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5 PROCESSOS POLÍTICOS E JOGOS IDENTITÁRIOS

Como vimos na introdução, optei por estudar um único Cluster localizado na Barra de Gramame. Através das ideias de Simmel (1955) de esferas sociais adotamos uma abordagem em três esferas: micro, médio e macro. Apresentei a esfera micro,em que cada membro foi apresentado através de suas funções naquele espaço político. A demonstração de suas atividades serviu para demonstração de como esses atores se situam e sua relação com membros diversos. Dessa maneira, apontei também que as interações sociais são concretizadas através da partilha de certas categorias que os sujeitos utilizam para organizar- se no tempo/espaço ocupado, ademais pautado nas observações de Fredrik Barth (1987) que as categorias possuem um aspecto formal e outro prático (ação). Tentei demonstrar este dois âmbitos numa mesma esfera.

A seleção da escala média foi de difícil escolha, portanto optei por uma atividade que era descrita nos núcleos domésticos e que, na ótica desses sujeitos, era um elemento de distinção em relação aos outros grupos residentes na Barra de Gramame. Agora, iremos para a escala médio-macro deste trabalho: a identidade étnica. Entendo que o processo étnico

presente na vida dessas famílias também faz parte de sua dinâmica e este último tópico trata de enxergar como esse processo é pensado e operado por este Cluster.

De todas as famílias descritas neste trabalho, o interesse político na questão étnica é atualmente presente. Inicialmente, entre 2011 e 2012, a família nuclear de Carlinhos teve uma forte influência, como vimos no tópico anterior Carlinhos pode ser considerado chefe deste Cluster e também um membro com forte status dentro desta rede familiar. Alguns membros, por diferente razões, apresentavam resistência em participar ativamente do processo étnico. A família de Biu não participava, porque a igreja neopentecostal que frequentava encarava certos elementos de indianidade como a dança do Toré como culto africano e assim proibindo. Dona Maria, apesar de não ser neopentecostal não dançava, por acatar essa concepção. Esse pensamento também era frequente em familiares mais afastados, entrementes contaram-me que as lideranças Tabajaras, depois de um certo tempo, trabalharam em demonstrar que a dança era aspecto importante de visibilidade do grupo perante a sociedade civil, desta forma convencendo certos membros a dançarem. A única pessoa que não dança e que não participa de nada relacionado ao processo étnico é Dona Ana, contudo Assis, seu marido, é uma espécie de braço direito de Carlinhos, participando ativamente dos eventos Tabajara.

Algumas atitudes são importantes de pontuar neste tópico: 1) captação de uma parte do fundo doméstico na construção de uma oca com finalidade de unir Tabajaras de diferentes localidades e da redondeza, desta forma realizando reuniões mensais; 2) aproximação com Lideranças Potiguaras, com finalidade de entender melhor como são realizadas as políticas para povos indígena; 3) o compromisso de, uma vez por ano, as lideranças, através de oficio, pedir utensílios para ajudar nas atividades de economia coletiva, principalmente a pesca, dos Tabajara; 4) A utilização do Relatório de fundamentação antropológica para caracterizar a ocupação territorial dos Tabajaras no Litoral Sul da Paraíba (Mura et al) com dupla finalidade de legitimar para as outras famílias da região sua identidade e reforçar a identidade étnica entre seus membros.

5.1 Captação de recursos de uma parte do fundo doméstico na construção de uma oca. Essa ideia surgiu no período em que uma pesquisadora chamada Eliane Farias, que trabalhou com eles a relação da religiosidade Tabajara, queria ajudar numa festa com membros Tabajaras, mas não era fácil uni-los por causa da distancia e falta de espaço específico. Então Carlinhos teve a ideia de construir uma Oca com reuniões mensais, no intuito de aproximar as famílias afetivamente (há um almoço de confraternização após as

reuniões), planejar eventos, explicar políticas para populações indígena de órgãos diversos como FUNAI e APOINME.

Um relevante fator que impulsionou a construção desta Oca foi ocasionado por conflitos de representatividade. Até 2012, a liderança Tabajara era constituída por Ednaldo como Cacique, Carlinhos como Vice-Cacique e Paulo como conselheiro. Houve um conflito quando uma fábrica de cimento decidiu instalar-se em um território reivindicado pelos Tabajaras. A liderança dessa época queria negociar, com a fábrica, terras para ter espaço disperso de agregação dos Tabajara, sendo que havia membros contra essa negociação. Assim, houve conflito de representativa, e ficou decidido que haveria três lideranças. Hoje, essas três lideranças possuem outras famílias nucleares aliadas e uma relação específica que explicarei no tópico seguinte.

5.2 Aproximação com os Potiguaras

A relação estabelecida com os Potiguaras tem uma forte ambivalência se tomarmos os Potiguaras como uma totalidade definida. Algumas famílias potiguaras mantêm contato com a família de algumas lideranças. Os cursos realizados em parceria com a FUNAI costumam ser abertos para os Tabajaras, mas as relações de visita ou de parceria entre famílias Potiguaras e Tabajaras costumam ser parcialmente restritivas entre as lideranças. Confesso que tive dificuldade na captação de dados nesse aspecto, mas conversando com alguns Potiguaras que iam visitar a Barra, soube que eles raramente iam para outros núcleos de liderança.

No âmbito da aliança, materialmente, os Potiguaras doam 45 cestas básicas aos Tabajaras que são rateadas entre os três núcleos de liderança que são: Oca de Carlinhos (Barra de Gramame), Paulo Tabajara (João Pessoa), e Aldeia Vitória (Bocatu) administrado pela Liderança Ednaldo. Cada núcleo fica com 15 cestas e distribui de acordo com envolvimento da família a que eles denominam de Luta (abreviação de luta Tabajara) . Nesse aspecto, o critério para determinar se um membro é ativo na ``Luta`` são estes: participação regular nas reuniões, eventos Tabajaras e fomentação de acordos com órgãos ou pessoas que ajudem no processo político de identidade étnica.

5.3 O compromisso de uma vez por ano as lideranças reunirem-se para realizar um ofício.

As lideranças atuais veem na pesca como um delimitador comum na maior parte das famílias. Desta maneira, o primeiro projeto que enviaram para a FUNAI foi em 2012, apenas com materiais para pesca. Os materiais da primeira privilegiavam a pesca na boca de barra, rios e mar. Temos os seguintes itens: 2(dois) mangotes, 10(dez) anzóis, 6(seris) linhas montadas, 1(uma) tarrafa e 1(uma) rede sauneira. Todo esse material foi repartido entre Carlinhos, Paulo e Zezinho que vive em João Pessoa. Em 2013, o projeto foi ampliado para abarcar alto-mar, com a principal motivação de reviver este estilo de pesca que, apesar de os Tabajaras dominarem, sempre trabalharam para privados. Foram pedidos, em outubro 2013, os seguintes materiais: 3(três) caixas grande de isopor, 1(um) manguote, 1(uma) rede de arrasto tipo sauneira, 2(duas) talheiras (tarrafa feita de malha-viva especifica para tainh), 1(uma) rede talheira ( alto-mar p/ tainha) e 4(quatro) caçoeiras (rede de alto-mar tipo armadilha feita com nylon 90cm).

A motivação desses ofícios é de proporcionar uma maior potencialidade de atividades que eles chamam de familiares ou passar uma atividade privada para a esfera familiar, dinamizando a economia coletiva das famílias.

5.4 Utilização do Relatório de fundamentação antropológica para caracterizar a ocupação territorial dos Tabajara no Litoral Sul da Paraíba

Acerca do último item, é importante frisar que, quando realizado o relatório, os Tabajaras que reivindicavam reconhecimento étnico eram os que viviam numa parte da Jacoca denominada de Sítio dos Cablocos. Estes eram filhos do segundo e terceiro casamentos de Antônio Piaba (Cf. MURA et al,2010, pp.89,90 e 91). As lideranças então buscaram familiares do primeiro casamento de Piaba. As informações que tinham era que, no primeiro casamento, seu ancestral foi para Guarapu, e seus filhos alocaram-se em Bocatu e Acaú. O senso realizado pelos Tabajaras foi além de ver a localidades dos seus parentes, mas explicar o processo étnico e buscar aliança com essas famílias. O reflexo dessa atitude fez com que duas famílias do primeiro casamento de Piaba participassem das reuniões mensais na Barra: família de Nildo (filho de João Piaba) e Paulo de Rita. Adiciono que essas duas famílias sofreram o mesmo processo de expropriação dos demais membros da região.

Nildo vivia numa região que os pesquisados descrevem como Tesoura (entre Conde e Paratibe). Na sua infância, sua família foi expulsa e mudou-se para o bairro da Ilha do Bispo (João Pessoa), já Paulo de Rita vivia na região da Salsa (entre Conde/Mituaçu). Para uma maior acuidade, fiz uma tabela com as Famílias Tabajaras que costumam ir para reuniões da Oca segue:

Suelly (irmã de Simone) Vera (irmã de simone) Josoaldo (irmão de Simone)

Cardoso (parceiro na atividade dos passeios de carlinhos) Isaias (irmão de Simone)

Samuel (irmão de Simone) Nildo*

Manuel

Dona Maria (mãe de carlinhos) Nequinho (pai de Carlinhos) Biu (tio de Carlinhos) Roberto

Nena de Isaias Paulo de Rita* Assis

Rui (irmão de Cardoso)

*Recentemente Carlinhos convidou-me para conhecer melhor a família desses recentes Tabajaras, entretanto não tive oportunidade de falar com os mesmos.

Nota-se a participação de quase 16 famílias nucleares. Os conteúdos podem variar bastante nas reuniões. Concluí que a proximidade afetiva e a localização geográfica desses membros influenciam diretamente no interesse de analisar os processos políticos realizados pelas outras lideranças. Há uma relação de representatividade dentro desse núcleo político, quando este agrupamento tem alguma objeção contra atitudes das outras lideranças Cardoso e Carlinhos são compelidos a planejarem documentos ou convidar as outras lideranças para conversar acerca de problemas gerados pelas decisões dos outros núcleos políticos. Nena (casada com irmão de Simone), por exemplo, morava e frequentava, com seu marido, as reuniões da Aldeia Vitória, mas devido a dois fatores, deixou de frequentar as reuniões da Aldeia Vitória: 1) insatisfação com a estrutura das tomadas de decisão; 2) uma relação comum na região é de arrendamento, hoje os patrões optam por cobrar uma taxa fixa para os

agricultores, eles pagam essa taxa e podem plantar no terreno. A Tabajara afirmou que essa relação foi aplicada a sua família e não estava sendo rentável. A tomada de decisão foi frequentar as reuniões da Barra e morar no Grotão (Bairro de João Pessoa).

Notei nesse período que esta organização gerou relações de poder regionalizadas. A estratégia comum é que os mais jovens costumam engajar-se em outros movimentos sociais (reuniões do MST, orçamento participativo, festa dos quilombolas, Universidade Federal etc.) e trazem membros ou discussões desses grupos para seu núcleo político, assim fortalecendo-o localmente.

A chegada da FUNAI também trouxe diversas políticas e recursos para a famílias, como explicada a possibilidade de financiamento de material para o grupo (descrito no item 2.3.5). Especificadamente para o grupo familiar de Carlinhos, trouxe um indígena conhecido como Tuã, este pertencente a etnia tupinambá. Contaram-me que, em 2009, através do encontro da APOINME a liderança Ednaldo conheceu, em Pernambuco, Gal (trabalha no INSS) e essa era ex-cunhada de Tuã. Nesse período, o tupinambá vivia em Timbuaçu (parte de Escada-PE), ele ajudava os outros povos indígenas do Nordeste, isto com incentivo da FUNAI. Em 2011, Gal ainda visita a liderança Ednaldo, todavia Tuã afastou-se da sua antiga família e passou a visitar com mais frequência a Barra de Gramame. Sua função era ceder cocares e ensinar a fazer o mesmo. Os Tabajaras contaram-me que todos os seus cocares têm armação tupinambá graça a Tuã. Sobre a vida de Tuã, em Timbuaçu, ele fez uma importante parceria com outra pessoa que possui um sítio, assim possibilitando uma grande criação de patos. As penas dessa ave são a principal matéria-prima na confecção de cocares. Não demorou muito para Tuã virar agregado, sendo comum sua participação nas reuniões da Oca e na vida doméstica dos Tabajaras ( traz sempre ovos de pata para Simone e passa semanas na Barra no núcleo doméstico da Liderança Tabajara).

Percebe-se que a categoria Luta Tabajara, dentro desta escala, é um forte condutor das ações dos indivíduos que pleiteiam status nesse âmbito, mas há de destacar que os status aqui são cumulativos, com valores desejáveis dentro do grupo doméstico, como relação ou integração do indivíduo com uma renda ou atividade de economia individual . Dificilmente, um membro chega a ganhar posição privilegiada dentro desse âmbito se não estiver disposto a tirar, de suas economias, uma parte e pôr em ação nas atividades da Luta, com exceção os anciãos que, em sua maior parte, encontram-se impossibilitados de realizar atividades de economia individual e são membros que já contribuíram ativamente no relatório desenvolvido por Mura et all (2010).

FOTO 18: ANADILHA CARDOSO, CARDOSO E DEDINHA CARDOSO.

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