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REVISÃO DA LITERATURA

2.1 CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS DE LÍNGUA ORAL – CONSIDERAÇÕES GERAIS

O câncer é um evidente problema de ordem pública mundial. A Organização Mundial de Saúde estimou que, no ano de 2030, pode-se esperar 27 milhões de casos incidentes de câncer, além de 75 milhões de pessoas vivas com essa doença. No Brasil, a estimativa para o ano de 2014, válida também para o ano de 2015, foi de 576 mil novos casos, incluindo os casos de pele não melanoma (INCA, 2014). A estimativa para a incidência no biênio 2016- 2017, no entanto, aumentou para mais de 596 mil casos por ano, incluindo os casos não melanoma (INCA, 2016).

O câncer oral é um termo genérico que inclui tumores de diferentes origens (WARNAKULASURIYA, 2009). É uma importante causa de morbidade e mortalidade em todo o mundo (CASAL et al., 2010), cuja incidência pode variar de acordo com a localização geográfica (BATISTA et al., 2010). Na América do Sul, a maior incidência é no Brasil, apresentando-se numa proporção de 8,3 a cada 100.000 habitantes. Trata-se do sexto tumor mais comum, representando 2,6% de todas as malignidades, bem como é o nono mais letal (MAROCCHIO et al., 2010).

O tipo mais comum de câncer oral é o carcinoma de células escamosas, também chamado de carcinoma epidermoide, carcinoma escamocelular ou carcinoma espinocelular oral e corresponde a aproximadamente 90% dos casos de câncer que acomete a cavidade oral (BRENER et al. 2007; OGBUREKE et al., 2007; WOLFF; FOLLMAN; NAST, 2012). Tem sido relatado que o CCEO é o quinto tipo de câncer mais comum no sexo masculino e o nono em relação ao sexo feminino (BRENER et al., 2007; INCA, 2016).

Dados epidemiológicos mostram que os pacientes acima de 40 anos são os mais acometidos pelo CCEO, apresentando maior incidência com o decorrer da idade (BATISTA et al., 2010; INCA, 2014). A incidência dessa neoplasia, em adultos jovens e mulheres, vem crescendo, segundo levantamentos feitos nas últimas décadas (CASAL et al., 2010).

O CCEO caracteriza-se por apresentar altas taxas de invasão local e metástase, possuindo, portanto, grande agressividade. Muitos pacientes morrem em decorrência da disseminação local ou regional da doença (OGBUREKE et al., 2007). O principal sítio de acometimento é a língua, seguido do assoalho bucal (SANTOS; BATISTA; CANGUSSU, 2010; PATEL et al., 2011; FRONIE et al., 2013; SANTOS et al., 2016).

As localizações geográficas influenciam nos sítios anatômicos de acometimento, visto que isso reflete os diferentes fatores a que uma determinada população está exposta (ANTUNES et al., 2007; SANTOS et al., 2016). A língua tem sido o principal sítio de acometimento na Inglaterra, Estados Unidos e Coréia, provavelmente pelo consumo associado de tabaco e álcool (SASAKI et al., 2005; CHOI et al., 2006). Na Ásia, a mucosa jugal é a localização mais comum devido ao hábito de mascar o sachê de betel (FRITZ et al., 2000; IAMAROON et al., 2004). Em países tropicais, a população é bastante exposta à radiação solar, levando à alta incidência de carcinoma de células escamosas de lábio inferior (COSTA et al., 2002; SANTOS et al., 2016).

Clinicamente, a apresentação do CCEO é variada, podendo aparecer como uma lesão exofítica ou endofítica, que pode ser leucoplásica, eritroplásica ou eritroleucoplásica em estágios mais iniciais (SILVA; AMARAL; BULHOSA, 2010). Porém, há evidências clínicas que auxiliam no diagnóstico do CCEO, tais como: lesões de início indolor que não cicatrizam espontaneamente em quinze dias, além de lesões ulceradas de bordas endurecidas e evertidas e sem halo eritematoso (GAETTI-JARDIM et al., 2010).

A cavidade oral, por ser de fácil acesso para exame, permite visualização direta de alterações suspeitas, principalmente nos estágios iniciais, o que facilita o diagnóstico prévio de qualquer entidade patológica. Porém, ainda assim, o diagnóstico do CCEO muitas vezes é realizado tardiamente. Isso ocorre não só porque o paciente demora a procurar tratamento especializado, visto que a lesão inicialmente é assintomática, mas também, devido à apresentação clínica variada, o que exige preparo do cirurgião-dentista para a realização do diagnóstico (SANTOS; BATISTA; CANGUSSU, 2010). Assim sendo, muitos pacientes morrem por disseminação local ou regional da doença (OGBUREKE et al., 2007). Diante disso, o tempo decorrido entre a percepção dos sintomas, o diagnóstico e o tratamento correto interfere não só no prognóstico, mas também na qualidade de sobrevida dos pacientes (SCOTT; MCGURK; GRUNFELD, 2008).

Em relação à etiologia do CCEO, sabe-se que ela é complexa e multifatorial, visto que pode ser induzida por uma combinação de vários fatores, dentre eles: hábitos pessoais, atividade profissional, local de habitação do indivíduo, problemas nutricionais, radiação, imunossupressão, presença de oncogenes e susceptibilidade genética. Entretanto, o consumo de fumo e álcool são os principais fatores de risco para essa doença (MANNARINI et al., 2009; PETTI, 2009; JOHNSON; JAYASEKARA; AMARASINGHE, 2011; WOLFF; FOLLMAN; NAST, 2012).

Histopatologicamente, o CCEO caracteriza-se por uma desordem proliferativa de células da camada espinhosa do epitélio, que expressa graus variados de similaridade com suas células de origem. As células exibem citoplasma bastante eosinofílico, núcleo vesicular de tamanho aumentado com hipercromatismo, pontes intercelulares proeminentes, aumento do número de figuras de mitoses típicas ou atípicas, pleomorfismo celular e nuclear e pérolas de ceratina. Essas células invadem o tecido conjuntivo de forma isolada ou em grupos, formando cordões, ninhos e lençóis (BATISTA et al., 2010; NEVILLE et al., 2016).

A localização anatômica do CCEO é fator de influência no prognóstico, considerando- se que os tumores apresentam comportamento clínico diferente conforme sua localização (COSTA et al., 2002; LE CAMPION et al., 2017). Dentre os intraorais, os CCELOs tendem a ser mais agressivos e infiltrativos, possuindo, portanto, pior comportamento biológico e taxa de sobrevivência, em cinco anos, de somente 37% em tumores no estágio IV (ACS, 2014).

O potencial para invasão e metástase das células tumorais está relacionado a várias etapas, como a degradação da membrana basal e matriz extracelular, alterações na adesividade celular, movimento celular e angiogênese (CURRAN, MURRAY, 2000).

As recentes descobertas têm aumentado o conhecimento acerca dos processos biológicos que levam ao desenvolvimento do câncer. É sabido que a maioria das células cancerosas é derivada da expansão clonal de uma única célula-tronco ou de algumas células tumorais que readquirem sua capacidade de auto renovação (LOBO et al., 2007).

As células normais proliferam apenas quando necessário, reguladas por um delicado equilíbrio entre a promoção do crescimento por fatores de crescimento e são inibidas pela influência de sinais bioquímicos oriundos das células vizinhas e de fatores circulantes. As células cancerosas ultrapassam esses programas de controle e seguem seu próprio programa interno para o sincronismo de reprodução (MOLINOLO et al., 2009).

A carcinogênese dos CCEOs é um processo de múltiplas etapas, onde ocorrem alterações genéticas que levam à desregulação do metabolismo celular (LOBO et al., 2007). As células malignas podem escapar à senescência celular e apoptose, tornando-se imortais, aumentando seu suprimento de nutrientes e oxigênio, promovendo angiogênese e adquirindo a capacidade de migrar do seu local de origem para invadir tecidos próximos, ou provocar metástases à distância (MOLINOLO et al., 2009).

No ano 2000, Hanahan e Weinberg publicaram um importante estudo onde tentaram categorizar as principais características do câncer dentro de seis aspectos: autossuficiência em sinais de crescimento, insensibilidade aos sinais anti crescimento, evasão da apoptose, potencial de replicação ilimitado, angiogênese continuada e capacidade de invadir e de

desenvolver metástazes. Onze anos depois, os mesmos autores (HANAHAN; WEINBERG, 2011) revisaram tais características e adicionaram mais duas, reprogramação do metabolismo energético e evasão da resposta imune, além de duas peculiaridades: instabilidade e mutação do genoma e inflamação pró-tumoral. Nesse mesmo estudo também foi defendido que o comportamento biológco dos tumores só pode ser entendido pelo estudo individual das células específicas que os compõem, bem como do “microambiente tumoral” que elas controem durante os vários estágios da tumorigênese (HANAHAN; WEINBERG, 2011; SONNENSCHEIN; SOTO, 2013; YE et al., 2016; FOUAD; AANEI, 2017).