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Muitos são os estudos (SILVA, H. L. F., 2006; MIRANDA, K., 2006; TUMOLO, FONTANA, 2008; BONFIN, 2008; GASPAR, FERNANDES, 2015) que discutem a docência pelo viés da exploração da força de trabalho dessa classe no seio da acumulação capitalista.

A força de trabalho é um conceito presente nas teorias marxistas e que pode ser compreendida como a capacidade técnica, física e intelectual, de um indivíduo realizar determinado trabalho ou atividade. Tal capacidade é vendida pelos trabalhadores aos donos dos meios de produção. Nesse sentido:

A força de trabalho, em articulação com as técnicas e os métodos, e os meios de produção (capitais, terras, matérias-primas e os já referidos equipamentos e ferramentas) dão origem às forças produtivas. Althusser considera que a análise conjugada dos meios de produção e da força de trabalho é essencial para a compreensão de qualquer formação social dotada de classes sociais. Em formações sociais onde estas estão presentes, como é o caso da capitalista, os meios de produção não pertencem aos agentes dos processos de trabalho, isto é, àqueles que os colocam em marcha (INFOPÉDIA, 2003-2017, online).

A força de trabalho docente pode ser considerada, nessa concepção, como uma mercadoria. Não sendo donos dos meios de produção e nem das ferramentas de trabalho, os professores constituem-se como classe social explorada na acumulação do capital. Sendo assim, outra conceituação para os professores parte do princípio de que são trabalhadores que vendem sua força de trabalho para instituições de ensino privadas ou estatais, de modo a garantir sua sobrevivência ao executar um trabalho de ensino e não outro (MIRANDA, K., 2006, p. 3).

De acordo com Miranda, K. (2006, p. 4), os professores não possuem a propriedade dos meios de produção que os permitam realizar suas atividades. De outro lado, a simples posse de um conhecimento ou um saber necessário ao oficio docente não possibilita que um indivíduo exerça a atividade de ensino típica dos professores. Fora das salas de aula, se não estiverem contratados, não há ofício docente.

[...] o professor deve vender sua força de trabalho ao Estado – seu maior empregador – ou à empresa de serviços educacionais privada e, portanto, possuir o conhecimento específico de sua área não basta para que exerça sua profissão, ou seja, o conhecimento não é o único instrumento de produção necessário. Fora da instituição escolar não há exercício da docência. Portanto, a escola pública ou privada, ou ainda a empresa que oferece educação à distância são os principais meios de produção, sem os quais o conhecimento profissional do professor se iguala ao conhecimento profissional de um soldador sem seu equipamento de soldagem. Tal analogia se dá no sentido de que o professor não pode exercer sua profissão com fins de sobrevivência sem estar devidamente empregado, ou seja, em contato direto com os demais instrumentos e meios de produção da educação (MIRANDA, K., 2006, p. 4).

Alijados dos meios de produção, os trabalhadores docentes precisam vender sua força de trabalho constituindo vínculos empregatícios cada vez mais precários na era da acumulação flexível. De acordo com Miranda, K. (2006, p. 3), em tempos anteriores, os professores pertenciam à classe média e gozavam de determinado estatuto social que tem se eclipsado ao longo do tempo. A autora afirmou, ainda, que os novos indivíduos que vêm ocupando os postos de trabalho docente têm origem no proletariado enquanto classe trabalhadora mais explorada. Contraditoriamente, se a docência passou a representar para a classe média uma ocupação indesejável, para o proletariado significou uma forma de ascensão social, visto possibilitar melhores condições de trabalho e de remuneração do que teriam em outras ocupações típicas de sua classe. Sendo assim, o que pode ser percebido é que o professorado tem passado por um processo de pauperização, tornando-se classe social de pouco prestígio e baixa valorização.

Miranda, K. (2006. p. 4) afirma, ainda, que a precariedade desses vínculos empregatícios tem se expressado tanto pela perda de controle dos processos de trabalho quanto pela flexibilidade dos regimes em que os professores são contratados. No primeiro caso, a perda

contrato por tempo determinado, em substituição ao incompleto quadro efetivo, organizados sob o regime da CLT; e, por fim, o professor precarizado que é aquele que realiza a ampliação de carga horária via contrato provisório - pode ser servidor efetivo ou temporário da rede de ensino - sem nenhum direito trabalhista como licença médica, férias, 13º salário, na maioria dos casos. Não muito usual, mas presente em algumas realidades, são as terceirizações-extrajurídicas de professores realizadas pela comunidade escolar que reúne fundos através de “caixinhas” ou de empresas que fazem doações financeiras às escolas públicas (MIRANDA, K., 2006, p. 5).

No que importa a análise aqui apresentada, a contratação de professores em regime temporário acontece de maneira recorrente em Corrente. Trata-se de um trabalho precarizado que, além dos determinantes explicitados acima por Miranda, K., (2006, p. 5), apresenta, ainda, a instabilidade em relação ao conteúdo disciplinar que o docente deve ensinar na localidade, conforme poderá ser observado, mais adiante. Importa, também, considerar que a noção de força de trabalho e exploração da classe trabalhadora docente fazem-se importantes para o estudo que apresento.

Para Lucena (1985, p. 77), a exploração do proletariado no seio do capitalismo causa o esgotamento prematuro e a morte da própria força de trabalho. Assim sendo, o que se percebe é a existência, nesse modo de produção, de mecanismos que promovam a substituição e reposição contínua dos trabalhadores desgastados. Isso se dá pela existência de um “exército de mão-de-obra” de reserva, formado por trabalhadores que ficam à disposição do capital para entrarem em ação, quando necessários.

Os professores constituem-se, entrementes, como uma classe cuja força de trabalho precisa ser continuamente criada e reposta pelos mecanismos de formação docente (formação inicial de nível superior no componente curricular em que atuam, formação continuada), o que se relaciona, por sua vez, à atratividade profissional do magistério. Atrair e reter bons professores para substituir a força de trabalho que se retira do mercado (por aposentadoria, invalidez e morte) têm se constituído meta de inúmeros países, os quais tem esboçado

preocupações com o desinteresse da população mais jovem pelo magistério (GATTI et al., 2010, p. 139 e segs.).

Em relação à questão da atratividade da carreira docente, Gatti et al. (2010) investigaram-na do ponto de vista dos alunos concluintes do Ensino Médio, em todo o país. Partindo da premissa de que a carreira docente tem recrutado menos jovens interessados em se tornar professores, as pesquisadoras buscaram compreender, nos discursos apresentados por tais alunos, as motivações pelas quais o magistério, sobretudo nos que diziam respeito à atuação na educação básica, tinha deixado de ser uma opção profissional para esses estudantes. Procuraram, ainda, discutir algumas concepções sobre a carreira docente que circulavam entre os jovens e interferiam nesse posicionamento. Para as autoras, tais questões se mostraram muito pertinentes, dado que o desenvolvimento econômico e social brasileiro e o nascimento, aqui, de uma sociedade do conhecimento demandavam, e ainda demandam, esforços no sentido de melhorar a qualidade da educação básica, situação que requer (bons) professores para trabalharem com crianças e jovens, nas instituições de ensino (GATTI et al., 2010, p. 140-141). A questão da atratividade da carreira docente é algo complexa nas sociedades hipermodernas. A esse respeito, Moreira et al. (2012) acrescentam:

Em seu abrangente estudo sociológico sobre o professor e a profissão docente nos Estados Unidos, Lortie (1975)58 trata, no capítulo 2, da questão da escolha da

profissão. Segundo esse autor, nas economias modernas existe uma profusão de profissões, e não é nada simples entender como as preferências individuais e os indicadores sociais se associam para produzir decisões que resultam no movimento das pessoas em direção a uma dada profissão. Para Lortie, determinadas circunstâncias de vida e disposições particulares dos indivíduos interagem com fatores sociais, resultando na constituição de um conjunto de fontes atrativas e indutoras de opções pela profissão. Ele enumera, então, alguns atrativos para a profissão docente, entre eles, as “recompensas materiais”, embora faça questão de destacar que muitos professores, por diferentes motivos, resistem a citar esse como um dos atrativos da profissão. Lortie aborda, sob essa categoria, uma série de aspectos que podem atrair para a docência escolar e que não se reduzem a dinheiro na forma de salário direto. (MOREIRA et al., 2012, p. 14).

Conforme enunciada acima, a questão da recompensa material pela atuação profissional como professor pode ser alinhada a uma representação espalhada pelo tecido social de que a docência é vocação, missão e sacerdócio. Alguns discursos dos professores de Corrente apresentaram esta concepção de que a carreira docente paga extremamente mal e de que o profissional só está ali porque gosta, porque ele exerce essa atividade por amor, por apreço, por ter afinidade, enfim, para desempenhar uma missão para sua vida, mesmo ao se levar em

real, tal é o caso de “missão” e “sacerdócio”. Nesse contexto, a conclusão é que o magistério não tem se mostrado uma profissão suficientemente atrativa para garantir a produção e reprodução e reposição de sua força de trabalho no Brasil. Em sua pesquisa sobre a atratividade da carreira docente entre alunos que estão finalizando o Ensino Médio, Gatti et al. (2010, p. 169-170) tiveram como resultado o que segue:

I) Apenas 2% dos alunos participantes da pesquisa (em número de 31 dentre um total de 1501) indicaram pedagogia ou outra licenciatura (quando o participante escreve explicitamente “licenciatura” em alguma área) como primeira opção de ingresso à faculdade.

II) Cursos ligados às disciplinas escolares básicas (história, física, química, matemática, letras, música, filosofia, sociologia, biologia, geografia, artes plásticas e educação física – a mais frequente), sem a declaração explícita de se tratar de uma licenciatura, envolveram 9% dos colaboradores da pesquisa. As pesquisadoras concluíram ser possível que parte desses jovens tivesse o interesse de seguir na carreira docente a partir dessas áreas do conhecimento.

III) 83% dos jovens que participaram da pesquisa declararam, de modo bastante claro, o seu interesse por carreiras desvinculadas da atividade docente. Os dados encontrados pelas pesquisadoras (GATTI et al., 2010) entraram, ainda, em consonância, com a afirmação de Miranda, K. (2006) sobre a queda, nos últimos tempos, no perfil socioeconômico dos ingressantes na carreira docente. Dentre os 31 alunos que declararam explicitamente seu interesse pela profissão docente na pesquisa realizada por Gatti

et al. (2010), sua maioria era composta de mulheres, negros e provenientes de escola pública,

estratos sociais, portanto, historicamente e sociologicamente considerados como desfavorecidos perante a luta de classes (p. 170-171).

Ora, por que a docência tem se mostrado como ocupação tão pouco atrativa entre a juventude? O estudo conduzido por Gatti et al. (2010) dá uma série de indícios dos motivos pelos quais há baixo interesse em se seguir a profissão docente:

A pergunta inversa – quais as suas razões para não ser professor? – foi respondida por 1168 dos alunos pesquisados sendo que, destes, 78% (908) não pensaram em ser professor e apontam como motivo de maior desinteresse a falta de identificação pessoal com a atividade docente. Assim como 56% deles alegam “Não sei ensinar, não tenho paciência”, “Eu não tenho vocação”, “incapacidade de falar em público”. Dentre os 22% (253) que já pensaram em ser professor, 19% acreditam que suas características pessoais não são compatíveis com a profissão.

A questão salarial aparece como segundo fator mais citado para não escolher o magistério (25%). Como fator social é o primeiro. Para alunos que já pensaram em ser professor, a baixa remuneração (40%) aliada à desvalorização social que a imagem do professor carrega (17%) parecem ser os fatores de maior desestímulo na opção pela docência. [...] “Salários baixos e principalmente falta de reconhecimento”, “Na maioria das vezes não é respeitada pelos alunos e só tem dor de cabeça”, “Ganha pouco e trabalha muito”. São aspectos relevantes que devem contribuir para que esses jovens desistam de seguir a carreira docente, mesmo já tendo, em algum momento, encontrado motivação e tido o desejo de abraçá-la (GATTI et al., 2010, p. 174-175).

A composição e reposição da força de trabalho encontra ecos, ainda, na formação de professores em cursos de nível superior, tal como preconiza a Lei nº 9394 de 1996 (LDB). Tal formação deve estar, conforme a legislação, em consonância com os componentes curriculares ensinados pelos docentes, o que ainda é uma realidade distante para alguns professores no Brasil. Os dados disponibilizados pelo INEP (2017) apontam algumas características mais recentes da força de trabalho docente que atua na educação básica, no Brasil.

I) Atuam na educação básica um total de 2,2 milhões de professores.

II) Nota-se um certo grau de envelhecimento dos professores em atuação, em que aproximadamente dois terços deles possuem idade superior a 36 anos, conforme o Gráfico 1. Por outro lado, apenas 6%, aproximadamente, têm até 25 anos de idade, o que se coaduna ao que fora afirmado sobre a atratividade da carreira docente entre as parcelas mais jovens da população. Por outro lado, é grande (aproximadamente um terço) o número de professores com idade acima de 45 anos, sendo que muitos deles já estão próximos da aposentadoria.

Fonte: produzido pelo autor com base nos dados do censo escolar de 2016 divulgados pelo INEP.

III) Há o predomínio de professores atuantes em uma única escola (78,3%) contra aqueles que lecionam em duas ou mais escolas (21,7%).

IV) Em relação à rede de ensino em que atuam, 75,6% dos professores lecionam apenas na rede pública de ensino, aí incluindo as escolas municipais, estaduais e federais. Outros 20,6% trabalham exclusivamente na rede privada e 3,8% em ambos os tipos de estabelecimento.

V) Em relação à escolaridade, 77,5% dos docentes atuantes na educação básica tem formação de nível superior. O percentual de professores com diploma de licenciatura é de 69,75% do total da amostra. O censo revelou ainda que aproximadamente 7,7% dos professores tem formação superior diferente de licenciatura.

VI) Em relação ao ensino de matemática, o Indicador de Adequação da Formação Docente59 mostrou que 53% dos docentes ensinam a disciplina nos anos iniciais do Ensino Fundamental com formação adequada, número que se repetiu nos anos finais do Ensino Fundamental e, ainda, 72,7% dos professores lecionam matemática com formação adequada no Ensino Médio.

59 De acordo com o INEP (2017), o Indicador de Adequação da Formação Docente mostra a relação entre a

formação inicial dos docentes de uma escola e as disciplinas que esses professores lecionam, de acordo com o ordenamento legal atualmente vigente. No caso do ensino de Matemática, a formação adequada preconizada para os professores que lecionam a disciplina é o curso superior de licenciatura em Matemática ou bacharelado em Matemática com complementação pedagógica. Qualquer outra formação é considerada, gradativamente, mais inadequada. Tal indicador será mais bem discutido na próxima seção.

A questão da formação ideal dos professores para o ensino das disciplinas específicas, no que diz respeito à legislação atualmente em vigor, será mais bem discutida na próxima seção.