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FONTE: PEREIRA.BARRA DE GRAMAME. ABR,2013

4.1 Contexto-sócio-ecológico-territorial e atividades domésticas

O nicho onde se localizam as residências Tabajaras pesquisadas é constituído por três tipos de solo: na parte baixa, mosaico; na parte alta, predominantemente arenoso-argiloso; e eutrófico, nas encostas úmidas e áreas de várzeas (cf. MURA et al,2010, p.48). Além disso, temos uma baixada litorânea com recifais. A vegetação na parte alta são resquícios de mata Atlântica; e na parte baixa, temos restinga, avenca e mangue. Vimos também a presença de tabuleiro na área de transição (de alta para baixa), onde se localizam os bananais e a região de rio. Na parte baixa, as atividades econômicas são coletas de carangueijo, pesca e prestação de serviços; já na parte alta, onde se localizam as unidades habitacionais, local de pesquisa, as principais atividades são agricultura, coleta de madeira, coleta de frutos e apicultura.

A partir desse parágrafo apresentarei brevemente o nicho ocupado pelos interlocutores e discutirei as atividades que remete à categoria economia coletiva, apresentada na introdução deste trabalho, com enfoque de analisar como as atividades produtivas (e produtos) que organizam de maneira concreta a vida doméstica de seus membros.

A coleta de frutos é uma atividade presente em toda parte alta, e é efetuada por todos os gêneros ou idade. Todavia é destacável a grande quantidade de mangueiras na região, o uso em específico é a venda dela, seja por arrendamento ou venda na estrada. Temos quatro espécies de mangas na região: manguita (por enxerto), manga rosa, manga Rosali e manga espada. A maior parte da manga comercializada é a espada e, como regra social, os anciãos, por ganharem menos, têm preferência na coleta de manga para venda na estrada. As crianças podem colher, mas devem entregar ou vender com os adultos. As que colhem mangas em demasia, em certas situações, são altamente reprimidas. A manga tem ciclo bem ativo na região, pois produz predominante quase o ano todo (9 meses de 12). Outro uso da mangueira é a sua madeira considerada excelente como lenha pelos pesquisados (mais duradoura, ainda que deixe muita cinzas). O segundo aspecto é a localização das mangueiras, geralmente próxima dos quintais. No espaço físico dos quintais, podemos encontrar alguns frutos que foram domesticados pelos Tabajaras entre os mais populares: caju, limão galego, limão, abacate, coco, cana-de-açúcar e tomate. A manutenção desses quintais ocorre predominantemente pelo sexo feminino. Eventualmente, as crianças podem ser chamadas para limparem mais profundamente a área cultivada.

As atividades da agricultura a partir dos anos 1990, têm sido aplicadas, devido à problemas ambientais nos rios e mares. Desta forma, temos a intensificação da prática de Lavoura Branca, compreendida como agricultura intensiva de larga escala, requerendo cuidados especiais. No passado, as lavouras eram constituídas por coco, mandioca, louro – com duplo uso, produção de lenha e tempero- (de 1965 até 1970); nos anos 1970 até 1986 plantava-se maxixe e jerimum. As lavouras brancas de hoje são feijão, milho (em menor escala),mandioca, macaxeira, melancia e inhame. Como visto, a mandioca e inhame são culturas que permaneceram na região. Na verdade, as outras culturas são tidas como secundárias ou feitas para descanso do solo, como diria a família extensa estudada. Contaram- me também que, no final dos anos 1980, um morador da região chamado João Rabada trouxe a técnica de plantio por matumbo, desta forma, impulsionando a produtividade do inhame na região. A periocidade dessas duas culturas são: macaxeira, colhe-se duas vezes ao ano; e o inhame, uma.

O espaço físico do roçado tem maior preponderância masculina, isso porque a função das mulheres consiste em ``descascar`` ou ``debulhar``. Em cada cultura, há necessidade de organizar, analisar e armazenar, por exemplo, as mamas (semente) do inhame. Sendo preciso separar cabeça, o meio e o fim, proporcionalmente, assim evitando uma brotação desigual O processo também conta com análise dos brotos que ficaram em média um mês de repouso em um local de sombra nos quintais (geralmente algum pé de fruto). Desta forma, garantindo mamas saudáveis para o mercado ou para o plantio. Todo este processo é denominado de descascar, da mesma forma que debulhar feijão-verde também indica acuidade em analisar, separar e descascar o broto. Outro aspecto desta família extensa é que nenhum de seus membros considera-se expert na agricultura. Como estratégia, eles possuem um parceiro que, segundo eles, é muito experiente na agricultura. Parceiro dentro deste contexto é alguém que é tido como experiente em alguma atividade e ajuda em troca de algum pagamento. Neste caso, temos Marco (residente em Gurugi II) que ganha 1/3 da produção, fora suas habilidades de negociação com agricultores da região. Para esta família Tabajara, Marcus conseguiu fretar um caminhão de esterco de frango (proveniente de um sítio em Gramame, cujo proprietário é conhecido como Joca das Galinhas) por um preço muito reduzido. Marco, atualmente, também ajudou a implantar um sistema de irrigação na parte debaixo da propriedade de Carlinhos (mais ou menos meio hectare) . Não tive muito contato com ele, todavia sei que reside em Gurugi II, sem posse de um lote e que apenas tem perícia na agricultura (não sabe pescar). Desta forma, parece que a categoria Parceiro, descrita em Mura et al (2010,p.56), tem uma roupagem bem específica dentro do contexto atual.

Uma informação que parece ser relevante é que a Barra Gramame é um assentamento onde há a participação direta do INCRA na agricultura (acompanhamento do solo, produção e distribuição de adubos). A família pesquisada não costuma utilizar os adubos cedidos por esse Instituto na lavoura branca, ao invés disso, utilizam esterco de frango, as únicas plantas que recebem o adubo são os coqueiros (em raras ocasiões).

A atividade de extração de madeira tem uso restrito nos dias atuais, entretanto, na década de1960 até 1980, havia um uso externo. Essa atividade era praticada por ambos os sexos. As espécies de plantas utilizadas na confecção de carvão eram: jequi (jequitibá), louro, murici, sicupira, jutuí, pau-ferro, pau-santo e mangueira. Algumas dessas madeiras podem ser vistas nas habitações (em principal pau-de-ferro), tidas como as melhores para sustentabilidade do teto das casas. O destaque é que tirando a manga, todas as madeiras são encontradas em Mata Atlântica. Das únicas madeiras que encontrei nas habitações (somente na parte externa) e na confecção de algumas ferramentas para pesca na parte alta, foi a

imbiriba (que pode ser encontrada na restinga ou em mata-atlântica). Essa madeira é considerada extremamente resistente ao apodrecimento causado por umidade e água. Notei que havia certo pudor da família extensa estudada, no que concerne ao desmatamento dos mangues. A questão apontada era justificada que, desde antes dos assentamentos (1983), a pesca era uma forte fonte de renda para as famílias, já que o uso do território marítimo ―não detinha dono‖.

Basicamente, a pesca ocorre em quatros espaços: 1) rio; 2)boca de barra ; 3) entre praias e arrecifes e 4) alto mar. Relataram-me que, entre 1975 e 1980, boa parte dos materiais para construção de jangada para pesca eram encontradas numa região de vargem chamada de Paú (hoje terreno é privado). Os rolos de jangada inicialmente eram feitos de rolo de bananeira, logo após, passou-se a usar uma madeira chamada pau-de-jangada (encontrada na região de pedra do Paú), proporcionando pesca de jangada em alto mar. Logo após, o uso de apunã (encontrado em mangues), para emendar os rolos (deveria retirar a raiz), encontrado em beira de vargem, assim proporcionando maior durabilidade das jangadas Essas madeiras também eram utilizadas para alguns materiais como remos, cabo ou na confecção de um instrumento de pesca (conhecida como pitibóia). Nesse período, havia jangada à vela na região, com capacidade de alto mar, sendo que 50% do pescado deveria ir para o proprietário. Também foi dito que, tanto homens como mulheres desta geração, faziam redes, entre elas tarrafa, jerere, pitimboia e redes de arrasto.

No presente etnográfico, as observações constaram que a faixa etária de aprendizado técnico para pesca dá-se entre 7(sete) aos 16(dezesseis) anos. As crianças iniciam geralmente com a coleta de caranguejo ou siri. É moralmente aceito que as crianças explorem o nicho ecológico, mas é reprimido o fato de elas ficarem em casa de quem não é membro da sua família extensa. Desta forma, o conhecimento é passado no núcleo doméstico, portanto é possível que as crianças retransmitam suas experiências e ensinamentos entre seu grupo de amigos. Temos como exemplo: a coleta de caranguejo que é feita após a chuva por um grupo de crianças indígenas e quilombolas. Acerca de detalhes sobre os aparatos para coleta de caranguejo, recomendo o trabalho de Mura et al (2010). A venda do caranguejo dá-se principalmente na parte baixa da Barra e no mercado do Valentina. Essa atividade não é realizada por todos os familiares pesquisados, mas é considerada economia coletiva, porque não envolve um vínculo trabalhista com terceiros, e é predominantemente feita por um adulto que administra a tarefa (auxiliando as crianças).

Mais ou menos, aos 12 anos, as crianças são estimuladas a desenvolver habilidades em pesca de rio, inicialmente conduzido as embarcações, isso porque a pesca é preferencialmente

realizada em dupla na região (um joga a rede e outro conduz a embarcação). Os locais preferenciais para Pesca na família estudada são praia Bela, Tambaba, Pitimbu e Acaú (pesca de camarão maduro). Os principais tipos de rede utilizados na pesca são:

Tarrafas - para pescar no ``raso``

Rede Sauneira - utilizada no inverno para pegar sauna; a malha tem furos de um dedo de largura e possui tamanho 4 (quatro) a 5 (cinco) metros

Tresmalho- enorme variação de tamanho, mas possui o furo com 4 (quatro) cm de largura, Utilizada para pesca de cardumes, mas atualmente em desuso.

Rede de arrasto- tem 50 a 70m, utilizada para pesca de camarão Mangote- utiliza mais entre o rio e o mar possuí 20m de comprimento

Tarrafa- o tipo de rede mais utilizada, devido às limitações atuais das embarcações. Ideal para pescar numa distancia de até 7 (sete) braças e meia, possui uma altura de 20 palmos e 30cm de diâmetro. Idealmente tem 650 malhos e 300 armações de chumbo.

A confecção desta rede é basicamente nylon, exceto o mangote que é desejável ser feito com Nylon de seda, por causa que a absorção de água que permite maior efetividade no arrastado, e chumbo. Os nativos compram o nylon na casa de pesca em João Pessoa, (antigamente compravam linho de fuso em casas de costura também na capital). Os chumbos são confeccionados nas redondezas de Jacumã ou por João Branco –vive no Conde- (também responsável pela construção de embarcações).Segundo moradores, a pesca, até os anos 1990, era uma forte fonte de renda, hoje ela é realizada mais para consumo interno dos membros, e perdeu sua periocidade. Em outubro, é a época da tainha, e este peixe é o mais rentável no mercado. Logo, destaco o mês de outubro e novembro quando a pesca adquire um caráter mais ``mercadológico``. Esses peixes são revendidos geralmente a um proprietário de loja de pescado em Jacumã, que também é amigo dos familiares.

FOTO 6: EMBARCAÇÃO DIURNA TÍPICA DA REGIÃO

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