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1. INTRODUÇÃO

1.1 Pequi (Caryocar brasiliense Cambess)

Estima-se que dois terços da diversidade biológica mundial estejam nas zonas tropicais, distribuídas principalmente nos países em desenvolvimento. Cerca de 40% dessa diversidade encontra-se na América tropical, que contém cerca de 90 mil espécies de fanerógamas, representadas no Brasil por aproximadamente 60 mil espécies. O bioma cerrado possui uma flora estimada em sete mil espécies, sendo o segundo bioma brasileiro de maior diversidade vegetal com árvores frutíferas (24, 25).

Caryocar brasiliense Cambess é uma frutífera nativa do cerrado brasileiro (26, 27). É popularmente conhecida como “ouro do cerrado”, devido ao interesse econômico,

principalmente pelo uso de seus frutos na culinária, como fonte de vitaminas e na extração de óleos para a fabricação de cosméticos (28). Etimologicamente, a palavra pequi ou piqui, vem do tupi-guarani e significa “fruto de pele espinhenta”, fazendo, dessa forma, uma alusão aos vários espinhos formadores de uma pele protetora sobre a semente (29).

Taxonomicamente, o Caryocar brasiliense pertence à classe Dicotiledonae, ordem Parietales e família Caryocaraceae, cuja distribuição cobre a América Central e a América do Sul, estendendo-se desde a Costa Rica até o Paraguai. Das 26 espécies da família, dezesseis pertencem ao gênero Caryocar L. e as restantes, ao Anthodiscus G.F.W. Meyer (30). No Brasil, podem ser encontradas as espécies C. nuciferum (Amazonas e Goiás),

C. Glabrum (Amazonas e Pará), C. edule (Estados do Norte até Rio de Janeiro), C. brasiliense Cambess (Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro,

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Maranhão, Piauí e Ceará), C. crenatum (Piauí e Ceará) e C. coriaceum Wittm (Nordeste) (31).

É uma planta semidecídua, heliófita e seletiva xerófita, de formações primárias e secundárias. A árvore de Caryocar brasiliense (Figura 1A) mede de 12 a 15 metros de altura, possui tronco com até 2 metros de circunferência, casca escura e gretada, galhos grossos, compridos e inclinados, copa longa e aprazível. Tem folhas (Figura 1B) opostas, ovais, verde-luzentes de aspecto coreáceo, flores branco-amareladas (Figura 1C) e estames vermelhos e grandes (32).

As folhas do pequizeiro são pilosas e opostas, formadas por três folíolos com as bordas recortadas. As flores são grandes e amarelas, com múltiplos estames e quatro estiletes (33).

Figura 1. Pequizeiro: A) Árvore34 B) Folhas35 C) Flores36 D) Fruto37.

A

B

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O fruto (Figura 1D) é do tipo drupa, globoso, com casca verde-amarelada e mesocarpo oleaginoso e brancacento, contendo de uma a quatro sementes volumosas, protegidas por endocarpo lenhoso, acompanhado de espinhos delgados e agudos, sob a qual está a amêndoa grande, carnosa e também oleaginosa (32). Contêm vitamina A, B1, B2, C, E, fósforo, cobre e ferro (38), apresenta também proteínas, carboidratos, sais minerais e um gama de metabólitos secundários (39).

A principal exploração do pequi é o uso de seus frutos na culinária e na indústria agrícola para extração de óleos e produção de licores. Entretanto, são inúmeras as aplicações do fruto, da casca, do óleo, do caule, da flor e das folhas desta planta na medicina popular, na indústria cosmética e na alimentação (31, 38).

Popularmente, o óleo de pequi é utilizado no tratamento da rouquidão, dor de garganta, bronquite, tosse, fortificante, uso tópico para curativos de ferimentos, dores musculares e reumáticas e contusões (32); infecções pulmonares e uso veterinário (40); problemas respiratórios e cicatrização (41); atividade antiinflamatória (42); problemas respiratórios, afrodisíaco e estimulante da produção de sais biliares (38).

A análise da composição química de C. brasiliense revelou que a polpa apresenta alto teor de umidade (41,50%), além de lipídios (33,4%), carboidratos (11,45%), fibras (10,0%) e proteínas (3,0%). A amêndoa, por sua vez, é rica em lipídios (51,51%), apresentando em sua composição proteínas (25,27%), carboidratos (8,33%), fibra alimentar (2,2%), baixo teor de umidade (8,68%) e elevado teor de minerais, representado pelas cinzas (4,0%) (43). A polpa e a semente do pequi representam apenas 25% do fruto. Embora o epicarpo (casca) represente a maior parte do pequi (75%), há poucos estudos sobre esta parte do fruto, provavelmente por ser um resíduo rejeitado pela população (44).

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Na composição do óleo de pequi verifica-se a presença da vitamina A e de diversos ácidos graxos como o palmítico, oléico, mirístico, palmitoléico, esteárico, linoléico e linolênico (45). A presença destes ácidos graxos na pele é fundamental para manutenção da hidratação cutânea, da barreira cutânea e do manto hidrolipídico (46). Também foram identificados carotenóides no pequi (47). Estes metabólitos conferem proteção à pele impedindo a lipoperoxidação, evitando desta maneira a formação de radicais livres e, consequentemente, retardando envelhecimento cutâneo.

C. brasiliense possui alto conteúdo de fenóis totais (209 g equivalentes de ácido

gálico/Kg) e atividade de varredura contra o radical estável DPPH (2,2-difenil-1-picril hidrazil) com IC50 de 9,44 µg/mL e 17,98 µg/mL para o extrato aquoso e etanólico da casca do fruto, respectivamente, demonstrando, assim, excelente atividade antioxidante. A caracterização dos componentes bioativos responsáveis por essa atividade revelou a presença de potentes antioxidantes, tais como ácido gálico, ácido quínico, quercetina e quercetina-3-O-arabinose (48).

O óleo do pequi possui, em sua composição, o ácido graxo de cadeia média, linoléico, sendo o mesmo aplicado no tratamento e/ou prevenção de feridas cutâneas abertas. É relatada ação bactericida, aumento da permeabilidade da membrana celular, facilitação da entrada de fatores de crescimento, promoção de mitose e proliferação celular, estimulação da neoangiogênese e facilitação da quimiotaxia leucocitária (49).

O óleo de pequi apresenta atividade inseticida em milhos mantidos em condições de armazenamento (50). Alguns resultados têm demonstrado a atividade antimicrobiana de C. brasiliense. Os óleos fixos da semente e da amêndoa dessa planta mostraram bioatividade elevada em testes de susceptibilidade in vitro sobre isolados de

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inibir 24% das cepas de C. neoformans (CIM ≤ 250 µg/mL), apresentou atividade inibitória contra cepas patogênicas de Paracoccidioides brasiliense (CIM = 500 µg/mL) (51). Ensaios

in vitro com extrato hidroetanólico das folhas de C. brasiliense demonstraram atividade

antibacteriana contra Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, Escherichia coli e

Enterococcus faecalis. Além disso, nos estudos de Paula-Junior et al.(52), foram demonstradas as atividades leishmanicida e antimicrobiana do extrato das folhas de pequi. O extrato apresentou efeito leishmanicida, inibindo a proliferação de formas promastigotas de Leishmania amazonensis e, ainda, potencial efeito antioxidante, com atividades similares à atividade da vitamina C e da rutina.

O extrato etanólico obtido das folhas e da casca do caule de C. brasiliense mostrou atividades moluscicida contra Biomphalaria glabrata, hospedeiro intermediário esquissostomose (53) e tripanocida in vivo, reduzindo a parasitemia do Trypanosoma cruzi em camundongos infectados por via intraperitoneal (54). Estudos demonstraram ainda que o extrato etanólico das folhas apresenta atividade contra o sarcoma 180, um tipo de câncer de pele. Por meio de análise cromatográfica, identificaram-se no extrato etanólico as seguintes substâncias: friedelina, friedelanol, ácido oleanóico, β-sitosterol, estigmasterol, β-amirilina e ácido elágico (55).

De acordo com Passos et al.(51) em seus estudos sobre a atividade antifúngica do pequi, todas as partes do fruto possuem atividade antifúngica sobre Cryptococus

neoformans, sendo que a cera retirada da folha possui atividade mais elevada, inibindo o

crescimento de 91,3% dos isolados desse microrganismo.

O efeito tóxico de Caryocar brasiliense sobre Botrytis cineria, Colletotrichum

truncatum e Fusarium oxysporum, fungos parasitas de plantas, foi investigado usando-se

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das folhas, dos botões florais, dos mesocarpos externo e interno. Entretanto, nenhum deles apresentou efeito tóxico sobre os fungos testados. Pelo contrário, observou-se estimulação de seu crescimento (31).

O extrato aquoso, por sua vez, apresentou efeito protetor sobre a clastogenicidade induzida por ciclofosfamida, provavelmente, devido às propriedades antioxidantes dessa planta (56).

Os estudos de Magalhães e colaboradores (57) sobre a atividade hemolítica contra o vírus da estomatite vesicular, poliovírus tipo 1 selvagem e o vírus da encefalomielite eqüina do leste, de extratos de folhas jovens e adultas de C. brasiliense demonstraram pequena ação hemolítica frente aos vírus testados.

A capacidade terapêutica do pequi e seus derivados, é bastante difundida no conhecimento popular e tem ganhado a atenção de pesquisadores, entretanto, existem poucos estudos demonstrando cientificamente a atividade biológica que elucide suas atividades terapêuticas, antibacteriana, antifúngica, parasiticida e antioxidante, assim como uma possível toxicidade que seus componentes possam apresentar (58).

A escassez de dados na literatura, demonstrando cientificamente a atividade biológica das diversas partes do pequi e potencial toxicidade, reforça a necessidade de estudos dessa natureza que trarão grande contribuição para utilização segura do pequi (58).

A insatisfação com a medicina convencional, o uso abusivo ou incorreto de drogas sintéticas, a crescente resistência microbiana a medicamentos, os efeitos tóxicos, o custo-benefício e a dificuldade de acesso da grande maioria da população a esse tipo de tratamento, são fatores que reforçam a necessidade de pesquisas científicas que esclareçam as potenciais atividades biológicas do pequi, e também de outras plantas, a fim de encontrar resultados satisfatórios.

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Diante dos registros sobre as diversas atividades dos extratos, ou mesmo de compostos isolados de C. brasiliense, reconhecemos a importância do estudo sobre sua utilização; objetivando especificamente neste trabalho, a aplicabilidade antisséptica e antioxidante em produtos cosméticos, baseando-se no fato de que muitos dos compostos com reconhecida atividade antimicrobiana e antioxidante estão presentes nesta planta e que, até o presente momento, poucos estudos com esta abordagem foram encontrados e nenhum estudo envolvendo extratos obtidos por extração supercrítica foi reportado.

Este estudo buscou ainda sinalizar o aproveitamento de recursos naturais da biodiversidade brasileira, envolvendo o desenvolvimento social, econômico e ambiental sustentável por meio da valorização de plantas nativas. Isso implicará em uma maior competitividade para os produtos naturais de plantas nativas, e consequente expansão comercial.

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