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Para início de conversa, “um belo dia resolvi mudar/ e fazer tudo que eu queria fazer/me libertar daquela vida vulgar” (LEE, CARLINI, 1975)23.

Mudança de vida, o que me levou a Corrente. Liberdade de atuar, possibilidades mil de continuar a fazer o que decidi desde que resolvi ser professor de matemática. Mudança começada, mas não terminada. Nas palavras de Melo (2016): “Moro em todos os lugares e em nenhum lugar ao mesmo tempo. Sou peregrino em busca de mim mesmo”24.

A cidade de Corrente encontra-se no extremo sul do Piauí, na região dos Cerrados Piauienses. Antes de descrever essa territorialidade, faço uma breve apresentação desse estado do Nordeste Brasileiro.

Piauí, terra querida...

Os seguintes versos compõem um trecho de uma música do cancioneiro popular que faz referência ao boi piauiense, visto que a cultura pecuária sempre esteve presente nessa região, desde os tempos imemoriais da colonização:

23 Trecho da música “Agora só falta você”. Composição de Rita Lee e Sérgio Carlini. Música do álbum “Fruto

Proibido”, lançado por Rita Lee em 1975.

24 MARCOS ANTONIO MELO. Não publicado. Disponível: <https://pensador.uol.com.br/frase/ODA2Mzk0/>.

O meu boi morreu Que será de mim Manda buscá outro Ó maninha Lá no Piauí25

Em 1969, Nelson Rodrigues criou uma celeuma ao relatar, em uma crônica publicada no jornal O Globo, seu encontro com um piauiense, de pernas finas, e com o rosto coberto de espinhas. Diante do espanto de ter encontrado, de fato, um piauiense, pela primeira vez na vida, Rodrigues afirmou, na ocasião, que o Piauí era um dos estados mais abandonados do país, mais até que o Amazonas, e que sua existência era desconhecida da maior parte dos brasileiros (RODRIGUES, 1969/1996).

As críticas de Rodrigues ao abandono do Piauí e ao seu desconhecimento, no cenário nacional, não passaram despercebidas. Jornais, em Teresina, saíram em defesa do estado. Membros do governo estadual protestaram contra a crônica, afirmando que o Piauí era um estado que passava por um processo recente, à época, de modernização e industrialização e que as críticas rodrigueanas eram infundadas. O cronista recebeu, ainda, centenas de cartas de piauienses indignados, além de ter passado por dezenas de inesperados encontros com pessoas que ele denominou de “piauienses de 15 minutos” (RODRIGUES, 1969/2016), fato que o levou a confessar, em outra crônica, também publicada no jornal O Globo, em 1969:

No meu dilacerado sentimento de culpa, contei o meu próprio caso. Imaginem que passo quarenta anos sem me lembrar do Piauí. Em toda a minha infância, a única referência, que tive do admirável Estado foi o “Meu boi morreu”, que, afinal de contas, não deixa de ser um mugido promocional. E eu entendia que o piauiense tinha todas as razões para estar ressentido contra a própria pátria. (Rodrigues, 2016).

Passados quase 50 anos da polêmica protagonizada por Rodrigues, o Piauí se mostra, ainda hoje, um estado desconhecido para grande parte dos brasileiros. A sua existência tem sido reiteradas vezes questionada, sendo o estado, ainda, menosprezado ou lembrado apenas em situações de conotações negativas26 como crimes, acidentes ou mortes. Ainda que

25 Música do cancioneiro popular, gravada por Eduardo das Neves, Manuel Pedro dos Santos (Bahiano) e corpo

de coro da Casa Edison, no Rio de Janeiro, em 1916. A Casa Edison teve grande relevância para a música popular brasileira, sobretudo no que se refere ao gênero samba, sendo a responsável pelos primeiros registros musicais, gravados em disco, no Brasil. Referência: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: <http://dicionariompb.com.br/>. Acesso em 14 dez 2016.

26 Ilustra esse fato a polêmica criada por Paulo Zottolo em agosto de 2007, à época presidente da Phillips do Brasil,

quando afirmou que se o Piauí deixasse de existir, ninguém ficaria chateado. E ainda, a publicação, em uma rede social, do ator Marauê Carneiro, em março de 2011, em que escarnece, por meio de uma expressão de baixo calão, da capital piauiense, a cidade de Teresina. Também foram destaques na mídia nacional os casos de violência sexual e assassinato de quatro adolescentes na cidade de Castelo do Piauí, em maio de 2015. Em

O sentido de ser piauiense traz à tona questões de ordem identitária, que podem ser traduzidas pelo vocábulo piauiensidade. Tal termo traduz o trabalho, ainda que incompleto e por terminar, de uma construção narrativa e discursiva, por parte da intelectualidade do estado, de uma representação que aglutine todas as interpretações do que significa, de fato, ser piauiense e residir nesse território.

[...] desde o fim do século XIX, vários historiadores e intelectuais piauienses tentaram construir, discursivamente, uma identidade para o Estado. A partir da influência de uma escrita histórica proposta pelo [Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro] IHGB, vários trabalhos apareceram tentando inserir o Piauí na História Nacional. Com a Proclamação da República, intelectuais e historiadores piauienses passaram a produzir uma história que visava elucidar e justificar o atraso e as mazelas do Estado na pouca atenção que a Nação dava a ele. Nesse momento identificamos a emergência do Piauí seco, faminto e atrasado, que vai se perpetuar através de vários veículos de comunicação e expressão durante todo o século XX. Nesse sentido, a literatura se constituiu num grande instrumento de invenção deste Piauí. (BORGES, 2012, p. 2-3).

Borges (2012) nos ajuda a compreender alguns dos elementos que fazem referência a essa piauiensidade: a identificação com o sertão, representação atrelada à ideia de clima seco; a paisagem rural e bucólica típicas de um Piauí agrário, que muitas vezes ainda teima em não se modernizar e urbanizar; a pobreza, a miséria e a fome, narradas naquele que pode ser considerado o primeiro romance regionalista brasileiro, Ataliba o vaqueiro28; a coragem e a força do piauiense, herói que lutou na Batalha do Jenipapo29, contribuindo assim de forma

tempo, mais recentemente, em março de 2016, Paulo Figueiredo Filho, neto do ex-presidente João Batista Figueiredo, diretor na empresa Instituto Liberal e chefe executivo do Trump Hotel Rio de Janeiro manifestou, em uma rede social, frases de conteúdo machista, sexista e discriminatório contra mulheres do Piauí.

27 O Piauí se viu representado, em 2012, na novela Cheias de Charme, exibida pela Rede Globo de Televisão,

através das personagens Chayene e Maria do Socorro, protagonizadas respectivamente por Cláudia Abreu e Titina Medeiros.

28 Obra do Romantismo Brasileiro, de autoria de Francisco Gil Castelo Branco, publicada em 1878.

29 A Batalha do Jenipapo foi uma das mais sangrentas que aconteceu no movimento de Independência do Brasil,

definitiva para a Independência do Brasil; a proximidade com as águas do Rio Parnaíba, que limita o Piauí a oeste, separando-o do Maranhão e banham o estado de ponta a ponta, dentre outras.

Tais registros e representações deixaram marcas indeléveis no modo de ser e agir do povo piauiense, inclusive no campo da educação. Como território, a capitania do Piauí remonta a 20 de setembro de 1759, quando João Pereira Caldas assume seu governo, de forma independente do Maranhão. O nome do Piauí se deve à corruptela da palavra piau, nome com que os índios designavam os peixes que abundavam os cursos d’água da capitania, à época. Como cantam os versos de seu hino, o Piauí é uma terra mui querida, banhada pelo Parnaíba, rio abaixo, rio arriba, a percorrer o sertão em seus vales, chapadas e quebradas, várzeas de buritis, campos de carnaúba:

Piauí, terra querida Filha do Sol do Equador Pertencem-te a nossa vida Nosso sonho, nosso amor! As águas do Parnaíba Rio abaixo, rio arriba Espalham pelo sertão E levam pelas quebradas Pelas várzeas e chapadas Teu canto de exaltação (TRECHO DO HINO DO ESTADO DO PIAUÍ)

Este hino foi adotado em 1923 como um dos símbolos representativos do estado. A letra do hino tem composição do poeta Antônio Francisco da Costa e Silva e sua música é de Firmina Sobreira Cardoso e Leopoldo Damascena Ferreira. Outro símbolo do estado, em uso desde 1922, é a sua bandeira, composta de treze faixas horizontais verdes e amarelas alternadas. No canto esquerdo, um retângulo azul dentro do qual, ao centro, está uma estrela de cinco pontas branca, Antares, que representa o estado na bandeira nacional. Abaixo da estrela, em letras brancas, se lê a inscrição “13 de março de 1823”, data da Batalha do Jenipapo. Trata-se de uma alteração da bandeira, efetuada em 2005. Já o brasão do estado, conforme a Lei nº 1050 de 1922, é constituído de um escudo heráldico neoclássico. Dentro dele, veem-se as figuras de três palmeiras nativas, representativas da flora do estado: à direita, a carnaúba; o buriti, ao

homônimo, em 13 de março de 1823, envolveu piauienses, maranhenses e cearenses contra as tropas da Coroa Portuguesa e foi determinante para a unidade e consolidação do território nacional, visto que D. João VI desejava preservar uma colônia portuguesa no norte do território brasileiro, envolvendo os territórios do Grão- Pará (província que hoje corresponderia aos Estados do Amazonas, Pará, Roraima, Amapá), Maranhão e Piauí. Os brasileiros que lutaram a favor da Independência utilizaram instrumentos simples, não eram um exército armado e não tinham experiência de combate. Perderam a batalha, mas foram responsáveis por desviarem as tropas portuguesas e garantirem a Independência do Brasil, sendo considerados heróis no Piauí.

Figura 1 - Bandeira e Brasão do Piauí

Fonte: http://www.piaui2008.pi.gov.br/piaui.php?id=2

O Piauí é um estado da Região Nordeste do país (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia). É o estado banhado pelo mar com a menor extensão de litoral, apenas 68 km. Sua capital é Teresina, a única do Nordeste que se encontra no interior do continente, não litorânea. Teresina foi a primeira capital construída de modo planejado, no país. Esse fato serviu de modelo e de inspiração para o planejamento e construção da nova capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, cuja transferência da sede do governo estadual mineiro de Ouro Preto para essa cidade se deu de maneira semelhante à da sede do governo piauiense, em 1852, da histórica Oeiras para Vila Nova do Poty, posteriormente, Teresina, em homenagem a D. Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II.

O Piauí contava, em 2016, com 224 municípios, e população estimada pelo IBGE, em 2015, de 3.204.028 habitantes (IBGE, 2016a). As maiores cidades piauienses são Teresina, com população estimada, em 2015, de 844.245 habitantes; Parnaíba, com população estimada de 149.803 habitantes; Picos, com estimativa de 76.544 habitantes; e por fim, Floriano, com estimativa, para 2015, de 58.803 habitantes (IBGE, 2016c).

Corrente, ninho da cultura

O município de Corrente está localizado, na mesorregião do Sudoeste Piauiense, na microrregião das Chapadas do Extremo Sul Piauiense (IBGE, 2014). Sua latitude é 10° 26’ 36” S e sua longitude é 45° 09’ 44” W, com altitude de 438 m acima do nível do mar (MIRANDA, GOMES, GUIMARÃES, 2005). Corrente limita-se com os municípios de São Gonçalo do Gurguéia, Riacho Frio, Cristalândia do Piauí, Parnaguá, Sebastião Barros e Formosa do Rio Preto, cidade já no estado da Bahia. A localização do município de Corrente no estado do Piauí pode ser observada no mapa apresentado na Figura 2.

Figura 2 - Localização do município de Corrente

Fonte: Antônio Celso de S. Leite, com base nos dados do censo do IBGE de 201030.

A bandeira e o brasão do município podem ser visualizados na Figura 3:

30 LEITE, Antônio Celso de S. Mapa de Localização do Município de Corrente. 2016. Mapa político. Escala

1:700.000. Não publicado. (Mapa produzido pelo autor, técnico em Geoprocessamento e docente do IFPI, com base em dados do IBGE de 2010)

Fonte: http://www.corrente.pi.gov.br/site/

Com relação ao relevo, a cidade foi construída em uma região predominantemente plana, sendo seu território cortado por chapadões planos ou levemente ondulados, limitados por paredes escarpadas que podem atingir até 600 m, abaixo dos quais podem ser observados vales rebaixados e planos, como apresentado na Figura 4.

Figura 4 - Morro do Papagaio

Fonte: Corrente das Antigas31.

Seus principais cursos d’água são o Rio Corrente, que deu nome à localidade, e o Rio Paraim. Ambos pertencem à Bacia do Parnaíba, principal rio perene cuja bacia hidrográfica

31 Corrente das Antigas. Disponível em: <https://www.facebook.com/1443959342512407/photos/a.144852089

encontra-se inteiramente situada na região Nordeste e desemboca, em forma de delta, no Oceano Atlântico. O Rio Corrente (FIGURAS 5 e 6), antes caudaloso, hoje sofre com processos de degradação ambiental, fazendo com que o volume de água encontre-se diminuto, sobretudo nos períodos de estiagem. Esse curso d’água, por sua importância para a fixação dos primeiros moradores e história da comunidade, é lembrado e exaltado no Hino do Município de Corrente:

Corrente sou eu o rio Que dei nome a cidade É Corrente o município Somos elos da verdade Somos a Corrente forte símbolo da prosperidade. (TRECHO DO HINO DO MUNICÍPIO DE CORRENTE) 32

Figura 5 - Rio Corrente na década de 1980

Fonte: Corrente das Antigas33.

32 Trecho do “Hino do Município de Corrente”, aprovado pela Câmara Municipal pela Lei nº 526 de 13 de março

de 2013. A composição tem letra do escritor Cândido Carvalho Guerra (1921-2017), recentemente falecido, e música de Aristóbulo Monguba (s./d.).

33 Corrente das Antigas. Disponível em: <https://www.facebook.com/1443959342512407/photos/a.144852089

Figura 6 - Rio Corrente em 2016

Fonte: Corrente das Antigas34.

A cidade é cortada ao meio pela rodovia BR 135, que faz sua ligação com Teresina, e com a capital federal, Brasília, bem como com outras localidades do Piauí, do Maranhão e da Bahia. Algumas distâncias rodoviárias entre Corrente e outros importantes municípios brasileiros podem ser observadas na Tabela 1.

Tabela 1 - Distância rodoviária de Corrente a alguns municípios brasileiros

Cidade Distância Brasília (DF) 833 km Belo Horizonte (MG) 1.474 km Teresina (PI) 876 km Parnaíba (PI) 1.180 km Picos (PI) 764 km Fortaleza (CE) 1.283 km Recife (PE) 1.367 km Salvador (BA) 1.006 km Palmas (TO) 560 km São Paulo (SP) 1.827 km Rio de Janeiro (RJ) 1.906 km Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados do Google Maps, 201635.

34 Corrente das Antigas. Disponível em: <https://www.facebook.com/1443959342512407/photos/a.144852089

5389585.1073741828.1443959342512407/1749411188633886/?type=3&theater>. Acesso em: 21 dez 2016.

35 GOOGLE MAPS. Corrente. 2016. Não publicado. Disponível em: < http://zip.net/bxtcsd >. Acesso em: 11 abr.

A distância de Corrente a Teresina é maior do que a distância entre o município e Brasília. Várias das famílias correntinas possuem parentes que residem no Distrito Federal, fruto da migração da década de 1950 para construção da capital federal, bem como outros deslocamentos que vieram a ocorrer posteriormente. Como os acessos rodoviários para Brasília apresentam melhores condições de tráfego que as estradas até Teresina, e como o clima desta última, muito quente, é menos agradável que o clima no Distrito Federal, percebe-se que Corrente sofre uma polarização e influência acentuada de Brasília, em detrimento de Teresina. Vários habitantes de Corrente recorrem à capital federal quando desejam usufruir de melhores serviços de educação, saúde, cultura e lazer.

O município de Corrente localiza-se na região dos Cerrados Piauienses, fazendo parte da última fronteira agrícola (MATOPIBA36) ainda em expansão no Brasil e no mundo. Seu clima é tropical com estação seca no inverno, sendo suas temperaturas amenas quando comparadas às da região de Teresina e outras localidades do Nordeste. Janeiro é o mês mais chuvoso e julho é o mês mais seco. Os meses de junho e outubro são, respectivamente, o mais frio e o mais quente do ano, com temperaturas médias de 23,1 °C e 26,5 °C (CLIMATE-DATA, 2016).

A historiografia narra que Corrente teve seus terrenos divididos por um engenheiro português, ainda em 1754. Sua ocupação inicial deve-se ao pioneiro Caetano Carvalho da Cunha, o qual, mediante requerimento, obteve permissão para explorar a Fazenda Corrente de Cima, dando início às primeiras atividades agrícolas e pecuárias na região. Tal exploração propiciou a vinda de inúmeros agregados que passaram a ocupar os territórios em que, hoje, se encontra a localidade (IBGE, 2016b).

Em 1872, o povoado de Corrente, criado por lei provincial em 1860, foi elevado à categoria de vila, a partir de quando começou a vigorar sua municipalidade. Dessa fase, até 1904, a localidade vivenciou um período de estagnação histórica (IBGE, 2016b).

Em 1920, fundou-se o Instituto Batista Industrial, o qual se denomina atualmente Instituto Batista Correntino – IBC (FIGURA 7).

36 A sigla faz referência a uma área compreendida nos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e é

considerada a última fronteira agrícola em expansão no mundo, demarcada na gestão de Kátia Abreu à frente do Ministério da Agricultura, ainda no Governo Dilma Roussef (2011-2016). A região engloba 337 Municípios desses quatro estados, com área total de 73 milhões de hectares e população de 5,9 milhões de habitantes, sendo a responsável pelo cultivo de 12,8% dos grãos do país. Os biomas predominantes são os Cerrados, que ocupam 90,9% da área, o Amazônico, que ocupa 7,2%, e a Caatinga, presente em 1,64%% do território (BRASIL, 2015).

Figura 7 - Instituto Batista Correntino

Fonte: Corrente das Antigas37.

Sua fundação se deveu às missões da Igreja Batista (FIGURA 8), provenientes dos Estados Unidos da América, que receberam terras doadas por alguns de seus seguidores, dando início a atividades de instrução e educação, ainda que com o objetivo proselitista de divulgar a religião cristã protestante batista, da mocidade local, bem como de cidades vizinhas e até de outros estados (IBGE, 2016b), dadas as proximidades com a Bahia, Maranhão e Goiás (não existia o Tocantins, à época). Esse foi o período em que se observou o início de um certo desenvolvimento local.

Figura 8 - Igreja Batista

Fonte: Corrente das Antigas38.

37 Corrente das Antigas. Disponível em: <https://www.facebook.com/1443959342512407/photos/a.144852089

5389585.1073741828.1443959342512407/1751444798430525/?type=3&theater>. Acesso em: 21 dez 2016.

38 Corrente das Antigas. Disponível em: <https://www.facebook.com/1443959342512407/photos/a.144852089

De 1922 a 1924, Corrente sofreu com a ação de bandoleiros ou cangaceiros39, figuras de banditismo social idealizadas, romantizadas pelo imaginário nordestino e vivamente retratadas (FIGURAS 9 e 10) em fotografias, composições literárias e outros tipos de produção artística como, por exemplo, as xilogravuras40.

Figura 9 – Imagem representativa de um grupo de cangaceiros

Descrição: Subgrupo do cangaceiro Pancada na rendição à volante, em 1938. Fonte: https://tokdehistoria.com.br/tag/antonio-silvino/

39 O fenômeno do Cangaço, ocorrido nas primeiras décadas do século XX, na região Nordeste do país, ainda se

mostra de modo controverso em suas definições e seus significados, não havendo um consenso sobre o que, de fato, representou este movimento. Para alguns historiadores, o cangaço foi a ação do banditismo reunido em grupos que lutavam uns contra os outros e contra a polícia, sinônimo de atrocidade, de violência. A canga, palavra da qual se originou o termo cangaço faz referência a uma peça de tecido que se pode enrolar no corpo com finalidades diversificadas. No caso dos cangaceiros, enrolava-se um bacamarte cheio de armas e munição junto ao peito, e dizia-se que o bandoleiro andava debaixo do cangaço (canga grande). Para outros, trata-se do fruto da acumulação de terras, da concentração de riquezas e grande desigualdade social num cenário de fome, miséria e seca recorrentes, sendo o cangaço um movimento social de luta contra a hegemonia das classes dominantes. Uma terceira vertente diz de uma luta armada de bandoleiros errantes em busca de sua sobrevivência. Costa (2016) acredita que “a conceituação do cangaço, pois, deve alcançar, em primeiro lugar, a sua visualização como um caso peculiar de força maior. Um inevitável acontecimento. Ou eclodia ou eclodia. Não foi movimento porque não nasceu organizado; não surgiu como fenômeno porque já estava enraizado. E também não foi uma reles expressão do banditismo, a não ser que se tenha como bandido comum o sertanejo que se embrenha nas caatingas para lutar, ainda que não saiba realmente contra quem ou o que. É, pois, na sua raiz que o cangaço deve ter o seu conceito iniciado. Ora, não se encontra outra motivação para o seu surgimento senão como um inevitável acontecimento, e fruto de uma força maior”. A força maior mencionada por Costa (2016) faz referência a um conjunto de determinantes sociais que estavam simultaneamente presentes no Nordeste do começo do século XX: perseguições, injustiças, rixas familiares, acusações criminosas. Tais condicionantes foram conduzidas por homens e mulheres vitimados por suas mazelas, resultando naquilo que se conheceu como o Cangaço.

40 Técnica que consiste em entalhar uma figura em uma peça de madeira, cobri-la de tinta e usá-la para gravar a