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Universidade Federal da Paraíba (Campus IV-Litoral Norte) Centro de Ciências Aplicadas e Educação (CCAE) Departamento de Antropologia

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Centro de Ciências Aplicadas e Educação (CCAE)

Departamento de Antropologia

Caio Tácito Rodrigues Pereira

Entre economia coletiva e individual:

Um estudo sobre a organização doméstica entre os Tabajara da Barra de Gramame

João Pessoa 2014

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Entre economia coletiva e individual:

Um estudo sobre a organização doméstica entre os Tabajara da Barra de Gramame

Monografia apresentada como exigência para obtenção do grau de Bacharelado em Antropologia da UFPB.

________________________________ Orientador: Fabio Mura (UFPB)

______________________________________ Examinador: Estevão Martins Palitot (UFPB)

____________________________________________ Examinador: Amanda Christinne Nascimento Marques

João Pessoa 2014

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Aos Tabajara da Barra de Gramame, com quem partilhei as minhas questões teóricas e também a minha vida.

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Aos meus pais pelo apoio.

Aos índios Tabajaras que me acolheram com amor e carinho!

Ao professor Fabio Mura que sempre me estimulou nos debates e na aplicabilidade de tudo que aprendi.

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―Em última análise, a maioria, dos conceitos de espaço e tempo são determinados pelo ambiente físico, mas os valores que eles encarnam constituem apenas uma das muitas possíveis respostas a este ambiente, e dependem, também, de princípios estruturais que pertencem a uma ordem diferente de realidade. (…) Estamos, portanto, interessados principalmente na influência das relações ecológicas sobre essas instituições, mais do que na influência da estrutura social na conceituação das relações ecológicas.‖ (Evans-Pritchard)

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Esta etnografia versa sobre o processo de organização social do povo indígena Tabajara paraibano, com enfoque de analisar a organização das atividades domésticas e processo identitário. Busca-se estabelecer um estudo multiescalar; para tal intento, o trabalho apresenta as categorias de entendimento básicas, de organização doméstica, deste grupo e seu desenvolvimento em outras escalas sociais, com acuidade de separar modelo de postulação e modelo de ação das mesmas. A análise empírica se restringe a um grupo doméstico agregado (household cluster) Tabajara, situado na Barra de Gramame. Nesta conjuntura, a observação das ações, intencionalidades, conflitos e concepções culturais procedentes de indivíduos Tabajaras, e de sua relações com grupos distintos, mas em contato permanente, no mesmo espaço geográfico, ajudou a captar processo de formação de comunidade política local; esta fundamental para dar sentido às experiências diversificadas dos indivíduos e gerir o processo identitário.

Palavras-chave: Indígenas Tabajara. Organização Social. Organização Doméstica. Processo identitário. Escala Social

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from Paraíba. Focusing on the analysis of domestic activities organization and identitary process. Looking to estabilish a multiscale, to a certain intention, the work presents the categories of basic understanding, domestic organization of this group and their development in other social scales with acuity of divide models of postulation and models of action in those. The empirical analysis restricts to the Tabajara Household cluster, located at Barra de Gramame. At this juncture, the observation of actions, intentions, conflicts and cultural conceptions coming from Tabajara individuals and their relations with distinct groups, but in permanent contact, in the same geographycal space, helped to grasp the process of local political formation; this being fundamental to give meaning to diverse experiences of the individuals and administrate the identitary process.

Key Words: Tabajara Indigenous, Social Organization, Domestical organization, Identitary process, Social scale

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FOTO 1: LIDERANÇAS JOVENS

... ... 9

FOTO 2: CONFRATERNIZAÇÃO COM OS TABAJARA ... 11

MAPA 1: CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE HABITAÇÕES ... 23

FOTO 3: REUNIÃO TABAJARA COM SIMPATIZANTES DA CONSULTA POPULAR ... 26

MAPA 2: OCUPAÇÃO DA ANTIGA JACOCA ... 31

FOTO 4: FAMILIA NUCLEAR TABAJARA TRABALHANDO COM FAMILIA NUCLEAR QUILOMBOLA (GURUGI II... 35

FOTO 5: FORNO DE UMA MESMA HABITAÇÃO EM DIFERENTES SAFRAS E UMA MERCADORIA PRODUZIDA PELO MESMO... 37

FOTO 6: EMBARCAÇÃO DIURNA TÍPICA DA REGIÃO ... 42

FOTO 7: CARLINHOS AVALIANDO A QUALIDADE DAS MAMAS DESSE ANO...42

FOTO 8: BETO TABAJARA PESCANDO CAMARÃO NO ABIAÍ... 47

FOTO 9: SIMONE TABAJARA ... 50

FOTO 10: CARLINHOS TABAJARA ... 50

FOTO 11. ÁLVARO TUCANO E JUSCELINO TABAJARA ... 52

FOTO 12: DONA MARIA TABAJARA E SUA PITIBÓIA ... 54

FOTO 13: NEQUINHO, ANDERSON (SEU FILHO), ANDRÉ (SEU SOBRINHO) ... 55

FOTO 14: SAMUEL TABAJARA ... 56

FOTO 15: MARCO, O PARCEIRO DE CARLINHOS ... 58

MAPA 3: FAMÍLIAS TABAJARA DA BARRA I ... 59

MAPA 4: FAMÍLIAS TABAJARA DA BARRA II ... 59

MAPA 5: LOCALIZAÇÃO DAS HABITAÇÕES DOS PARCEIROS ... 60

FOTO 16: HABITAÇÕES SANZONAIS NO ABIAÍ ... 62

FOTO 17:ASSIS E CARLINHOS NA MARÉ DE LAMA ... 63

FOTO 18: FOTO 18: ANADILHA CARDOSO, CARDOSO E DEDINHA CARDOSO ...69

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 9 1.1 Enfoque da Pesquisa ... 13 2 ARCABOUÇO TEÓRICO ... 14 2.1 Campo de Interação ... 15 2.2 Organização Social ... 17

2.3 Os Conceitos de Escalas e processo de territorialização e suas implicações ... 23

3 CONTEXTO HISTÓRICO ... 27

3.1 As disputas atuais entre os quilombolas ... 33

4 ECOLOGIA SOCIAL ... 35

4.1 Contexto-sócio-ecológico-territorial e atividades domésticas ... 37

4.1.1 A Maré de Lama ... 60

5 PROCESSOS POLÍTICOS E JOGOS IDENTITÁRIOS ... 63

5.1 Captação de recursos de uma parte do fundo doméstico na construção de uma oca. ... 64

5.2 Aproximação com os Potiguaras ... 65

5.3 O compromisso de uma vez por ano as lideranças reunirem-se para realizar um ofício ... 65

5.4 Utilização do Relatório de fundamentação antropológica para caracterizar a ocupação territorial dos Tabajara no Litoral Sul da Paraíba ... 66

6 CONCLUSÃO ... 70

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Foto 1: LIDERANÇAS JOVENS

Fonte: Juscelino Tabajara. Barra de Gramame.Nov,2013

1 INTRODUÇÃO

Nesta introdução, gostaria de contextualizar minha relação quase familiar com o campo, com intuito de demonstrar um pouco do contexto de pesquisa. Foi no dia 03 de janeiro de 2011 que iniciei minha pesquisa de campo na Barra de Gramame. Nesse dia, fui apresentado ao vice-cacique dos índios Tabajara, Carlinhos, através do orientador deste trabalho. Na época, tinha já lido sobre o relatório de identificação realizado em 2009, e reconhecido em 2010. Assim, atentei minhas leituras nos tópicos sobre a parte de organização doméstica e atividade pesqueira, tendo como pretensão aprofundar alguns aspectos ali descritos.

O que ocorreu, nas primeiras duas semanas de relacionamento com algumas famílias da Barra de Gramame, tornou-se literalmente uma boa história, tanto para mim quanto para eles. Primeiramente, alguns membros da minha família ficaram muitos curiosos com que tipo de pessoa eu estava me relacionando e o lugar onde estava. O fato é que minha mãe visitou o local e se sentiu muito confortável com o ambiente e, logo após, contou para minha avó.

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Minha mãe, juntamente com meus avós, decidiram visitar-me posteriormente e, para minha surpresa, minha avó se identificou muito com as pessoas e o ''ambiente''. Ela disse que tinha uma avó que era indígena e contou como ela foi capturada ''a dente de cavalo'' (capturada no mato por grupo de caçador). Essa mesma história era narrada pelos anciãos Tabajaras. No decorrer da conversa, minha avó descrevia o seu local de nascimento (Macaparana-PE e o local onde viveu maior parte de sua vida, Ingá-PB) e falava sobre as semelhanças com a Barra de Gramame. O sentido do ''ambiente'' nada tinha a ver com vegetação, já que Macaparana e Ingá ficam no Agreste. Minha avó se referia à estrutura de casas conjugadas (família nucleares que viviam próximos), alguns conflitos contra os latifundiários, formas de ocupações, técnica de plantio, cosmologia etc. Com as eventuais visitas que minha família faziam aos meus pesquisados, acredito que a conjuntura da pesquisa sofreu transformações benéficas.

Postulo que a principal dificuldade do etnógrafo é como visto por seus informantes, mesmo estabelecendo uma relação bastante amistosa, é pressuposto que ele geralmente é um sujeito que não sofreu diretamente os processos sociais do grupo que pesquisa. Desta forma, o tipo de informação que será apresentado para ele tende a ter caráter formal, ou melhor, são privilegiadas informações que explicam a forma de organização de categorias. Por mais que alguns etnógrafos empenhem-se em observar como os indivíduos operam essas categorias e a dimensão do conflito, os informantes tendem a apresentá-la de maneira simétrica, ou ocultar a assimetria. Com o vínculo que minha avó fomentou no campo e seu histórico, suponho que a visualização da maneira de operação e minha inserção em campo foi melhor ''contextualizada'' por meus pesquisados. Sendo mais claro, algumas práticas ou conceitos sofriam auto-censura pelo fato de os informantes terem preconceito acerca do que eu acharia, estranhamente, minha família também tinha este preconceito. Como diria um amigo, ''um tipo de conhecimento pode negar outro, mas não quer dizer que as pessoas não tenham noção de seus pressupostos; a forma de gerir conhecimento é reconhecer pontos de outro, para poder negar ou aceitar aspectos do mesmo''. Reforçando o que afirmei, lembro automaticamente de uma situação de campo que gostaria de compartilhar no parágrafo a seguir.

Nequinho (liderança Tabajara) andava a sofrer de asma. Ao conversar com minha avó, ele lembrou que seu pai trouxe uma garrafada com alguns ingredientes encontrado no Ingá. Ele contou que a garrafada curou seu asma durante muitos anos, mas que, por algum motivo, a asma voltou de uma maneira mais violenta. Ele também disse que não confiava nas garrafadas vendidas, porque não conhecia os ingredientes, e seu pai fazia uma garrafada especial e depois enterrava-a em um local secreto. Minha avó escutou atentamente a história,

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mas logo mudaria o assunto. Algumas semanas depois, minha mãe falou que minha avó sabia fazer aquela garrafada e explicou que, para o remédio funcionar, a pessoa não podia dizer quem fez, deveria enterrar, fazer uma oração e ter fé. Minha mãe narrou que minha avó foi ao Ingá visitar alguns conhecidos e foi procurar os ingredientes, mas faltou um deles: leite de uma cabra totalmente preta. Eu questionei se minha mãe realmente acreditava que este remédio iria resultar. A resposta dela foi que minha irmã (que sofria realmente de asma quando era criança) foi curada assim, mas que eu não deveria contar para ela, porque senão a asma voltaria! Pouco tempo depois, minha avó não compreendia como a asma de Nequinho tinha voltado, porque todos os conhecidos que tomaram a garrafada foram permanentemente curados, entretanto, conversando com alguns familiares de Nequinho, foram encontradas algumas hipóteses do retorno da enfermidade, isto é, alguns acreditavam que certas atitudes realizadas por Nequinho fizeram com que ele ficasse com o ''corpo aberto'' demais; outros acreditavam (como o próprio Nequinho) que deveria tomar o remédio novamente ao longo de muitos anos; alguns pensavam que os vírus tornaram-se mais resistentes por causa do excesso de medicamentos que ele tomava. Apesar das opiniões diversas, alguns deles pediam a opinião da minha avó sobre o assunto, e ela sabiamente (ou evasivamente) dizia que todas as hipóteses eram possíveis.

Por fim, credito este trabalho ao próprio Carlinhos, sua família extensa que abriu sua casa e uma fração de sua vida. Sem a cooperação deles, essa pesquisa ficaria completamente inviável. Assim vos ofereço, meu agradecimento.

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1.1 Enfoque da Pesquisa

Além dos créditos, é importante destacar o enfoque deste trabalho. Aproximadamente 750 indivíduos identificam-se como Tabajara, entretanto, como veremos no segundo capítulo, por motivos históricos, muitas famílias vivem dispersas. Minha pesquisa de campo restringiu-se às famílias que residem atualmente na Barra de Gramame, por razão de haver maior estabilidade territorial (as famílias pesquisadas foram reconhecidas como assentadas em meados dos anos 90).Tal enfoque acabou por privilegiar a dinâmica territorial e territorialidade . Em relação a esses dois conceitos, destaco a contribuição do Relatório de Fundamentação Antropológica Identificação dos Tabajaras (2010) que traz a seguinte definição sobre ambos:

''Em nossas reflexões, optamos por dar grande ênfase à noção de “dinâmica territorial”, entendendo com isso o movimento continuado no tempo, resultante de uma pluralidade de processos que ocorrem em um determinado espaço geográfico e que levam os integrantes de grupos sociais e étnicos a configurar e/ou ajustar territórios de um determinado modo. Assim sendo, esta concepção não deve ser confundida com a noção de ―construção do território‖, que também evoca uma imagem de movimento temporal, e que será amplamente usada no presente trabalho. É de se ressaltar que, nesse segundo caso, a atenção recai sobre como os membros de um determinado grupo configuram e interpretam seus espaços territoriais, em uma situação histórica específica. Com a ideia de dinâmica territorial, pretendemos ir para além disto, relevando ações, intencionalidades e concepções culturais procedentes de indivíduos pertencentes a grupos distintos, mas em contato permanente, num mesmo espaço geográfico (…) A noção de territorialidade, cujo uso é muito difuso na antropologia e na geografia, geralmente manifesta algo de finito e de prévio, um conjunto de imagens, símbolos e regras de acesso e de uso aos/dos espaços geográficos, e/ou cósmicos, que expressaria o modo através do qual os integrantes de um grupo humano definem seus territórios. Portanto, esta noção, assim entendida, nos leva a pensar os territórios como sendo o resultado da projeção cultural sobre uma superfície externa, negando ou tornando insignificantes os acontecimentos históricos – como conflitos inter-étnicos e dominação colonial, acontecimentos que são extremamente importantes na própria formulação das categorias culturais. Neste sentido, sem optar por descartar o termo, preferimos considerar a territorialidade expressada pelos integrantes de um grupo como um resultado e não como uma determinante, um resultado sempre inacabado e sujeito a variações, dependendo das situações em que se encontrem os grupos sociais ou étnicos tomados em consideração.'' (IDEM,2010, grifo meu)

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territorial, principalmente a organização política do grupo Tabajara. De antemão, minha análise observou que as famílias Tabajara são organizadas de forma dispersa, porém com o processo de auto-afirmação étnica, há um intenso esforço das atuais lideranças Tabajara em unir todos os membros e de estreitar laços sociais com os parentes mais distantes,. Esse processo gerou, entre indivíduos, partilha de hábitos de seus progenitores e a lembrança de certas atividades que tendiam a ser restritas a membros do mesmo núcleo doméstico. Um segundo aspecto é que a autoafirmação trouxe amparo de instituições e de indivíduos. A construção de uma oca na Barra de Gramame, de contato com índios Potiguara, da presença de um indígena artesão de Pernambuco (conhecido como Tuã), da assistência de materias pela FUNAI e das reuniões frequentes entre familiares têm consequências determinantes para a organização do grupo, respaldo nas ações dos indivíduos, bem como na configuração territorial.

Já a territorialidade é foco dessa etnografia. Enfocamos aqui em categorias ou interpretações que os indivíduos tendem a compartilhar no plano formal, mas que, em termos práticos, encontram-se variações. Acredito que a situação política atual do grupo (reinvindicação étnica) implicou em novas tentativas de molde de certas categorias como resposta ao ajustamento de novas estratégias para fortalecimento do status dos grupos domésticos dentro da região, bem como aos seus parentes de contato superficial. Observei, então, que as implicações de territorialidade vão além das categorias de entendimentos formais, e também são cotejadas e questionadas, dependendo da posição e da situação do indivíduo.

2. ARCABOUÇO TEÓRICO

Neste capítulo, viso esclarecer o referencial teórico utilizado para captação e interpretação dos dados etnográficos. O primeiro item tem como objetivo apresentar o conceito de campo de interação. Tal conceito fornece o aporte para discutir tradição de conhecimento, relação de poder e as implicações das relações dos indivíduos; o segundo item tem objetivo de discutir processo de organização social, seu desdobramento tanto para o grupo social quanto para os indivíduos. O terceiro item trata de esclarecer o conceito chave desse trabalho: escala social.

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2.1 Campo de Interação

Inicialmente, a postulação sobre o campo de interação vem com as concepções de ação social e as relações sociais. Dois autores são centrais na ideia destes conceitos que são Max Weber e Georg Simmel. O Max afirma que ação social ''(…)significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou agentes, refere-se ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso.'' (WEBER,p.3:1991). Já relação social é definida como:

''o comportamento reciprocamente referido quanto a seu conteúdo de sentido por uma pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência. A relação social consiste, portanto, completa e exclusivamente na probabilidade de que se aja socialmente numa forma indicável (pelo sentido), não importando, por enquanto, em que se baseia essa probabilidade(…) A relação social consiste exclusivamente nas chamadas ''formações sociais'' como ''Estado'', ''igreja'', ''cooperativa'' ''matrimônio'' etc. (idem,p.16)``.

Por outro lado, Simmel não distingue estes dois conceitos claramente. Na sua ótica, o sentido do primeiro conceito deve ser dado através do campo de interação em que o sujeito atua. Desse modo, a ação social não é resultado puramente de anseios pessoais. Reafirmando algumas de minhas observações temos Gabriel Cohn:

''(…) Simmel não estabelece uma distinção que aparece claramente nas formulações programáticas de Weber: aquela entre ação social e relação social (…).Enfim, Simmel está sempre atento para o intrincado jogo entre as ações conscientes do homem e suas objetivações e para os possíveis descompassos entre ambas, sem correr o risco de Weber, de ser apanhado de surpresa pelas manifestações disto.''(COHN,p.73:2003).

Para reforçar esta posição, Cohn trabalha com o conceito de papéis sociais, ou seja, os indivíduos adquirem experiência através de eventos (conteúdos) e, ao racionalizarem acerca deles, constroem forma(s), através do tempo; estas podem sofrer alterações e serem substituídas. Entretanto cada uma destas formas só tem sentido válido quando analisamos a esfera social (instituição política) em que ela está inserida e o ponto de intersecção dessas

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múltiplas esferas (Cf. SIMMEL,1955). Na ótica de Simmel, a sociedade não é algo estático, acabado, é algo que está sempre em fluxo, fenômeno só compreendido através das múltiplas relações que os indivíduos fazem uns com os outros, contra outros e pelos outros. Assim, a concepção de sociedade, como uma realidade inter-humana (Cf. SIMMEL, 2006:pp.12-18), é pautada em três âmbitos: Forma, Conteúdo e Vivência. A forma é o modelo que os indivíduos fazem do seu ser e do grupo no qual ele está inserido, já o conteúdo são particularidades subjetivas (eventos, históricos, gerenciamento, economia etc.). Esta serve como motor para transformações sociais (cf. IDEM, PP.12 -13); e por fim, a vivência que são articulações/arcabouço que os indivíduos fazem, isto é, o que liga Forma (modelo formal) ao conteúdo (repertório ou experiências). A aplicabilidade deste modelo para Simmel tinha como peculiaridade analisar a integração de indivíduos em grupos sociais, o texto de maior popularidade. Levando em consideração tais aspectos, chama-se o Estrangeiro (1982). Este é visto como uma forma social, de maneira que sua definição em relação ao grupo é ''sua posição no grupo é determinada, essencialmente, pelo ato de não ter pertencido a ele desde o começo, pelo fato de ter introduzido qualidades que não se originam nem poderiam se originar no grupo'' (SIMMEL,1983:182). O estrangeiro também pode ser considerado como aquele que não reconhece a autoridade do estoque de conhecimento, portanto, aquele que visualiza o mundo como uma possibilidade e não como forma naturalizada (forma situacional) (CF. TEIXEIRA,2000,p.25). A principal limitação deste modelo é que, para Simmel, as formas sociais são a base de abstração que os indivíduos fazem da matéria social, ou seja, as formas sociais são princípios orientadores das formas de representação, como atesta Teixeira :

''(...) para Simmel, as formas sociais transformarem-se, a priori, em materia social, por serem aqueles princípios orientadores do complexo de representações que vêm a adquirir uma existência em si. Consequentemente, em Simmel, as formas sociais podem, e devem, ser estudadas tendo como foco sua existência exterior, como uma configuração de relacionamentos sociais de caráter invariante, que seria, por excelência, o objeto da sociologia'' (IDEM,2000:p.21)

Destarte, o pesquisador alemão, com estas formulações teóricas, privilegia dois movimentos: 1) como a matéria social é organizada pelos grupos/indivíduos; e 2) a impossibilidade de captar todo conteúdo da realidade social gera construção de modelos para interação humanas, isto é, as formas sociais. Nota-se que as preocupações do autor

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limitava-se a modelos de organização do saber e não de modelos de operação do mesmo. Em Barth (1987), temos esta distinção clara e uma metodologia que abarque esses dois aspectos. Barth, nesta obra, realiza pesquisa de campo na Nova Guiné, onde seu enfoque é analisar as variações nos rituais religiosos nas montanhas OK. Sua principal conclusão é que há padrões na forma como ocorre a distribuição de conhecimento, mas também variação de ideias sobre esses padrões. Assim ele denomina tradição, simbolos ou ideias, tudo que intercomunica as comunidades e sub-tradição que são concepções específicas de membros de uma comunidade política local (cf.IDEM,p.1). A justificativa da existência de sub-tradição está cunhada principalmente em processo de aquisição de conhecimento que se mostra relativo e cheio de conotações. A transmissão oral no culto do chefe para os iniciados ocorre em um contexto específico (Cf.pp.58-59), e a performance para o público em outro contexto.O tipo de informação gerado nestes dois casos é bem diferenciada, já que os interesses dos indivíduos são de natureza distinta. Um busca informações acerca da especificidade do culto; e o outro busca eficácia nas atividades produtivas através do ritual; além disso, temos uma situação que tende à formalidade e outra à informalidade. Desta maneira, o etnógrafo conclui seu pensamento da seguinte forma:

The other causal connection announced in the opening of this chapter leads in the opposite direction from social organization to the mode of expression in cult. It is a simpler idea, but also far more tentative. The problem is posed by the variation in the communicative modalities in which mountain Ok cosmology is cast in the different sub-traditions. Whereas all show a profilic elaboration of ritual acts and collective ritual performances, the extend of use of myth other forms of verbal expression in connection with cult is highly variable. On the one hand, I have emphasized the remarkable poverty of myths, and even of spells and verbal explanations in accompaniment to initiation and instruction, among the Baktaman. A similar poverty seems to povertuary in most Faiwol areas. Intercourse and in more formalized situations of recounting, explaining haranguing or lamenting, persons apper quite articulate. But their notions of nearly all verbalization of sacred tradition even in the context of its ritual performance and in contexts where only fully authorized andd initiated person are present as an audience. (IDEM,p:62)

Barth assim define que a dimensão da experiência é perpassada por modelos de organização e modelo de operação. No modelo de organização, teríamos uma descrição de tipo formal-causal; já no modelo de operação, a dimensão afetiva de papéis sociais e autoridade seria melhor observada (Cf. IDEM,PP.72-73).

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2.2 Organização Social

O conceito de Organização social passou por diversas transformações no âmbito das ciências sociais. Neste âmbito, Marcel Mauss (2003) conceptualizava que os princípios básicos de organização social eram fundamentais para agregar indivíduos e fixar de traços culturais que davam um caráter de pertencimento a um grupo (étnico, familiar, nacional etc). A relação da organização social de um grupo e a condição material que envolvia sua existência e reprodução, Mauss denominou de Morfologia Social. Entretanto, o enfoque dado pelo sociólogo francês de organização social dá-se na construção de identidade étnica ou nas formas de coesão da mesma. Paralelamente, penso que essa categoria deve ser melhor discutida e complementada, assim seria esclarecedor, antes de discutir a organização territorial dos Tabajaras, demonstrar minimamente meu referencial teórico a esse respeito.

Primeiramente, há uma série de autores que complementam as ideias de Mauss. O primeiro é Simmel, que notavelmente observou que um dos principais motivos de agregação humana era o conflito, através deste, tínhamos a formação de múltiplas esferas sociais e variações da mesma. O sociólogo afirmava que a forma indireta do conflito era competição e que a formação de grupos era uma característica universal das sociedades humanas, não obstante variar o conteúdo das esferas sociais. Esta variação era justificada pela ideia de segredo, vista como uma forma de fortalecer a identidade (pela transmissão de conteúdo afetivos) e manutenção de relação de poder. Ao que parece, Max Weber (1999), nutrido por tais concepções, complementa o fato de que uma dissolução de fronteira étnica não significa dissolução de uma comunidade política. Apesar de tal afirmação, Weber, diferentemente de Simmel, afirma que ações sociais ordenadas (relacionada fins) são o que constitui a comunidade política: ''compreendemos por comunidade política aquela em que ação social se propõe a manter reservados, para a dominação ordenada pelos seus participantes'' (WEBER,1999, p.155).

Para além da diferença com Simmel, esse artigo de Max Weber (IDEM,1999) traz três pressupostos que discutirei abaixo: 1) a formação de relações sociais, organização social, estado-nação ou qualquer tipo de associação é tida como conjunto de interações sociais ; 2) apesar de admitir que a comunidade política não é apenas uma comunidade econômica, o seu artigo não consegue demonstrar como as diferentes formas de ações sociais podem relacionar-se na formação de comunidades políticas ou a influência paralela de esferas

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aparece como característica predominantemente do Estado-nação , como o mesmo afirma:

''(…) Desde a comunidade doméstica até o partido político(...) produtos de um desenvolvimento somente a monopolização do emprego legítimo de violência pela associação territorial política e o estabelecimento de uma relação associativa racional que faz dela um regime com caráter de instituição. Por isso, nas condições de economia não diferenciada, a posição espacial de uma comunidade, como comunidade política, encontra, muitas vezes, dificuldades para constituir-se aquilo que atualmente consideramos as funções fundamentais do Estado e, por fim e, sobretudo, a proteção organizada, por meios violentos, contra inimigos externos(...) A ideia de uma legitimidade específica de ações violenta, porém, se for ligada a alguma ação consensual, vincula-se à ação do clã no caso do cumprimento do dever de vingança sangrenta. Muito pouco, ao contrário, vincula-se , em geral, à ação corporativa puramente militar, dirigida contra inimigos externos, ou policial interna''. (IDEM, PP15- 158)

Fredrik Barth crítica o primeiro ponto da seguinte forma:

''A primeira distorção que gostaria de apreender é a noção que sociedade pode se resumir a um agregado de relações sociais. Se por relação social entende-se uma relação de interação social, essa idéia não se sustenta. Em nossa sociedade, as minhas relações e as dos outros são mantidas em seus respectivos lugares por uma multiplicidade de atores e agências com os quais não tenho qualquer contato social, mas que moldam o meu comportamento, desde os funcionários públicos até os órgãos encarregados da lei e da ordem e os diversos setores do governo. Por exemplo, os focos de minhas atenções e interesses e, portanto, de minhas atividades são moldados, entre outras coisas, por cadeias de intelectuais e interlocutores públicos de várias partes do mundo que não podem ser rastreados com precisão; e minhas opções, as premissas das minhas opiniões e decisões, bem como a própria produção das minhas relações sociais, são geradas por tecnologias e preocupações industriais desconhecidas, amenizadas por processos de negociação coletiva e forças de mercado, e manipuladas por meios de comunicação de massa. Nem com excessiva boa vontade, é possível aceitar a afirmação de que conceito de agregado de relações sociais consegue dar conta dessas complexas conexões. Além disso, as formas características dos atos e relações sociais não se reproduzem através de processos que podem, eles próprios, ser representados como sendo constituídos por essas mesmas relações sociais(...) Na verdade, é impossível defender qualquer representação da sociedade que a retrate como um todo composto de partes. Provavelmente nenhuma hierarquia que situe as partes dentro do todo consegue abranger a totalidade da organização social de qualquer população que seja. Certamente esse tipo de modelo não pode ser tomado como paradigmático da organização social em geral. Quando os indivíduos são tomados como partes elementares, via de regra, e concluísse que eles pertencem a grupos de diversos níveis e escalas, e a grupos cujos limites atravessam as fronteiras de qualquer região designada; se tomarmos os status das interações recíprocas e na composição das pessoas sociais, as complexidades da organização social não podem ser aprisionadas em totalidades bem delimitadas, nem ordenadas em hierarquias unitárias entre

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parte e totalidade, cujo esquematismo de nossa terminologia nos convida a construir.'' (BARTH,2000,PP.169-170)

Barth, neste artigo, opera então com conceito de relação social e estrutura da ação social, compreendendo neste processo a relação social como negociação de entidades distintas que moldam nossas opiniões, tendo a representatividade como plano operante. Já a

estrutura da ação social é uma cadeia de eventos que são moldadas pelas interações sociais

(face-a-face) e relação social, que ora pode gerar ocasiões de reprodução social, ora pode transcender a compreensão dos indivíduos, como o mesmo afirma:

''(...)ação social gera eventos e cadeias de consequências que são cognoscíveis e podem se tornar efetivamente conhecidas: ela não apenas são significativas dentro de um quadro de interações e interpretações culturalmente moldadas, como também criam ocasiões em que as pessoas podem tanto transcender como reproduzir sua compreensão e seus conhecimentos.'' (IDEM, 2000, P.175)

O autor conclui que todo este processo chama-se sistema social, que se dar em aberto quando há negociação nas mais variadas escalas sociais; ou fechado quando há imposição do Estado-nação (Cf. Idem,2000, p.176). Nota-se que a noção de Barth aproxima-se com a ideia de campo de interação de Simmel, sendo que Barth pensa ação social de forma menos formal e mais dinâmica.

Acerca do segundo aspecto, há uma inovação nas concepções de associação doméstica (unidade habitacional) e suas relações. Wilk (1984), não obstante o autor compartilhe com visão economicista de Weber, ele postula, a partir de suas observações de campo, que a organização doméstica do kekchin Maya possui diferenciações na sua organização. A primeira ele denomina ''unidade habitacional'' (dwelling unit); e a segunda um agregamento de ''unidade habitacional'' pertencente aos mesmos membros familiares denominado de

Cluster. Os tipos de associações comunitárias variam em Tight (rígido) ou flexíveis (Loose)

(cf.IDEM,1984,pp.224-227). O primeiro tipo é comum nos tipos de atividades coletivas homogêneas (como a colheita) que engloba todos os indivíduos - este tipo ainda é descrito como atividades de auto-consumo. No segundo caso, embora haja cooperação das unidades domésticas, há desenvolvimento de atividades diferenciadas (como trabalho assalariado), assim gerando certa autonomia de cada unidade habitacional. Wilk ainda destaca que estes modelos não são rígidos e que, ao longo do tempo, adoção é uma resposta do grupo aos

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contextos em que os integrantes estão inseridos.

No caso dos Tabajaras, este conceito é extremamente útil, principalmente pelo fato de minha pesquisa reduzir-se a um agregado de habitação flexível , entretanto cabe uma contextualização. Idealmente, existem duas escalas de organização dentro dos grupos domésticos: em cada grupo temos uma chefia. No primeiro âmbito, teríamos o chefe de

agregado habitacional, este é definido pelo seu status social perante o seu agregado e a sua

influência na comunidade política local. Sua principal atribuição é de estabelecer relações de aliança com membros da comunidade política local, desta forma inserindo o seu agregado em atividades de tipo flexíveis e modulando as jornadas de trabalho do tipo rígido do seu

agregado. No segundo âmbito, temos o chefe de família nuclear que tem a competência de

distribuir a renda obtida nas atividades de tipo rígido.

A operação das modalidades descritas acima dá-se através de duas categorias que englobam caraterísticas de afeto, emoção e prestígio, considerado por eles fundamentais para estabelecer relações. Deste modo, idealmente, a primeira categoria é economia coletiva. Neste tipo de atividade, todos os membros trabalham em seus lotes (agricultura), e a renda é concentrada no chefe de família nuclear que determina o quanto cada membro receberá. Geralmente, quando o chefe de família nuclear gosta do trabalho de seus filhos, ele pode recomendá-lo ao chefe de agregado habitacional para realizar um trabalho específico ou trabalhar como parceiro em outra propriedade fora do lote destinado àquela família nuclear.O processo de negociação da mão-de-obra é feito tendo a figura do chefe de agregado como mediador, mas o dinheiro ganho pelo indivíduo é denominado de economia individual. A economia individual é também considerada qualquer tipo de trabalho assalariado ou comércio realizado por um indivíduo. Desta estrutura, é destacável a autonomia dos chefes de família nuclear em relação a sua propriedade, já que a mão-de-obra recorrente é apenas da família nuclear, de maneira que muitos podem arrendar ou fazer parceria com outros moradores de sua rede social individual.

No capítulo terceiro descreverei alguns casos de como opera estas categorias em diferentes gerações que, apesar de ser considerado economia individual, os indivíduos se preocupam em adquirir prestígio dentro da sua comunidade, sendo assim pré-requisito a aquisição de produtos e a partilha do mesmo entre sua rede de parentes. A ideia de partilha familiar também é vinculada à cosmologia local, cujas histórias relacionadas à maldição da botija¹ são lembradas.

Ainda tratando das propostas weberiana, em especial o segundo e o terceiro tópico descrito no começo deste capítulo, temos o recente trabalho de Mura e Barbosa (2011) que,

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através da influência de Barth, apontam novas concepções. Com acuidade, eles densificam a formação de organização social, bem como seguindo a proposta de Barth, separa o conceito de cultura da mesma:

''Nesta perspectiva, é também importante compreender quais mecanismos e princípios permitem tanto a formação dos modelos culturais quanto suas transformações, e quais os papéis sociais e individuais que são relevantes para que estes modelos sejam implementados, defendidos ou criticados.

Especificamente Barth (2005) chama a atenção para as diferenças existentes entre as propriedades, por um lado da cultura; e, por outro, da organização social. Utilizando a metáfora de uma correnteza, o autor descreve o fenômeno cultural como um fluxo cujo conteúdo tende a se difundir livremente entre os indivíduos que com ele entrassem em contato. A organização social, ao contrário, produz diferenças, impondo barreiras e fronteiras, canalizando este fluxo cultural e permitindo que modelos culturais específicos sejam gerados e contrastados com outros. Tal modelamento ocorre de modo contínuo através das interações cotidianas entre indivíduos, sendo que, das suas interpretações e de suas interações, decorre a experiência individual, cujo ''precipitado'' constituiria o estoque cultural de cada sujeito.'' (MURA E BARBOSA,2011,pp.103-104)

Especificadamente, este dois autores enxergam os grupos domésticos como unidades fundamentais para construção de comunidade políticas locais e identidade étnica. Interpreto que, para estes, a formação da organização social, na sua esfera social mais micro, seria a organização doméstica. Os autores demonstram, no artigo, dois fatores importantes: 1) que em determinados contextos há impossibilidade de formação de identidade ou fronteira étnica ; 2) que a formação da identidade étnica é apenas um aspecto da articulação política/social (CF.IDEM, 2011, p.115). Assim, embebido por tais discussões, tentei perceber como os indivíduos de um mesmo grupo doméstico agregado, mas de diferentes gerações, articulam, canalizam, criam modelos culturais cuja especificidade gera contrastes e compartilhamentos em múltiplas redes de relação.

Ainda, endossando tudo que foi descrito acima, destacamos outro texto do sociólogo Simmel, que discute A Quantidade nos grupos sociais² . O artigo trata de destacar as implicações de círculos sociais, entre elas, a representatividade que é gerada como necessidade de gestão das escalas mais macros. Para critério de análise, o autor utiliza duas categorias: atitude e radicalismo. O conceito de atitude aplicado por ele é sociológico, isto é, a atitude é substrato da individualidade proporcionado pela experiência do indivíduo e o seu poder interpretativo (intersubjetividade) . O contraste de tal conceito é o radicalismo, que é definido como:

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''El radicalismo a que aquí nos referimos es sociológico: es decir, ele que se funda em la entrega sin reservas del indivíduo a la tendencia del grupo, el que consiste en la rigorosa determinación del grupo, frente a formaciones vecinas, por la necessidad de conservación, el que se basa em la impossibilidad de incluir, dentro del marco estrecho de una pluralidad, ciertas aspiraciones y pensamientos amplios. El radicalismo, como teoria, es bastante independiente de esto. Se ha notado que em a alemania actual (antes de 1914) los elementos coservadores-reaccionaros se ven obligados a moderar el radicalismo de sus pretensiones,justamente por causa da su fuerza numérica'' (SIMMEL, 1988, Pp.64-65).

O sociólogo ainda defende que o radicalismo sociológico é processo decorrente a agrupamento/aliança de representatividade dentro de mesmo circulo social (proporção simétrica), mas que facilmente pode abranger outros círculos maiores (proporção dissimetria). Utilizando de uma metáfora da biologia, o radicalismo sociológico é uma relação proporcionada pelo conflito de cadeias de energias sociais (grupos), e internamente, cada grupo é constituído por disputas dos tipos puros, ideais de Atitude e Radicalismo , assim gerando diferenças e congruência temporais. Ademais, esse processo é responsável pela formação de círculos sociais e instituições (família, grupo étnico Estado etc.). Nota-se que o pré-requisito do radicalismo social é poder de representação que indivíduos possuam frente ao grupo (unir energias sociais), sendo que a manutenção e as construções das regras para mediar este poder parece ser o enfoque do autor e não meramente como ocorre o processo de interação. Simmel conclui:

''En general, las instituicion próprias de los círculos pueden explicarse como compensaciones o sustitutivos de la cohesión personal e inmediata que caracteriza los círculos pequeños. Se trata de instancias que organizan y mediatizan las acciones recíprocas de los elementos, actuando así como sustentáculos de la unidad social, ya que ésta ha dejado de ser una relación de persona a persona. Con este objeto surgen los cargos y representaciones. Las leys y los símbolos de la vida social; las organizaciones y los conceptos sociales generales(...) Sólo en grandes círculos se producen, puras y bien desarrolladas, como formas abstratas del nexo social, ya que extensión. Su finalidad, que se ramifica em miles de cualidades sociales, descansa, em último término, sobre supuesto numéricos. El carácter transpersonal y objetivo com que frente a los indivíduos se presentan essas encarnaciones de las energias sociales, procede justamente de la muchedumbre de elementos individuales activos.'' IDEM,1988, P.66).

Aqui ressalto que os dados etnográficos demonstraram uma intensa variação e abstração de ideias em circulos maiores. Desta forma, distanciou-me de Simmel neste aspecto, entretanto os conceitos de atitude e radicalismo tiveram uma aplicabilidade pujante na etnografia.

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MAPA 1: CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE HABITAÇÕES FONTE:PEREIRA. Google Earth. Jul, 2013.

LEGENDA MAPA 1: •Comunidade político local

•Agregado de habitações Tabajara I (chefe Carlinhos) •Agregado de habitações Tabajara II (chefe Cardoso)

2.3 Os Conceitos de Escala, Processo de Territorialização e suas implicações

Barth (1978) escreveu um ensaio que trata por definir o conceito de escala social e sua importância analítica para organização social. A grosso modo, a escala é um aspecto da organização social. Sendo mais exato, são forças que podem ser diretamente observadas nas interconexões entre ações e eventos (IDEM, 1978,p.253), de modo que, em todo contexto de interação social, é possivel observar, empiricamente, elementos que constituem espaço sociais. A escala lida com a relação de indivíduos e espaços ocupados, entendendo, por ocupação, a negociação/imposição de seu uso por partes de grupos sociais; já variação escalar ocorre quando a análise empírica tem amostragem variante no número de indivíduos e na

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correlação entre instituições sociais. O autor norueguês destaca a relevância de analisar-se o número mínimo de indivíduos e o espaço (físico) mínimo para que as propriedades de um ou mais sistema funcionem (IDEM,1978,p.254).

A ideia de sistemas (e também escala) proposta pelo autor é de algo aberto, ela não é propriedade primária da sociedade, mas um espaço onde grupos constituem processo de inclusão e exclusão das pessoas. Neste processo, é gerada a diferença entre escalas, de espaços sociais individuais e agregação do grupo no campo social, através do conceito de comunidade (IDEM, 1978, pp.255 e 256). Nesses termos, o autor também diferencia que escalas (micro e macro) não são a mesma coisa de aspectos do sistema social. A escala aborda, por primazia, as relações representatividade/hierarquia dentro de instituições sociais específicas (esfera social), suas propriedades perpassam e correlacionam com todas escalas:

'' Thus small-scale vs large-scale should not be confounded with micro vs macro-aspects of social systems: large-scale systems are also embedded in the events of encounters of persons. In meeting of three persons, each may act as the representative of households in small-scale lineage segment, or as the representative of households in a large-scale market system for employment, or as the representative negotiators of large-scale nation-states. To use the concept as I argue here, we must pursue the interconnections and demarcate the system before we can judge its scale.'' (IDEM,1978,p.256)

Uma análise escalar tem, como meta, demonstrar o alcance de diferentes categorias, suas variações dentro das instituições (esferas sociais) e suas articulações com a sociedade, como o mesmo afirma ''we need to know the size of the social world of different categories of persons and the sizes of various instituted fields of relations to be able to analyze the articulations of this complex civilization'' (IDEM,1978,p.258).

A categoria proposta por Barth de campo de relações gera, nas interações entre indivíduos, um repertório que, atrelado aos sistemas sociais, serve de parâmetro para atuação sócio-política dos indivíduos (IDEM, 1978,p.262). Aproximando essa discussão para o lado de ''nossas instituições complexas'' e fortemente influenciado por Barth, temos as concepções de João Pacheco de Oliveira (1998) que pensa nos mecanismos criados pelo Estado colonial e neocolonial no contexto brasileiro para minorias indígenas. O que ele denomina de processo de territorialização é a atuação política-administrativa, através dos órgãos de Estado, condicionando a organização social dos povos nativos.

Relatando o contexto sócio-histórico do Nordeste, o autor brasileiro afirma que houve dois processos de territorialização, sendo o primeiro dividido em três fases: a primeira fase

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que durou até meados do século XVIII remeteu nos aldeamentos jesuíticos, onde não houve políticas de ''miscigenação'' entre colonos e indígenas, mas de escravos de origem africana e índios; a segunda, em meados do século XVIII, com decreto pombalino que estimulava a ''miscigenação'' de colonos e indígenas, ademais proibindo as línguas nativas; e a terceira fase com a Lei de Terras (1850) que estimula ocupação de fazendeiros (proprietários) nos espaços de antigos aldeamentos.

No começo do século XX, houve o segundo processo de territorialização, com a tentativa do órgão estatal SPI (Serviço de Proteção aos Índios) de isolar territórios para os indígenas reverterem a ''mistura'', e de tutelá-los. Nesse período, a organização de Estado imputou uma organização específica, com um forte cariz centralizador (em relações de poder e de gestão de recurso) , como o mesmo afirma:

Em linhas gerais, esse processo de territorialização trouxe consigo a imposição de instituições e crenças características de um modo de vida próprio aos índios que habitam as reservas indígenas e são objeto, com maior grau de compulsão, do exercício paternalista da tutela (fato independente de sua diversidade cultural). Dentre os componentes principais dessa indianidade (Oliveira 1988), cabe destacar a estrutura política e os rituais diferenciadores.

A organização política de quase todas as áreas passou a incluir três papéis diferenciados — o cacique, o pajé e o conselheiro (isto é, membro do ―conselho tribal‖) —, tomados como ―tradicionais‖ e ―autenticamente indígenas‖. A indicação ou ratificação dos ocupantes desses papéis era realizada pelo agente indigenista local (o chefe do P.I.), que, de fato, ocupava o topo dessa estrutura de poder e quem distribuía os benefícios provenientes do Estado (de alimentos a empregos, passando por empréstimos ou permissões de uso de instrumentos agrícolas, meios de transporte, cacimbas d’água etc.). (PACHECO DE OLIVEIRA,1998,p.59)

Na atualidade, a figura do chefe P.I foi eliminada, dando maior variedade na organização política dos grupos indígenas, entrementes o pressuposto de indianidade, como elemento de auto-afirmação étnica, é mantido, consequentemente as relações inter-étnicas têm, no seu campo de relações, a categoria de indianidade. Na minha pesquisa empírica, essa categoria de negociação possui consequência em diversas escalas em que os Tabajaras estão inseridos (em especial na escala macro), mas também a possibilidade de os indígenas inserirem a lógica de sua organização doméstica numa escala mais ampla, por exemplo, é esperado que as lideranças em ofício peçam à FUNAI objetos para facilitar atividades apenas do tipo economia coletiva.

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O campo de relação é, para Barth (1978), a chave analítica do processo de dynamics of complex social organizations (p.259), por apresentar, de forma dinâmica, os elementos constitutivos de um sistema social. O quarto capítulo deste trabalho segue essa proposta, indicando como os autores operam com todas as categorias citadas neste tópico.

FOTO 3: REUNIÃO TABAJARA COM SIMPATIZANTES DA CONSULTA POPULAR FONTE: PEREIRA. BARRA DE GRAMAME. JUN, 2014

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3. CONTEXTO HISTÓRICO

Os dados bibliográficos da região do Litoral sul da Paraíba aponta que, no século XVI, as terras eram habitadas por índios Tabajara e Potiguara. Naquele período, a instalação colonial se deu pelo sistema de aldeamento proposto por missionários. Não obstante os portugueses serem os primeiros a chegarem à costa brasileira, estas terras foram alvos de ataques de franceses e holandeses. Segundo Farias (2011),nas primeiras três décadas as relações entre portugueses e nativos foram amistosas, mas depois desse período de tempo, houve intensos conflitos. Naquele tempo, os Tabajaras aliaram-se aos Portugueses, e os Potiguaras aos Franceses, sendo que, em 1585, Piragibe (líder Tabajara) aliou-se aos Tabajaras por alguns meses, mas houve desentendimentos. Assim sendo, Piragibe aliou-se a João Tavares( Português) e ambos derrotaram os Potiguaras e Franceses. Em 1586, houve os primeiros lotes de doação de terra (Sesmaria), em que a coroa portuguesa distribuía os lusitanos em boa parte do território ocupado por Potiguaras e Tabajaras. O objetivo da colônia era transformar os indígenas em mão de obra e expandir o cultivo de cana de açúcar na região. Mesmo no período do domínio holandês, a pratica utilizada era muito semelhante: os indígenas deveriam ser convertidos em cristãos, e havia denominação para indígenas subjugados e índios não subjugados. Entretanto, no aspecto da organização da produção, temos um diferencial por parte dos holandeses: eles reduziram os aldeamentos em seis (duas aldeias a cada vale): Vale do rio Paraíba, no centro (aldeias de Utinga e Pilar); e o vale do rio Mamanguape ao norte (aldeias de São Miguel e da Preguiça). (cf. MURA;PALITOT e MARQUES,2010, P.10).Os vales do rio Paraíba produziam cana em larga escala; Vale do Mamanguape, currais de gado; e os vales de Gramame e Abiaí, mandioca e alguns engenhos. Os relatórios de identificação também apontam a particularidade da região Sul:

``Uma exploração agrícola dos recursos naturais que dependia fundamentalmente de uma organização produtiva de base familiar que se contrapunha à monocultura comercial da cana-de-açúcar com os seus grandes domínios senhoriais`` (IDEM, 2010,p.11).

Os autores também destacam que a ocupação da região do litoral sul não assegurava exclusivamente a presença indígena, mas incentivava a presença dos brancos e seus interesses, contudo permitia o modo de reprodução indígena nesse período (Cf. IDEM,2010,p.11).

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No século XVII a XIX, as concessões do império foram distribuídas entre os aldeamentos missionários, instalações de engenhos e vilas de indígenas, assim favorecendo uma oligarquia sustentada na monocultura da cana-de-açúcar e agricultura familiar (IDEM, 2009.p.11). Deste modo, temos, no século XVIII, o fato de Portugal passar para o domínio hispânico, destarte trazendo novas estruturas produtivas e de organização. Marquês de Pombal tem a ideia de extinguir os aldeamentos e criar as chamadas vilas de índio, cujo objetivo era estimular o casamento de ``colonos`` com ``indígenas``, desta forma, favorecendo a ``mistura``. O objetivo era extinguir a categoria de ``índios``, levando a um maior sedentarismo do mesmo. Também era proibido o uso de jurema, línguas indígenas e aguardente.

A reorganização administrativa tinha como objetivo reunir grupos indígenas provindos do interior (Agreste e Sertão) e trazer para as vilas,. Naquele período, existiam cinco vilas na Paraíba: 1)Vila da Baía de São Miguel (Baía da Traição); Vila de Monte-Mor (preguiça) ; Vila Nova de Nossa Senhora do Pilar (cariris/Taipu); Vila do Conde (Jacoca) e Vila de Alhandra (Aratagui). A Vila do Conde foi formada com índios de Língua geral (termo que significa aliados da coroa) da aldeia da Jacoca e Tapuias Panati vindos do Piancó; e a Vila de Alhandra reuniu duas nações de Língua geral, a de Aratauhy e a de Ciry (IDEM,2010,p.17). O objetivo da coroa era fortalecer a produção de mantimentos, já que o solo da região era pobre para a prática de monocultura da cana-de-açúcar. Assim, houve plantações de algodão, milho, feijão, mantendo uma relativa estrutura de minifúndios.

No século XIX, foram implementadas as Leis de Terra que era resultado de um plano econômico que fizesse o Brasil atingir o mercado agroexportador. Assim a elite latifundiária pressionaia o império a converter libertos, indígenas, escravos em massa trabalhadora, e a extinção total dos aldeamentos (Idem,2010,p.25). Esta manobra política favorecia ainda mais o latifúndio no Brasil.

As categorias de ``índios puros`` e ``índios misturados`` tornaram-se base argumentativa das elites para tomar direitos fundiários garantidos a população indígena outrora. Os índios misturados não tinham direito algum sobre a terra e eram tratados como massa trabalhadora. A consequência destas medidas seria o acesso cada vez mais restrito à propriedade fundiária.

Em 1865, o Engenheiro Justa Araújo recebeu a incumbência de regulamentar a ocupação fundiária dos antigos aldeamentos, sob forte pressão de distribuição de lotes para ``não-indios`` e extinção das terras indígenas, assim possibilitando, também, terras devolutas que serviram para compra de privados. (cf. IDEM,2010,p.27). Apesar de Justa Araújo

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identificar, na Jacoca, inúmeros conflitos entre indígenas e posseiros, ele deixou os nativos privados dentro do território da Jacoca, segundo o relatório de fundamentação antropológica (2010):

``Nesta partilha, sobressaem as áreas ocupadas por Antônio Quirino de Souza e José Alves de Souza, na parte oeste; Manoel Florentino Carneiro da Cunha, ao sudeste; e Lucidato Gomes de Leiros e sua mãe, ao nordeste. O engenho Abiay, de propriedade de Manoel Florentino Carneiro da Cunha, aparece como área não demarcada e na face norte, a localidade de Mutuassú consta também como não demarcada, apesar de ocupada por diversos pequenos posseiros. Destacam-se também as grandes áreas devolutas e as pequenas posses dos índios, concentradas nua faixa estreita entre Taboleirinho e Garaú, onde estão assinaladas as Nascenças do Gurugy, Rio dos Bodes, Rio Páo-Ferro, Riacho Gurugyzinho, Riacho do João do Prado e a localidade de Gurugy de Dentro.``(IDEM, 2009,p.39)

Este dois primeiros citados (tenentes-coronéis) são acusados por alguns indígenas, de praticarem tortura. (Cf.IDEM,2010,p.29). Ademais, temos documentos que incluem queixas de posseiros e indígenas contra a nova regulamentação fundiária efetivada pelo Engenheiro (CF.IDEM,2010,pp.41,42,43 e 44).Ironicamente, vemos que, na Carta Topográphica da Sesmaria dos Índios da Jacoca, a aréa da propriedade de Manoel Florentino Carneiro da Cunha aparece como não demarcada (assim como algumas leguas ao norte), apesar da ocupação de diversos posseiros. Mesmo com algumas irregularidades apontadas, pouco da demarcação realizada pelo Engenheiro foi mudada.

No século XX, a população indígena encontrava-se subordinada aos privados que Justa Araujo permitira. Os minifúndios, no começo do século XX, eram de 484 (com 3.157 hectares), enquanto os latifúndios eram de 64.311 (totalizando 86,75% das terras disponíveis) (Cf. IDEM,2010,p.49). Os autores do relatório (2010) também destacam que o Conde, naquele período, produzia coco (230ha) e mandioca (224ha), assim tendo organização de diversas unidades domésticas a cuidarem de alguns hectares de plantio. Os tipos de asujeitamento criados pelos os proprietários eram: Arrendatário, Morador de condição, Parceiro,Assalariado e Sem-Terra. Em meados do século XX, a familia Ludgren acabou por adquirir diversas propriedades, e em 1946, eles detinham 3.736,89 ha . Já em meados dos anos setenta, ocorreram vários conflitos entre os latifundiários e os agricultores, o que culminaria na criação de assentamentos (entre década de 80 e 90). As principais razões eram a expansão das lavouras e expulsão de famílias que viviam na região. As articulações políticas

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do grupo são compreendidas da seguinte forma:

``As lutas por reforma agrária, a constituição dos assentamentos e a emergência das identidades indígenas e quilombolas contemporâneas são resultados dessa complexa dinâmica social de apropriação e constituição de territórios e grupos de referência, mobilizados para garantir as suas próprias condições de autonomia e reprodução física e social, num contexto de intensas transformações econômicas que afetam o litoral sul da Paraíba.`` (IDEM, 2009, p.68)

O relatório de Mura et al também apontam uma nítida relação entre as familias da Barra de Gramame e o Quilombo do Gurugi:

De acordo com os relatos apresentados por Sampaio (2001) e com os dados fornecidos nos documentos elaborados por Justa Araújo no século XIX, algumas das famílias dos posseiros e moradores do Gurugi e do Sítio Piranga estão fixadas nestas localidades desde data anterior a 1865. A possibilidade de estas famílias, mesmo atualmente identificando-se como quilombolas, possuírem vínculos com os indígenas da Jacoca é manifestada por alguns membros do grupo. Em Sampaio, encontramos algumas passagens que remetem a esta possibilidade, em que ele diz que os moradores do Gurugi possuíam um comportamento desconfiado, que atribuem à sua origem indígena. (IDEM,2009, p.76)

Na nossa ótica, a compreensão deste tipo de vínculo é a chave para compreensão da organização social da Barra de Gramame e do interesse de mudança de identidade de assentado para quilombola ou indígena. Segundo Farias (2011), os atuais Tabajaras viviam no Sítio dos Cablocos (seis troncos-velhos) que, por um processo de expropriação, entregaram suas terras a um chefe de polícia aposentado (conhecido como Zuza Belarmino) que explorou suas terras através de arrendamento, sendo que este documento desapareceu, mas os troncos velhos afirmam que Zuza Berlamino passou este documento para Ede Lundgren. Com base nestas informações, Nequinho (pai de Carlinhos), Carlinhos, Ednaldo e seu irmão Biu uniram-se e mobilizaram diversos parentes dos uniram-seis troncos velhos (cf. FARIAS,2011,p.77). Os Tabajaras reivindicam o antigo território do Sítio dos Caboclos (localizado na antiga sesmaria da Jacoca e Aratagui). A população dos Tabajaras são de aproximadamente 750 nativos, tendo uma localização variada. As familias que conseguiram tirar lotes com a reforma agrária vivem em Conde, Pitimbu, Alhandra, e os que não conseguiram vivem em bairros periféricos da capital (Grotão, Mandacaru, Geisel, José Américo e Cristo) (CF.IDEM,2011,p.82).

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MAPA 2: OCUPAÇÃO DA ANTIGA JACOCA FONTE: Mura et al. Landsat.2010

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LEGENDA MAPA 2:

RRelação das Famílias

Relação das Famílias

Descrição Descrição

34 Família de Maria Teresa dos Santos 53

35 Família de Maria Teresa dos Santos 54 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza

36 Família de Maria Teresa dos Santos 23 Família de João Boinho

37 Família de Maria Teresa dos Santos 24 Família de João Boinho

38 Família de Maria Batista 25 Família de João Boinho

39 Família de Maria Batista 26 Família de João Boinho

40 Família de Maria Batista 28 Família de João Boinho

41 Família de Maria Batista 29 Família de João Boinho

44 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 30 Família de João Boinho 45 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 55 Família de João Boinho 46 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 31 Família de João Boinho 47 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 32 Família de João Boinho 48 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 33 Família de João Boinho 49 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 42 Família de João Boinho 50 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 57 Família de Maria Rosa 51 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 58 Família de Maria Rosa 52 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza 82 Família Antônia Bispo dos Santos

53 Família de Maria Rosa do Nascimento Souza

Locais de residência de Antiga Ocupação

Descrição

69 Tabuleirinho

67 Prensa Velha

70 Mata da Chica

74 Mata de Garapu

75 Lagoa dos Cágados

76 Andreza

71 Entrada do Sítio dos Caboclo

78 Ponto Extremo Lateral da Fazenda Graú, Boa Vista, Coqueirinho e Pau Ferro

77 Grota da Lagoa Preta

79 Entrada para Bodes, Sítio dos Caboclos, Boa Vista e Malhada

80 Entrada Sítio dos Caboclos

73 Lagoa dos Gansos

68 Sítio dos Caboclos

72 Mucatuaçu

73 Barra do Mucatuaçu

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3.1 As disputas atuais entre os quilombolas

Os conceitos de propriedade, dentro da região do Conde, tiveram aplicabilidades locais muito particulares. Com a lei de terras do século XIX, as famílias foram confinadas em pequenos lotes, ou expulsas. Ademais, como vimos, proprietários privados ficaram dentro de territórios considerados indígenas; desta maneira, as famílias tinham que pagar renda em produtos ou trabalhar gratuitamente nas propriedades alheias. Um segundo aspecto foi a divisão de duas áreas em Conde denominada pelo Estado: Gurugi I e Gurugi II. Em 1979, houve conflito fundiário na fazenda Gurugi, porque o proprietário começou a destruir roçado para plantar cana (CF. MONTEIRO E GARCIA,2010, p.153). A solução do Estado, após o conflito na década de 1980, foi a criação de do assentamentos rurais Gurugi I e Paratibe III. Já na área Gurugi II, inicialmente o motivo do conflito era expulsão de moradores para o desenvolvimento da pecuária, sendo que, na década de 1990, o interesse imobiliário e o excessivo arrendamento de lotes pelos proprietários fizeram que as famílias se mobilizassem. Monteiro e Garcia descrevem Gurugi II como um local onde abriga, em demasia, famílias de municípios vizinhos, a Barra de Gramame e Gurugi II foram assentamentos criados para tentar resolver problemas de ordem de interesse imobiliário. Entretanto, em Mura et al (Cf. 2010,p.64), vemos que muitos hectares das ex-fazenda ficaram como terrenos devolutos ou ainda aberto à especulação imobiliária. Monteiro e Garcia (2010), em seu artigo, também atestam que os problemas territoriais das áreas são diferentes. Enquanto em Gurugi I não há espaço para comportar o crescimento de famílias, Gurugi II sofre com pressões de ordem imobiliária. Em 2006, muitas famílias, com intenção de neutralizar as pressões imobiliárias, mobilizaram-se politicamente e lutaram pelo reconhecimento de quilombo e, assim, surge demanda em outra região chamada Ipiranga (que ficava em Gurugi I. Esta é constituída por uma família extensa, e a política que governo queria aplicar era a favor de um território único, comunal e contínuo, sendo que foi recusada, tanto em Ipiranga, quanto em Gurugi II. Ainda em 2006, tivemos então terras para famílias quilombolas e terras de assentados. Montero e Garcia postulam hipóteses políticas para esta relativização de projetos territoriais, destaco:

`` Os moradores de Gurugi II temiam a nova situação cujo território seria coletivo, uma vez que já haviam lutado, tanto pela posse da terra com os proprietários legais como também para que os títulos individuais dos lotes fossem concedidos.

(35)

Tinham o receio também de perder os programas governamentais concedidos aos assentamentos, já que, com a territorialização quilombola, correriam o risco de não mais serem beneficiados com esses programas(...)Em Gurugi I, existe uma preocupação com a preservação do seu território, como também uma inquietação com a falta de programas sociais para o local, uma vez que, com a emancipação do assentamento, as famílias não têm mais direito às políticas públicas destinadas às áreas de assentamento. Outra preocupação é a falta de moradia digna para as novas famílias que foram surgindo. Muitas estão morando em casas de taipa, aglomerando-se nas partes do território Gurugi que foi loteado e vendido pelos donos legais, antes da desapropriação e outra parte não foi incluída nas áreas de assentamentos, ficando a terra para os proprietários que, posteriormente, a venderam em.áreas de sítio dos pais. Há também a problemática da falta de terra para a reprodução das novas gerações.`` (IDEM,2010, PP.166 e 167.)

Mesmo com essas explicações, creio que podemos aprofundar as justificativas apresentadas pelas autoras. No âmbito da agricultura, a população que possui título de assentados costuma pegar mão de obra de pessoas que não têm título de assentado, mas que vivem próximo da região e que pretendem tirar o título (comprar). Entretanto, para aceitação da pessoa, é necessário, em reuniões dos assentados, que o candidato tenha boas referencias da comunidade. Em campo, eu escutei histórias que as pessoas de Gurugi I eram difíceis de fazer isso, e que eram contra a chegada de novos moradores (``moradores de fora``). Assim entrando em conflito com as famílias de Ipiranga que, não obstante habitar o mesmo território, têm familiares que conseguiram lotes ou casaram-se com pessoas de lotes diferenciados. Exemplo empírico é o caso de Marcos (Ipiranga) que é casado com Helena (Guaxinduba), mas que têm familiares com lotes no assentamento Barra de Gramame, e vivem neles. Entretanto somente a sobrinha de dona Helena trabalha no roçado de Ipiranga. Conclusivamente, Gurugi I, com problemas de espaço de reprodução, inclusive as áreas de sítio ocupadas por habitações (Cf. IDEM,2010,p.167), considera as atitudes dos assentamentos de Gurugi II ``desleal``. Ainda, neste aspecto, os moradores de Gurugi I fecharam-se para a maior parte aos demais moradores, contudo esse tipo de tensão provou alterações profundas no cotidiano das famílias. Destaco o exemplo de nicho mercadológico com Gurugi I. O chefe de família que acompanhei na pesquisa costuma vender mel entre a família de Gurugi I (por ensinar apicultura a uma família), portanto não trato Gurugi I como comunidade isolada das outras, por questões pessoais, mas também por fortes questões de ordem formal, assim com respaldo na organização social da região.

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