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4 ACONTECIMENTOS NA PRODUÇÃO DO CUIDADO

4.7 Caso7: “A ferida piorou! Eu não gostei!”

O paciente (B18) possui 53 anos, é atendido no programa há 16 meses, possui três escaras e é tetraplégico há sete anos. O paciente faz uso de sonda vesical para urinar e tem como cuidadora principal a cunhada. Na primeira visita, estavam presentes duas técnicas (PB4) e (PB8) e a médica (PB3).

A médica diz que o paciente “nunca” irá receber alta, pois quando uma ferida fecha, outra se abre.

Quando chega ap portão, a equipe toca a campainha, o cachorro aparece e a médica diz: “Veja o cachorro dela, que lindo”. Era um sharpei. A cuidadora, em seguida, atende a equipe e a acompanha até o quarto do paciente. Ao adentrar no quarto, a cuidadora informa que iria dar banho no paciente quando a equipe chegou. O quarto possui uma cômoda, uma televisão e um sofá, ao lado da cama hospitalar do paciente.

CB18 nos leva até o paciente. No meio do caminho, ela diz que já ia dar banho no paciente.

 PB3: “Você viu a gente e brochou”. Ambas riem (Nota Observacional, 1ª visita, B18, 16-03-2015, p.25).

Durante essa primeira visita, a cuidadora informa que a sonda vesical soltou. Para recolocar a sonda, acionaram o SAMU. O SAMU encaminhou o paciente à instituição hospitalar para realizar a troca da sonda. Na volta, tiveram dificuldade, pois o serviço de urgência não realiza o retorno do paciente ao domicílio.

A médica avalia as feridas e constata que uma delas havia piorado. Ao finalizar a avaliação do paciente, a médica se retira do quarto e desloca para a sala, local onde realiza as anotações no prontuário e dialoga com a cuidadora sobre as feridas do paciente.

 PB3: “Você ficou fora uma semana. Você passou os cuidados? Achei que as feridas pioraram”.

 CB18: “Eu deixei as pessoas cuidando, pois eu precisava deste tempo”.

 PB3: “Eu te entendo. Eu acho que você precisava, até porque é você que fica com todo o cuidado, mas eu não gostei, achei que piorou muito. Queria manter as úlceras sempre pequenas, pois, antes, as feridas estavam rasinhas”.

 CB18: “Mas só uma ferida que piorou, né. Você acha que podem acabar as feridas?”.

 PB3: “Com o passar do tempo, o paciente vai perdendo as reservas. Como ele já tem muito tempo acamado, ele já não tem mais reservas” (Nota Observacional, 1ª visita, B18, 16-04-2015, p.25).

Após o diálogo com médica, a cuidadora inícia uma nova conversa com as técnicas de enfermagem. Enquanto isso, a médica realiza a evolução do paciente no prontuário.

 CB18: “Como você está? E o bebê?”.  PB4: “Perdi o bebê”.

 CB18: “nossa, não sabia. Que triste!”.

 PB4: “Meu filho me disse: mãe não fica triste, eu estou aqui, você ainda me tem”.

Na segunda visita estavam presentes duas técnicas que realizaram as aferições dos dados vitais e a avaliação da ferida do paciente. Na terceira visita, a enfermeira, ao ver a cuidadora, pergunta como ela está.

 PB2:“Como você está?”.

 CB18: “Estou bem”. Respondeu a cuidadora em tom desanimado.  PB2: “Este “tou” seu não é animador”.

 CB18: “É a gripe”.

 PB12:“A campanha de vacinação começou hoje” (Nota Observacional, 3ª visita, B18,04-04-2015, p.66).

Posteriormente, os profissionais entram no quarto. A enfermeira diz para o paciente: “Dança para nós”. O paciente balança a cabeça de um lado para o outro. A enfermeira acescenta: “Você aprendeu direitinho!”. As técnicas fazem a aferição dos dados vitais: pressão, saturação e temperatura (PB4, PB8). A médica ausculta o paciente, verifica a sonda vesical e, em seguida, avalia as feridas. Depois tenta dialogar com o paciente e captar de que maneira poderiam atuar para reduzir a pressão nos locais das feridas.

 PB3: “Será que vou cair para trás?”.

Ao olhar a ferida, a médica (PB3) diz: “Não está assim tão ruim”.  PB3: “Você não tem vontade de sair?”.

B18 balança a cabeça, de um lado para o outro, em sinal negativo.  PB3: “Ver gente! Para melhorar um pouco”.

B18 novamente balança a cabeça em sinal negativo.

 PB3: “Nossa, quase que ouvi você dizer um não. Você não gosta da sua cadeira? [...]”.

 PB3: “Vamos pensar em sentar, para ver se as feridas melhoram. Você vai pensar?”

O paciente (B18) balança a cabeça em sinal positivo (Nota Observacional, 3ª visita, B18, 04-05-2015, p.66).

Em outro momento, a médica conversa com a cuidadora sobre as condições do paciente. Explica que o paciente possui fatores que contribuem para a grande redução das reservas: idade avançada, associada ao longo tempo de acamado, o que aumenta as possibilidades de lesões.

A medica sai do quarto e vai para a sala, senta à mesa para fazer a evolução e conversa com a cuidadora. “Tenta passear com ele, para ele sair do quarto, comece com pequenas voltas, coloca ele na sala quando tiver alguém de visita” (Nota Observacional, 3ª visita , B18, 04-05-2015, p.66).

Na quarta e última visita (20-05-2015), estavam presentes duas técnicas de enfermagem (PB9) e (PB7). Foram realizadas aferições dos dados vitais. Durante a

assistência, a equipe manteve interação com a cuidadora, com indagações sobre o curso que realiza e sobre as lembranças do que havia realizado.

É possível, em uma análise geral deste caso, verificar que a cuidadora realiza uma assistência efetiva, principalmente por se tratar de um paciente com pouca reserva de gordura, decorrente do longo tempo acamado. No entanto, quando a cuidadora se ausenta para descansar, verifica a piora das feridas. Os profissionais que estavam habituados a encontrarem as úlceras por pressão controladas, se deparam com uma piora. Isso ocasiona a ruptura do previsível, do que é comum de encontrar durante as visitas.

Devido ao longo tempo de acompanhamento ao paciente, os profissionais já possuem um vínculo e, desta forma, interagem com o paciente e a família, por meio de conversas e brincadeiras.

A assistência domiciliar é uma essencial prática de cuidado, por apresentar um elevado grau de humanização e propiciar o envolvimento da família no processo do cuidar e no amparo afetivo do paciente. Esta, reduz o número de hospitalizações e complicações decorrentes de longos períodos de internações, garantindo a continuidade do cuidado e integrando as redes de atenção à saúde (QUEIROZ et al., 2013).

Nessa situação, evidência-se, durante a assistência, a “intersecção partilhada”, a divisão do trabalho entre os profissionais e a cuidadora. Os profissionais, durante a assistência, estabelecem diálogo, inclusão, envolvimento, com ações de estimulo para, assim, proporcionar a evolução da condição do paciente. A médica procura estimular o paciente a sair da cama, sentar na cadeira de rodas para ficar com os amigos ou para passear. Estabelece uma possibilidade de negociação, uma tentativa de ouvir o paciente, de dar voz, de entender os seus desejos, tendo, no entanto, o foco na evolução da ferida. O paciente, por sua vez, utiliza a rota de fuga, ao não aceitar ficar na cadeira de rodas.

Os profissionais atuam pelo poder disciplinar, por meio do mecanismo da vigilância das feridas do paciente e das decisões do indivíduo, do controle das disposições e organizações do mesmo. A estabilidade do paciente está relacionada à presença constante da cuidadora. Esta é uma forma de cercear a liberdade, através da presença integral da cuidadora.

Nessa relação com a cuidadora, percebe-se a busca pelo estabelecimento da compreensão sobre o seu estado de saúde, o acompanhamentos das atividades cotidianas, tais como estudo e lembranças realizadas, de forma a estabelecer uma relação mais proximal. Dessa forma, o castigo ocorre de maneira sutil, mas possui a faculdade de garantir a ordem e a manutenção do meticuloso funcionamento do serviço, no qual a obediência acarreta a renúncia da vontade própria para submeter-se a alguém.

A estratégia de cobrança é captada tanto nas observações quanto no discurso da profissional durante a entrevista: “[...] todos procuram trabalhar da melhor forma para atender os pacientes [...]. Eu cobro, mas também sei parabenizar” (Entrevista PB3).

A cuidadora cria canais de resistência, devido à liberdade de enfrentamento que possui. Questiona, contra argumenta, ressaltando que necessita de um tempo para descansar e acrescenta que as feridas não se encontravam tão ruins.

Entrelaçado ao olhar para o paciente e às cobranças, existe também a preocupação com a saúde da cuidadora, para que ela consiga permanecer com o cuidado. Os profissionais vivenciam o que estudos apontam. Os cuidadores gastam uma média de 20,5 horas por semana na prestação de cuidado (ADELMAN et al., 2014). Existem momentos de aflição, sobrecarga, queda da qualidade de vida e estresse da família/ cuidador (FUJINAMI, 2014). Dessa forma, é necessário prevenir e detectar a sobrecarga do cuidador, desde o inicio, com ferramentas adequadas em tempo hábil (ADELMAN et al., 2014).