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Considerando que educação piauiense já foi, aqui, analisada até o final do regime militar, ocorrido em 1985, esta seção discute as normatizações da carreira de professor na rede pública estadual de ensino do Piauí da redemocratização até o presente. Nesse período, a docência sofreu uma série de modificações, em nível nacional e estadual, em relação às normas e atos jurídicos que a regulamentavam, o que foi explicitado pelo inciso V do artigo 206 da nossa Carta Magna, bem como pelos artigos 62 a 67 da Lei nº 9394 de 1996 (LDB/1996). Em especial, cabe destacar o artigo 67 da LDB/1996, o qual afirma:

Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:

em meio a avanços e retrocessos. No caso dos professores da rede estadual de ensino do Piauí, com o fim do regime militar, suas condições de trabalho foram regulamentadas e normatizadas pela legislação estadual, Lei nº 4212 de 1988 (PIAUÍ, 1988), posteriormente substituída pela Lei Complementar nº 71 de 2006 (PIAUÍ, 2006), a qual deu lugar à Lei Complementar nº 152 de 2010 (PIAUÍ, 2010). O impacto de tais legislações sobre o trabalho dos professores é enumerado nos itens que seguem, analisados tomando-se por referência o estudo de Castro e Castro (2012):

A. Ingresso

O art. 32 § 2º da Lei nº 4212 de 1988 (PIAUÍ, 1988) estabeleceu que o provimento dos cargos do Magistério Estadual se daria por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos. Já o art. 34 da referida norma estabeleceu que tais cargos seriam providos por nomeação, acesso, reintegração, remoção, aproveitamento, recondução e reversão. Não obstante, a Lei Complementar nº 71 de 2006 (PIAUÍ, 2006) estabeleceu que a posse em cargos do magistério se daria somente por meio da prestação de concurso público, fato mantido na legislação estadual promulgada em 2010 (PIAUÍ, 2010) e alinhada ao que estabeleceu a legislação federal como forma de valorização do magistério.

B. Remuneração

O estado do Piauí paga o piso salarial profissional nacional aos docentes conforme estabelece o art. 2º da Lei Complementar (LC) nº 152 de 2010 (PIAUÍ, 2010). O art. 4º desta lei estabeleceu que os professores substitutos faziam jus à percepção de 80% do que recebe um professor efetivo correspondente com a mesma classe e jornada de trabalho e acrescentando-se ainda as gratificações a que tiver direito receber. O parágrafo único desse artigo afirma que este percentual de 80% seria aplicado à remuneração dos professores que ainda não adquiriram a escolaridade mínima necessária à ocupação do cargo efetivo, do contrário, o professor deveria receber 100% da remuneração de seu cargo.

C. Estágio probatório

A Lei nº 4212 de 1988 (PIAUÍ, 1988) não mencionou o estágio probatório como parte da carreira do pessoal do magistério estadual. Esse período inicial que sucede o ingresso do servidor só passou a ser mencionado nos artigos 29 e 41 da Lei Complementar nº 71 de 2006 (PIAUÍ, 2006). Esta estabeleceu tempo de três anos, após a nomeação e posse, para o cumprimento do estágio probatório, durante o qual o professor não poderia ser removido, redistribuído, transferido, cedido ou colocado à disposição. Além disso, o art. 30 desta lei impediu a progressão funcional do trabalhador em educação durante o cumprimento do estágio, exceto ao seu final, quando poderia movimentar-se de classe, nível ou padrão a que o ocupante do cargo faça jus.

D. Ascensão na carreira

Os professores da rede estadual de ensino do Piauí ocupam cargos que eram definidos no parágrafo único do art. 7º da Lei nº 4212 de 1988 como “o conjunto de atribuições e responsabilidades conferidas ao professor e especialista de educação” (PIAUÍ, 1988). Conforme o art. 8º da referida lei, esses cargos eram agrupados em classes variáveis de acordo

Quadro 4 - Classes da carreira docente nas escolas estaduais do Piauí conforme a Lei nº 4212/1988 e LC nº 71/2006

FORMAÇÃO CLASSE

Lei nº 4212/1988 LC nº 71/2006

Habilitação específica de segundo grau A -

Habilitação em nível médio, na modalidade normal - A

Habilitação específica de segundo grau, acrescida de mais um

ano de estudos adicionais B B

Habilitação específica de grau superior, obtida em cursos de

Licenciatura de Curta Duração C -

Habilitação específica de grau superior, obtida em curso de Licenciatura de Curta Duração, acrescida de mais um ano de Estudos Adicionais

D -

Habilitação específica obtida em curso de Licenciatura Plena E SL Habilitação em Licenciatura Plena, acrescida do curso de pós-

graduação, em nível de especialização de, no mínimo, 360 horas

F SE

Curso de Licenciatura Plena, com pós-graduação, em nível de

Mestrado G SM

Curso de Licenciatura Plena, com pós-graduação, em nível de

Doutorado H SD

Legenda: SL – Superior Licenciado; SE – Superior Especialista; SM – Superior Mestre; SD – Superior Doutor. Fonte: Castro e Castro (2012, p. 4)

Há de se destacar que a Lei nº 4212 de 1988 (PIAUÍ, 1988) previa a presença de professores sem formação pedagógica com habilitação de segundo grau (Ensino Médio) nos quadros de ensino, o que já não apareceu na LC nº 71 de 2006 (PIAUÍ, 2006). De acordo com Castro e Castro (2012, p. 4), esse último plano de carreira mantinha a lógica de progressão do anterior, não sendo alterado pela Lei Complementar nº 152 de 2010 (PIAUÍ, 2010).

Além da mudança da nomenclatura de algumas classes, ocorre a extinção das classes C e D, previstas no plano de 1988, sendo seus ocupantes enquadrados na classe SL, nível I, sem prejuízo da progressão funcional na nova Classe. Os professores ocupantes das Classes A e B foram enquadrados em quadro Suplementar e estas serão extintas à medida que ocorra a vacância. (CASTRO; CASTRO, 2012, p. 4)

Tanto a Lei nº 4212 de 1988 (PIAUÍ, 1988) quanto a Lei Complementar nº 71 de 2006 (PIAUÍ, 2006) estabeleceram formas de ascensão na carreira do magistério. As diferenças entre as determinações das referidas legislações encontram-se no Quadro 5.

Quadro 5 - Comparação entre as formas de ascensão na carreira de acordo com a legislação de 1988 e de 2006

Lei nº 4212 de 1988 Lei Complementar nº 71 de 2006

A ascensão na carreira é chamada indistintamente de “promoção”. (art. 17)

O termo utilizado para a ascensão na carreira docente é “desenvolvimento funcional dos trabalhadores em educação básica do Estado do Piauí”. (art. 29) A lei estabelece como formas de promoção: acesso e

progressão.

A lei estabelece como formas de desenvolvimento funcional: acesso, promoção funcional e progressão. Define-se acesso como “elevação automática do

profissional do magistério de uma classe para outra, em virtude de comprovação de titulação específica” (PIAUÍ, 1988, art. 19)

Define-se acesso como “elevação do pessoal dos cargos do magistério à classe imediatamente superior à que pertence, independente da existência de vagas” (PIAUÍ, 2006, art. 31 § 1º). Para o acesso a uma classe superior, o professor necessita cumprir tempo mínimo de dois anos em sua respectiva classe (art. 32, caput). O governo concederá acesso em duas ocasiões anuais: no mês de maio e no mês de outubro (art. 32 § 3º). “Art. 20 – Progressão horizontal é a passagem

automática para o nível imediatamente superior ao que pertence o professor ou especialista em educação, dentro da mesma classe funcional” (PIAUÍ, 1988). Os avanços acontecem a cada quatro anos de efetivo exercício no cargo, com incremento de 5% sobre a remuneração da classe a cada mudança de nível. Presença de oito níveis em cada classe.

“Art.31 § 2º Progressão é a movimentação do pessoal dos cargos do magistério do nível em que se encontra, para outro imediatamente superior, dentro da respectiva classe, independente do número de vagas” (PIAUÍ, 2006). Fica condicionada à avaliação de desempenho a cada três anos bem como comprovação de cursos de atualização ou aperfeiçoamento com mínimo de 120 horas-aula de duração. Na ausência de oferta de cursos de atualização ou caso o poder público se omita de realizar a avaliação de desempenho, o estado garante a progressão funcional do trabalhador em educação a cada intervalo de quatro anos. Presença de oito níveis em cada classe. O percentual de 5% acréscimo sobre a remuneração quando da mudança de nível não é mais mencionado.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Apesar de a legislação de 2006 (PIAUÍ, 2006) ter estabelecido progressão a cada três anos mediante a realização de cursos de atualização e aperfeiçoamento, na prática, os professores acabam progredindo a cada quatro anos, visto que o governo estadual do Piauí tem omitido a oferta dos mesmos. Como cada classe previa a existência de oito níveis com tempo de permanência de quatro anos em cada um, o professor precisaria de trinta e dois anos para

Observa-se que, embora o plano seja um instrumento que define e regulamenta a carreira docente, na medida em que este não explícita os valores (percentuais ou nominais) entre um nível e outro, assim como o interstício, dificulta sua compreensão e compromete a valorização da carreira, impedindo que o professor visualize os reais avanços financeiros por meio das progressões adquiridas. Esses problemas apontados deveriam constar nas reinvindicações do movimento sindical, pois não tem sido objeto de pauta nas demandas sindicais, junto ao Governo [Estadual]. (CASTRO; CASTRO, 2012, p. 6).

E. Vantagens

Destaca-se, ainda, a retirada de direitos dos trabalhadores em educação (vantagens funcionais e vantagens especiais do magistério) previstos nos artigos 78 e 79 da Lei nº 4212 de 1988 (PIAUÍ, 1988) que desapareceram completamente das normas de 2006 (PIAUÍ, 2006) e de 2010 (PIAUÍ, 2010). Tratam-se de disposições como abono de 5% sobre a remuneração a cada cinco anos trabalhados (quinquênios), gratificação por participação em órgãos de deliberação coletiva, ajuda de custo e diárias para apresentação de trabalhos acadêmicos, científicos e participação em congressos, salário família, gratificação por regência (esta última objeto de grande controvérsia, já que o governo estadual afirma que foi incorporada ao vencimento básico), percepção de bolsas destinadas a viagens de estudo ou realização de cursos, prestação de serviços extraordinários, auxílio financeiro para publicação de trabalhos técnicos- pedagógicos, prêmios por publicações de livros ou outros trabalhos de interesse público, gratificação por dedicação exclusiva, dentre outras.

A Lei Complementar nº 71 de 2006 (PIAUÍ, 2006) estabeleceu, em seu artigo 72º, que o professor faria jus à percepção das seguintes gratificações, quando fosse o caso: gratificação de regência, gratificação de localidade especial, gratificação de educação especial

e gratificação de gestão do sistema. Enquanto o Estatuto de 1988 (PIAUÍ, 1988) previa que a gratificação por regência, paga, porém, indistintamente aos professores em sala de aula bem como a outros profissionais da escola e funcionários da SEDUC/PI que não ministravam aulas, no valor de 40% de seu vencimento básico, a Lei de 2006 não determinou percentuais que deveriam ser pagos, sendo que a Lei nº 152 de 2010 (PIAUÍ, 2010) estabeleceu um valor fixo que devia ser ajustado anualmente em data-base de aumento salarial da categoria, sem, no entanto, estabelecer um percentual ou de que forma se daria esse aumento. Os valores da gratificação por regência mencionados nessa última legislação aparecem registrados na Tabela 7, em valores da época.

Tabela 7 – Valores da gratificação por regência por regência de classe

CARGO Classes “A” e “B” Classes “SL”, “SE”, “SM” e “SD”

20 HORAS R$ 115,00 R$ 130,00

40 HORAS R$ 230,00 R$ 260,00

Fonte: Lei Complementar nº 152 de 2010 (PIAUÍ, 2010).

Considerando-se a Lei nº 4212 de 1988 (PIAUÍ, 1988), como o vencimento básico deveria sofrer incremento a cada mudança de nível, o que ocorreria no intervalo de quatro anos de efetivo exercício do cargo, ou ainda, seria maior, conforme a classe em que estivesse lotado o professor, de acordo com a sua titulação, a gratificação por regência poderia ampliar-se em valores remuneratórios, acompanhando a remuneração básica. A alteração da gratificação por regência para um valor fixo, na LC nº 152 de 2010 (PIAUÍ, 2010), significou um prejuízo para os professores, que perderam o direito à percepção de valores maiores quando de sua progressão funcional.

Para além disso, a legislação de 1988 (PIAUÍ, 1988) estabelecia percepção de 10% sobre o vencimento básico como gratificação para os professores que lecionavam em localidades de difícil acesso (localidade inóspita, com dificuldade de acesso, com más condições de vida, insalubres ou com problemas de segurança). Apesar de esse direito ter sido mantido na legislação de 2006 (PIAUÍ, 2006), não ocorreu a especificação de nenhum valor ou percentual a que deviam fazer jus os professores que trabalhassem nessas condições, o que lhes causou insegurança jurídica.

Castro e Castro (2012, p. 8) afirmaram que as mudanças por que passaram as legislações que regulamentam a atuação dos profissionais docentes vinculados à rede estadual de ensino do Piauí, antes de significarem melhoria das condições de trabalho e uma real valorização dos professores, representaram achatamento salarial e perda de direitos trabalhistas,

A análise dos dispositivos legais que orientam os Estatutos e Planos de Carreira dos docentes da rede estadual do Piauí, especialmente aqueles referentes às formas de progressão e aos mecanismos de incentivos, revelou, portanto, que no período analisado, ao invés de contemplar elementos voltados à melhoria das condições salariais dos docentes, o governo estadual terminou por subtrair direitos, os quais são fundamentais para a garantia de melhor remuneração docente, indo na contramão da luta pela valorização do magistério público no Piauí e no Brasil. (CASTRO; CASTRO, 2012, p. 8).

Discutida a questão da carreira docente, considerando-se a legislação estadual, bem como alternativas que se propuseram valorizar o magistério, a próxima seção discutirá a carreira docente em âmbito municipal, em Corrente.