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Bourdieu (1998, p. 120) constatou que a precariedade está por toda a parte, causando efeitos funestos nas relações de trabalho e nas condições de vida de milhares de trabalhadores, indistintamente, seja do setor público, seja do privado. O autor associa a precarização, na temporalidade atual de acumulação flexível (HARVEY, 1992), à desestruturação e degradação das relações que os trabalhadores estabelecem com o mundo, com o tempo e com o espaço.

A partir do que estabelece Bourdieu (1998, p. 119-127), vê-se que a precarização torna o futuro dos trabalhadores incerto, reduzindo suas crenças e esperanças e diminuindo suas possibilidades de luta, individual ou coletiva, contra suas condições atuais de trabalho e vida. Desse modo, os profissionais, vítimas da precarização, são destituídos de sua estabilidade e incapacitados de realizarem mobilizações. A instabilidade e a incerteza de que haverá trabalho e remuneração no dia seguinte os impedem de projetarem suas ações no futuro, instaurando a preocupação de garantir o presente.

Para Bourdieu (1998, p. 124, grifos do autor), a “precariedade se inscreve num

modo de dominação de tipo novo, fundado na instituição de uma situação generalizada e

permanente de insegurança, visando obrigar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração”. O autor explica que a precarização se funda pela divisão cada vez mais acentuada entre aqueles (cada vez mais numerosos) que se encontram desempregados e os que (em número cada vez menor) detêm os postos de trabalho, considerados como um privilégio frágil e

pela intensificação das atividades, pela fragmentação das relações de trabalho, pela negação de direitos aos profissionais professores e outras situações de fragilização como a flexibilização dos postos de trabalho e terceirização das atividades, bem como o envolvimento de pessoas que não são especialistas em educação na condução, ordenamento e planejamento das atividades educacionais.

De acordo com Abonízio (2012, p. 14), a precarização do trabalho docente se inscreve no quadro de reestruturação do mundo do trabalho e reformas educacionais da década de 1990, concebidas como respostas à crise econômica dos anos 1980. Para Oliveira, D. A. (2004, p. 1129), tais acontecimentos se inserem na perspectiva do neoliberalismo sob o “imperativo da globalização”. Nesse sentido, países em desenvolvimento adotaram como meta a expansão da oferta de educação básica entre a população sem a contrapartida de investimentos e elevação de gastos na mesma proporção.

Não obstante, isso se dá pela autointensificação e sacrifício das condições de trabalho de inúmeros professores, ampliando-se as exigências e as tensões sobre a carreira docente na medida em que se disseminam pelo tecido social imagens de que os professores devem adotar posturas salvacionistas, responsabilizarem-se e serem responsabilizados de maneira única e exclusiva pelo bom desempenho de seus alunos, alcançando deles altos níveis e metas de aprendizagens, dentre outras coisas (ABONÍZIO, 2012, p. 19). Nessa concepção, se a escola pública e os seus alunos fracassam, é porque o trabalho desempenhado pelos seus professores não está adequado à realidade em que se inserem, confundindo-se exigências de cunho profissional a outras de cunho moral e afetivo, devendo, ainda, o professorado assumir papeis anteriormente atribuídos ao núcleo familiar na medida em que se desfiam e se rasgam laços comunitários, parentais e sociais. Nesse sentido: “A sociedade brasileira constrói uma imagem contraditória da profissão [docente]: ao mesmo tempo em que ela é louvável, o professor é desvalorizado, social e profissionalmente, e, muitas vezes, culpabilizado pelo fracasso do sistema escolar” (GATTI et al., 2010, p. 196).

No bojo das mudanças que têm transformado os sistemas de ensino, passa-se a requerer que os professores desempenhem funções tais como as de enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, dentre outros profissionais, para as quais não foram habilitados (OLIVEIRA; D. A., 2004, p. 1132; ABONÍZIO, 2012, p. 14). Diferentemente de outras profissões, a docência possui a particularidade de que seus profissionais vivenciam situações de contínua cobrança e tensão, exigindo deles que mobilizem grandes esforços emocionais (ABONÍZIO, 2012, p. 2).

Tal afirmação se coaduna ao pensamento de Miranda, M. P. (2001), a qual afirma que para “dar conta” de atender plenamente às necessidades de sua profissão, os docentes, em sala de aula, têm de ser “pai, mãe, psicólogo e Deus”. A partir da escuta psicanalítica de diversos docentes, a pesquisadora revela discursos que expressaram os sentimentos de incapacidade e impotência do professor diante da enorme quantidade de atribuições que lhes são exigidas cotidianamente, tornando a condição docente, por vezes, muito difícil.

Isso não deixa de ser, por si mesmo, uma contradição, quando a docência pode e deve ser caracterizada como uma profissão de interações profundamente humanas (TARDIF; LESSARD, 2014, p. 31). Nesse sentido, Oliveira, D. A. (2004, pp.1131-1132) discute o papel central atribuído pelos governos em suas reformas educacionais aos professores e seu trabalho. Eles são considerados os agentes responsáveis pelas transformações e mudanças que gradualmente se sucedem na sociedade. Assim, a autora contribui para explicar o que foi afirmado nos parágrafos anteriores, admitindo que “os professores veem-se, muitas vezes, constrangidos a tomarem para si a responsabilidade pelo êxito ou insucesso dos programas” e que tais exigências reforçam, entre os docentes, a sensação tanto de perda de sua identidade profissional quanto a de que “ensinar às vezes não é o mais importante” (p. 1132), diante de tantas tarefas diferentes que lhes são cotidianamente imputadas na escola.

A intensificação do trabalho docente se traduz, também, pelo incremento no número de horas que cada profissional dedica diariamente ao seu trabalho. Diminuída a remuneração paga aos professores, eles, reféns de um arrocho salarial, veem-se obrigados a lecionar em dois ou três turnos, de modo a obterem a percepção de valores que lhes permitam sobreviver condignamente. Para além do trabalho em sala de aula junto aos alunos, os professores, em sua maioria, desenvolvem, em seu ambiente privado, inúmeras atividades ligadas ao trabalho na escola, sacrificando momentos de lazer, descanso ou socialização com a família ou amigos. Trata-se do trabalho oculto, o qual, muitas vezes, não é percebido pelo conjunto da sociedade e não é contabilizado como remuneração e percepção salarial (ABONÍZIO, 2012, p. 16).

remuneração, sua desprofissionalização e que muitos professores façam da docência um subemprego. Para efeito de compreensão, Matsuo (2009), determina seis sentidos ao trabalho que pode ser denominado “bico”:

a. trabalho precário (p. 52),

b. trabalho temporário e desqualificado (p. 20), c. trabalho clandestino (p. 52),

d. trabalhos e atividades informais (p. 119, p. 150), e. trabalho marginal (p. 67)

f. e atividades semilegais (p. 67).

Diniz Pereira (1996) acrescenta que tais situações de trabalho, somadas à parca remuneração dos professores, contribuem para sua insegurança, insatisfação e desmotivação, o que não deixa de ter consequências para o fenômeno educativo. Desse modo, a docência, como uma ocupação temporária, revela outra face da precariedade das condições de trabalho que os professores enfrentam. Ao preencherem tais postos de trabalho, inúmeros direitos, incluindo a remuneração, são negados ao professorado, o que a condição de professor de matemática em Corrente não constitui exceção, conforme se observará nos resultados de pesquisa.

A profissionalização e a exclusividade da carreira docente, por outro lado, têm sido constantemente atacados pelas reformas educacionais e reestruturações da carreira, bem como pelas novas plataformas tecnológicas que retiram dos professores o monopólio sobre os processos de ensino, possibilitando, no entanto, que qualquer um possa ser considerado professor. A gestão democrática da escola abre as portas dos estabelecimentos de ensino para que os membros da comunidade em que se inserem possam realizar, no espaço escolar, as mais

60 Ainda que o termo “bico” tenha um caráter informal, decidimos por sua utilização, dado que Pereira (1996)

assim denomina e caracteriza, com base em uma literatura respeitável, o trabalho suplementar, de cunho improvisado, realizado por inúmeros docentes. Do mesmo modo, foi com esse termo que os depoentes denominaram esse tipo de atividade desempenhada pelos professores.

diferentes atividades, inclusive de ensino, o que não deixa de ser um caminho repleto de ambiguidades e contradições. Essa abertura da escola pode contribuir para a desprofissionalização de seus docentes.

Sendo assim, esse tipo de gestão não deixa de ser uma estratégia política que reveste, sob um apelo democrático, o barateamento e a redução de custos na expansão do ensino e da escolarização nos países em desenvolvimento, principalmente nos mais populosos (OLIVEIRA; D. A., 2004, p. 1131). Para a autora, tais reformas se caracterizam pela adoção de padronização e massificação de certos procedimentos pedagógicos e administrativos sob o argumento de suposta universalidade, o que permitiu baixar custos e diminuir gastos. Abonízio (2012, pp.14-15) afirma que o comunitarismo e o voluntariado inserem no ambiente escolar pessoal não especializado em educação, o que reforça o sentimento de que a docência pode ser desempenhada por qualquer um, não necessitando de formação. O autor reforça que este movimento de democratização se constitui em uma ameaça aos docentes, os quais ficam alijados de garantias de exclusividade sobre determinadas etapas e aspectos do processo educativo.

Um bom exemplo é a conhecida dificuldade em se pautarem discussões sobre conteúdos pedagógicos e práticas de avaliação nos colegiados escolares em que estão envolvidos alunos e pais. Muitos professores veem-se ameaçados quando a chamada “caixa-preta” da sala de aula é desvelada e muitas vezes reagem de forma violenta a essas tentativas. Abrir o conteúdo e as práticas do seu fazer cotidiano é muitas vezes tomado pelos professores como um sentimento de desprofissionalização. A ideia de que o que o se faz na escola não é assunto de especialista, não exige um conhecimento específico, e, portanto, pode ser discutido por leigos, e as constantes campanhas em defesa da escola pública que apelam para o voluntariado contribuem para um sentimento generalizado de que o profissionalismo não é o mais importante no contexto escolar. (OLIVEIRA; D. A., 2004, p. 1135)

Oliveira; D. A. (2004) mostra que o apelo ao voluntariado é mais uma maneira de reduzir custos na oferta de ensino do que uma tentativa de democratizar a instituição escolar. A discussão por diversos sujeitos não especialistas sobre a forma como devem agir os professores em sala de aula e conduzir o ensino revela o entendimento de que não são necessários saberes específicos – da profissão, pedagógicos, da matéria – para o exercício da profissão docente, reforçando a crença e a representação de que qualquer cidadão pode desempenhar o papel de educador no ambiente escolar, crença, esta, também disseminada no imaginário social em Corrente. A esse respeito, Miranda, K. (2006) complementa:

Contribuindo para a precarização das condições de trabalho e desvalorização desse setor, há um grande chamado do Estado à sociedade civil ao financiamento da educação pública, incentivo a “parcerias” e trabalho voluntário, difundindo a ideia de

o autor questiona-se sobre o valor que ainda têm os professores qualificados por meio dos processos tradicionais de formação. De acordo com Richardson (2012, online, tradução minha), “o que me incomodou é que parecemos ter chegado a um momento de ‘khanificação’ da educação, onde qualquer pessoa com paixão pode fazer um vídeo e receber o estatuto de ‘professor’”63. Uma das perguntas que Richardson se faz é o que acontece quando o mundo

passa a aceitar como professor uma pessoa que, simplesmente, sabe fazer um vídeo e consegue publicá-lo, principalmente no que diz respeito a instrutores de conteúdos e habilidades específicas. Em muitos casos, os responsáveis pelos conteúdos digitais passam a ser considerados, ainda, os “melhores professores” de certas competências, fenômeno que Richardson considera como o maior desafio na redefinição da profissão docente na era das tecnologias digitais.

Considerando, então, todo o exposto, poderíamos, com base em Gauthier et al. (2013, p. 66) nos interrogar se a docência consiste em uma profissão ou apenas em uma ocupação. O autor estabelece uma gradação em cinco níveis hierárquicos em que o grau de profissionalização cresce “das profissões marginais, passando pelas ocupações que aspiram à profissionalização, depois pelas semiprofissões, das quais fazem parte a categoria dos professores, em seguida pelas novas profissões, até as profissões tradicionalmente estabelecidas” (ibid., pp. 66-67) como a medicina e o direito.

A falta de profissionalização da carreira docente e sua reestruturação diante de fenômenos como o voluntarismo e comunitarismo gera como consequência a ampliação da responsabilização dos professores e o maior envolvimento dos atores que habitam o exterior da

61 Blog Will Richardson. Disponível em: <https://willrichardson.com/>. Acesso 31 maio 2017.

62 Richardson cunhou o termo khanification em alusão a Salman Amin Khan, educador americano de origem

bengali, bastante conhecido por oferecer conteúdo supostamente educacional, gratuitamente, por meio de plataformas digitais.

63 No original, em inglês: what bothered me is that we seem to have reached a “Khanification” of education moment where anyone with a passion can make a video and be given “teacher” status. Blog Will Richardson. Disponível em: <https://willrichardson.com/?s=khanification>. Acesso: 31 maio 2017.

escola em suas decisões internas, o que de alguma forma contribui para intensificar o trabalho de seus docentes.

A expansão da educação básica realizada dessa forma [por meio do voluntariado e do comunitarismo] sobrecarregará em grande medida os professores. Essas reformas acabarão por determinar uma reestruturação do trabalho docente, resultante da combinação de diferentes fatores que se farão presentes na gestão e na organização do trabalho escolar, tendo como corolário maior responsabilização dos professores e maior envolvimento da comunidade. (OLIVEIRA; D. A., 2004, p. 1131)

O apelo a tais condições transfere para os professores e para a comunidade local as responsabilidades pelo sucesso ou fracasso dos processos de ensino. Tais afirmações vão ao encontro do pensamento de Charlot (2005, p. 85), o qual afirma a existência de uma imposição final aos professores: “proceda como bem entender, mas resolva os problemas!”. Segundo o autor, a abertura da escola e o estabelecimento de parcerias – dentre as quais se insere o comunitarismo e voluntarismo – constituem-se em imposições com as quais se deparam os professores. Em vez de ajudá-los, tais ações “apenas aumentam sua perplexidade” (ibid., p. 84).

Essa imposição é, ao mesmo tempo, pouco clara, fundamentada e desestabilizadora. É pouco clara porque há formas não somente diferentes como também, às vezes, contraditórias de se abrir uma escola [...]. É desestabilizadora na medida em que certas formas de abertura e de parceria contribuem para ocultar a especificidade da escola, do que nela se aprende, a maneira como nela se aprende e como nela se deve comportar. (CHARLOT, 2005, p. 84).

Os efeitos da precarização das condições de trabalho são sentidos fisicamente no corpo dos professores. Paz (2013), em seu trabalho de doutorado, discutiu a permanência e o abandono da profissão docente entre professores de matemática, explicitando, em diversos momentos de sua pesquisa, o adoecimento e o agravamento das condições de saúde dos professores, que tem sido apontado como uma das causas do abandono da profissão. Em um estudo sobre as condições de trabalho e saúde dos professores, Neto et al. (2000) afirmaram:

As características mais frequentemente referidas pelos professores sobre suas condições de trabalho foram: esforço físico elevado, exposição à poeira (pó de giz), fiscalização contínua do desempenho e ritmo acelerado de trabalho. Esforço físico foi a característica mais frequentemente referida. Quando se analisou qual a razão deste esforço, destacaram-se a necessidade de ficar muito tempo de pé, de escrever no quadro-negro e de subir e descer escadas. (NETO et al., 2000, p. 47).

Acrescentem-se queixas dos professores como calos nas cordas vocais e ambientes estressantes de trabalho, em que prevalecem atividades repetitivas sem materiais adequados e relações conflituosas entre professores e alunos (NETO et al., 2000, p. 47). Desse modo,

atratividade profissional, permanência e abandono da profissão, formação inicial e continuada, dentre outras. Tardif (2014, p. 47) afirmou que a crise econômica vivenciada mundialmente no início dos anos 1980 diminuiu a crença na vinculação entre os saberes escolares e os saberes necessários ao exercício das funções sociais, técnicas e econômicas no mercado de trabalho. O autor enfatizou a desvalorização dos saberes dos professores, os quais parecem inúteis ao mundo do trabalho e às exigências da sociedade contemporânea: globalizada, capitalista e neoliberal, conforme a compreensão de Arantes (2013). Sendo assim:

Os saberes transmitidos pela escola parecem não mais corresponder, senão de forma muito inadequada, aos sabres socialmente úteis no mercado de trabalho. Essa inadequação levaria, talvez, a uma desvalorização dos saberes transmitidos pelos professores (“para que eles servem exatamente?”) e dos saberes escolares em geral, cuja pertinência social não é mais tida como óbvia. (TARDIF, 2014, p. 47).

A desvalorização de tais saberes tem como consequência a desvalorização da instituição escolar e de seus profissionais, sobretudo os professores. No contexto político- econômico-social de neoliberalismo crescente, globalização e concentração de capitais, bem como automação e informatização sem precedentes, a escola abdica de sua função como lugar social de formação humana para assumir um viés mercadológico marcado pelas regras econômicas do capital (ARANTES, 2013, p. 34).

A instituição escolar deixaria de ser um lugar de formação para tornar-se um mercado onde seriam oferecidos, aos consumidores (alunos e pais, adultos em processo de reciclagem, educação permanente), saberes-instrumentos, saberes-meios, um capital de informações mais ou menos uteis para o seu futuro “posicionamento” no mercado de trabalho e sua adaptação à vida social. As clientelas escolares se transformariam então em clientes. (TARDIF, 2014, p. 47).

Nesse cenário, o que acontece com os professores em seu exercício profissional numa instituição que tende a ser cada vez mais desvalorizada, na contemporaneidade, como a escola?

Tardif (2014, pp. 47-48) afirma que, nesse contexto, os professores tiveram suas funções profissionais modificadas, passando simplesmente a treinar os indivíduos para enfrentarem a concorrência feroz do mercado de trabalho em detrimento de oferecer-lhes formação. “Ao invés de formadores, eles seriam muito mais informadores ou transmissores de informações potencialmente utilizáveis pelos clientes escolares” (TARDIF, 2014, p. 48).

Na contemporaneidade marcada pelo acesso cada vez mais facilitado à informação pelo crescente uso de equipamento eletrônicos e digitais, sendo que tudo – ou quase tudo – que se deseja saber encontra-se disponível na internet, qual a necessidade de existirem professores? Que papel devem ocupar? Qual seria a sua importância?

Respostas de caráter negativo às questões destacadas acima, presentes cotidianamente nas instituições de ensino, explicam, em parte, o processo de desvalorização da profissão docente, a baixa atratividade dessa ocupação como carreira e seu baixo recrutamento entre as gerações mais jovens, problemas de permanência na ocupação entre aqueles já em atuação, tudo isso desembocando na escassez de profissionais para o exercício das atividades de ensino em inúmeros centros urbanos, país afora.

Como afirmei anteriormente, atratividade da carreira docente, a precarização das condições de trabalho dos professores e a escassez de profissionais docentes são fenômenos que têm sido objeto de preocupação de diferentes nações, suscitando inúmeros estudos e pesquisas educacionais como se pode exemplificar pelos relatórios anuais publicados pela OCDE referentes a seus países membros e alguns colaboradores tais como Chile, Brasil e Argentina, bem como dissertações, teses e artigos publicados em diferentes periódicos. Os trabalhos a respeito da escassez de professores licenciados no Brasil têm um longo histórico, sendo bastante importantes resultados de pesquisa que se empreenderam nas décadas de 1990 e 2000, sobretudo os trabalhos da comissão do Senado Federal no âmbito do Conselho Nacional de Educação (CNE), a qual produziu o relatório “Escassez de professores no Ensino Médio: propostas estruturais e emergenciais” (BRASIL, 2007), já citado, e também os censos da educação básica produzidos pelo INEP, sobretudo os dos anos de 2003 e de 2007, que trouxeram muitas informações relevantes sobre o cenário atual da docência no país, além dos dados atualizados que esse instituto disponibiliza anualmente.

Os dados de Brasil (2007, p. 11) apontavam, no ano de 2007, a necessidade de formação apenas para o atendimento do Ensino Médio de impressionantes 235 mil professores,

de “Apagão do Ensino Médio”.

Assim, como o número de vagas oferecidas pelas universidades para os cursos de Licenciatura já é insuficiente para a demanda atual, e considerando os elevados índices de evasão, já se imagina o que irá ocorrer com o advento do FUNDEB, que tem potencial para ampliar o acesso ao Ensino Médio: o resultado poderá vir a ser chamado de Apagão do Ensino Médio, e será inevitável, caso providências urgentes não venham a ser tomadas pelo governo federal, em regime de colaboração com os estados. (BRASIL, 2007, p. 12, grifos do autor)64

A falta de professores, principalmente na área de exatas, é um problema que atingia, na época desse levantamento, e ainda atinge, todo o Brasil. No caso do estado do Piauí, dados de 2009 da Secretaria de Estado da Educação do Piauí – SEDUC/PI – mostravam a necessidade de 6672 professores de ciências, 6923 docentes de matemática, 679 docentes de física, 581 professores de química e 394 professores de biologia somente neste estado65 (IFPI, 2013).

Diante da escassez de professores registrada em diferentes documentos, sobretudo das áreas anteriormente especificadas, o governo federal apostou na expansão do número de vagas no ensino superior na modalidade de licenciatura, não somente em diferentes programas e contextos, nas Universidades Federais (REUNI66, UAB, PARFOR67), mas também lançando

64 A lógica do documento era a de que o incremento do número de matrículas dos estudantes no Ensino Médio