra o uso encobertamente estratégico, a saber: o já mencionado argumento do parasitismo”.151 Para Apel, tal argumento só seria aceito se alguém pudesse “comprovar ao defensor da racionalidade estratégica da comunicação que ele também já reconheceu o primado normativo das pretensões de validade e de sua resolução não estratégica através de critérios de validade”.152 No entanto ele considera que “este procedimento não pode ser aplicado, precisamente, a quem, em processos como as negociações, faz julgar pura e simplesmente “argumentos” de poder, e a quem, diante da apelação do adversário ao direito que lhe assiste (seja no sentido da moralidade ou legalidade), declara que não reconhece, por princípio, nenhum ponto de vista do direito que não se subordine (...) em última instância ao ponto de vista do poder”.153

Segundo Apel, a questão essencial, que está em jogo, diz respeito, em rigor, a

possibilidade de uma fundamentação última racional da ética, pois é justamente, com esta

questão que se põe a pergunta decisiva de uma fundamentação pós-convencional da ética: em que medida é possível mobilizar um argumento racional contra o uso meramente estratégico dos outros? Esta possibilidade de fundamentação última da ética foi rejeitada por Horkheimer e Adorno na Dialética do Esclarecimento mediante o recurso a Nietzsche,