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PARTE III “SER OU NÃO SER EIS A QUESTÃO”

3.2 A vivência do trabalho do ator no coletivo e seus reflexos: estudos de caso

3.2.2 Caso 2: A “Louca” e o Brio

Trarei, como contraponto, a inserção e saída de uma atriz dentro do coletivo em que os aspectos do trabalho foram considerados negativos para o seu processo terapêutico. C. tem esquizofrenia paranoide19 desenvolvida após ter ficado em coma no hospital João XVIII, em

Belo Horizonte, por tentativa de autoextermínio – diagnóstico feito pela perícia, mas não admitido pela família. O seu desejo em participar do grupo sempre foi muito forte, mesmo sabendo que teríamos dificuldades relacionadas a concentração devido aos episódios delirantes20, e um enrijecimento corporal, além do excesso de peso, reflexos do uso de vários

medicamentos psicotrópicos associados. Um dos delírios de C. era que estava grávida de Jesus porque não tinha relacionado com nenhum homem sendo a interseção feita pelo espírito santo. O que reforçava sua crença era o aumento de sua barriga e a produção de leite. C. faz uso de lítio e um de seus reflexos é o aumento da prolactina, hormônio que produz leite nas glândulas mamárias. Após o episódio de seu acidente, a família começou a tratá-la com recompensas e uma delas era através da comida, o que também fazia que seu peso estivesse acima do recomendado. C. escolheu como pré-texto a cantora Sandy. Antes do acidente, fazia parte de uma banda de axé juntamente com um irmão e dizem que tinha uma voz muito

19 “Caracteriza-se igualmente pela maior facilidade desses pacientes em constituir uma elaboração delirante: costumam procurar e apresentar explicações, mesmo bizarras e fragmentárias, para as vozes, os pensamentos impostos, as vivências delirantes primárias, etc. Esses pacientes, sobretudo quando recebem os cuidados adequados, têm maior facilidade de recuperar-se entre uma crise e outra, assim como de preservar sua personalidade e vida social” (SOUZA, 2006, p. 124).

20 São característicos das psicoses e caracterizados como primários. As vivÊncias delirantes primárias, prossegue Jaspers, são de difícil caracterização, “por implicar num modo de vivência completamente estanho para nós”. Eis como as define: consistem na imposição de novas significações, não partilháveis como outras pessoas. (SOUZA, 2006, p. 114).

bonita. Por causa do ocorrido, foi submetida a uma traqueotomia21, o que deixou sua voz

embargada, letárgica e sem brilho. O seu desejo de ser cantora é muito forte na sua personalidade.

A partir de agora, destacarei, na integra, dois diários de bordo escritos por mim referentes a participação de C. o coletivo.

1) Descrição do relato de Ensaio do coletivo do dia 16 de abril de 2015

21Intervenção cirúrgica que consiste na abertura de um orifício na traqueia e na colocação de uma cânula para a

passagem de ar.

Após alongamento e aquecimento propus trabalharmos com improvisação, venho testando deixá-las mais livres para compor seus personagens a partir do desejo, e observar se dão conta desta iniciativa, hoje farei comandos se assim achar necessário. Quero testar se conseguem dar asas ao personagem, mesmo que ainda, em pequenos gestos, falas e jogos. Coloquei cada participante em um lugar distinto do salão. Falei que após a partitura corporal realizada para a concentração, e se sentindo prontas começassem a buscar o corpo do personagem e suas características buscando novas nuances. Se achassem desejo de se relacionarem poderia fazê-lo, mas não era obrigatório. As ações da A. foram muito bacanas, simulou uma trouxa de roupa na cabeça, lavou diversas peças de roupa, falou algumas frases sobre a exploração do trabalho.

D. estava com muita dificuldade de concentração, então comecei a estimulá-la com perguntas sobre

o personagem o chamando pelo seu nome, coisas simples “Como estava?” “Como estava a vida no circo?” Aí conseguiu melhorar a concentração, engrossou a voz, dizendo que era um palhaço triste. Quando a questiono o porquê de ser um palhaço triste, sempre responde que “ele é assim como ela”.

R. ficou o tempo todo executando passos de dança. Hoje estava mais infantilizada, me pareceu.

Perguntei como via a sua personagem e respondeu: “forte, decidida e bonita”. Perguntei: “E o que é isso que está fazendo hoje?” Começou a rir. Disse que sua postura me mostrava o contrário. E questionei se era mesmo essa postura que gostaria de dar a sua personagem. Porque em último ensaio estava com postura mais séria e enérgica. “Quer ir por esse caminho? Ela pode ser assim, como está me demonstrando: infantil, insegura, não tem problema”. Ela disse que não era isso. Aí levantou o peito e começou a dizer como sua vida era linda, como era feliz, com a mesma voz infantil de antes.

T. pegou uma cadeira, e se sentou, ficou um tempo de olhos fechados, depois ainda sentada fazia

movimentos de benzedeira. Outras vezes, simulava tocar um violão, falava bem baixinho, coisas que eu não entendia. Ficou o tempo todo nessa construção mais introspectiva.

E. dançou e fazia pequenas apresentações se reverenciando dizendo ser a Cleópatra, cantou

novamente a música O amor e o Poder da cantora Rosana, venho notando que está andando em círculos e sempre vai para o mesmo lugar.

Fonte: Diário de bordo

2) Relato do ensaio do coletivo do dia 28 de maio de 2015

Hoje propus uma discussão e avaliação do andamento do processo, a discussão dos mitos (narrativas pessoais), e como está o repertório das características físicas e psicológicas dos personagens.

Foi destacando o trabalho das atrizes a partir das características realizada até então pelos personagens, e abri a discussão para o coletivo, assim todos poderiam opinar e contribuir para o mesmo na criação do outro.

Ao fim, a atriz teria a liberdade de agregar no seu repertoria uma sugestão dada no que achou de mais interessante, deixando as demais características do fruto do seu desejo para sua criação.

Foi bem proveitoso, tentei elaborar com eles as características escolhidas de forma a auxiliar na construção ressaltando as dificuldades. Peguei exemplos bem simples, usando o recurso da teledramaturgia, dos programas de TV para facilitar, e que fazem parte do repertório de acesso das mesmas. (...)

C. é que tem mais dificuldade de concentração, o tempo todo entra no seu processo íntimo,

introspectivo, fica falando com os olhos fixos em algum ponto, de vez em quando ri. Pediu para se sentar, mas prometeu que iria continuar trabalhando mesmo sentada. Vem se sentindo muito cansada e acho que é devido a seu sobrepeso. Ficou sentando por um tempo olhando para suas companheiras.

Aproveitei para dizer que caso perdessem a concentração, não forçar a continuidade do trabalho, pararia o trabalho e caso quisessem retomar, partiria novamente da partitura corporal, para se concentrarem e entrarem no universo do personagem.

Aproximei de C. e resolvi fazer uma provocação, a chamei pelo nome de sua personagem: “Sandy, as pessoas estão te esperando estão aqui para assisti-la, você não gostaria de cantar?” Levantou foi até o palco que tem no salão de ensaio e começou a cantar a música A Lenda da cantora Sandy. Aos poucos as participantes começaram a se aproximar e assistir sua apresentação, e conforme a apresentação foi sendo realizada começaram a vaiá-la. Então a C. começou a rir dizendo seu jargão: “Ai que engraçado!” Senti o seu constrangimento e então parei o ensaio e perguntei: “Essa vaia foi direcionada a atriz ou a personagem dela?”. Confesso que fiquei com medo da resposta e isso causar um constrangimento ainda maior. E antes de dar tempo de elas responderem intervi dizendo que toda crítica deveria ser feita de forma construtiva para a construção do personagem, que ainda se encontra inacabado e em construção. A. disse que era para a personagem e T. disse: “É para essa Sandy aí ó!” As outras ficaram caladas. Perguntei a C. se estava tudo bem: E consentiu com a cabeça e repetiu seu jargão. Fiz novamente uma intervenção lembrando nosso trato de convivência que toda a ação realizada dentro do grupo e que causa constrangimento aos participantes serão resolvidas no momento da ação, ou na discussão pós-ensaio. Senti que o clima ficou tenso, coloquei uma música e pedi que dançássemos para extravasar. Relatei o episódio à sua referência técnica no Caps que, no caso de C., é uma profissional com formação em terapia ocupacional. Ficamos de observar qualquer mudança de atitude.

(...) Conversamos mais uma vez sobre a escolha do gênero comédia para o espetáculo que foi unânime. Explicando como são as características de construção para esse tipo de espetáculo. E que nem tudo precisa ser risível. Falei da comédia como recurso de trazer situações trágicas a possibilidade de torná-la mais leves ao ponto de as pessoas rirem. Rir da própria desgraça brinquei.

O objetivo é criar um roteiro não fixo, mas que sirva de referência para acessar e construir o personagem, mediante a dificuldade que venho percebendo da fixar a memórias das ações realizadas anteriormente. E que o mesmo vá agregando novas características à medida da necessidade e desejo do ator, e do coletivo.

Nossa última discussão se deu na personagem da C. que tem como pré-texto a personagem da (cantora) Sandy. Em discussão novamente ela levantou a afirmação de sua voz ser igual à da cantora. E quando perguntei se achava mesmo que sua voz era igual? Ao dizer que sim, eu disse que não achava, e isso não tinha a menor importância para a personagem que estava construindo que a Sandy era somente um ponto de partida, que seu desejo de cantar era mais importante. Mas se ofendeu e disse se eu não queria que participasse mais do grupo era só ter dito. Uma atriz neste momento tentou apaziguar, mas C. se levantou dizendo que tinha sido vaiada, e que não esqueceria isso nem após a sua morte. Questionei o porquê de não ter falado que isso a estava machucando. Respondeu: “Coitada de mim. Levantou com raiva – e hoje vi sua raiva, e não estou fazendo ironia disso”* – dizendo que não queria mais fazer parte do grupo e foi embora.

Fiquei muito triste, mas achei autêntica sua atitude, apesar do risco de simplismo, isto não me pareceu um surto, ou uma atitude fruto do seu transtorno, a reação foi de uma pessoa que teve seu orgulho ferido. Que se sentiu menosprezada e ferida naquilo que ela considera muito importante. Assim como eu também me sentiria, na mesma situação, ou qualquer ator considerado “normal”. Não sei se perdeu o referencial da sua voz depois do acidente, por uma não escuta da mesma ou por não querer admitir que não tenha a mesma voz. Fato é que não posso, dentro de uma construção a partir da si, fazer uma construção baseada em ilusões, a minha intenção não era constrangê-la, mas dar a ela a oportunidade de cantar de novo mesmo que não fosse dentro do padrão de afinação, ritmo e brilho anterior, mas que fosse verdadeiro e afetuoso. Sei que sua construção merece cuidados pelas limitações físicas fruto não somente do acidente, mas da dosagem alta de suas medicações. Qual o limiar de “loucura” e normalidade? Vejo como doentes, nos reflexos dos efeitos colaterais das medicações. Mas na sala de ensaio, são como atores “normais”. As questões, os medos, posso dizer, até a vaidade são muito semelhantes. Como será a elaboração agora desse orgulho ferido? Terei que conversar com a S., sua referência técnica e terapeuta Ocupacional. “O que posso fazer para contribuir nessa questão”? “Como deverá o grupo se posicionar perante ela”? As aconselhei a pedirem desculpas, já que esta se magoou seria o justo, mas sem reforçar o fato que sua voz se pareceria com a da Sandy. Veio aqui à intuição e vou sugerir a S. aulas de canto individuais para ela no Caps.

Cabe observar que, após esse episódio, pedi o auxílio de Luciane Trevisan, diretora do Dragão que vinha dentro da sua pesquisa realizando um aprofundamento do aparelho vocal com práticas voltadas para o canto, e pedi que ministrasse aulas de canto para C. com objetivos de fazê-la entender a própria (nova) voz, aceitá-la como está e uma vez na semana a Luciane Trevisan ia voluntariamente trabalhar com C. A condução da sua terapeuta era realmente não fortalecer a sua ilusão de ter uma voz igual à da “Sandy”, mas dar a ela uma possível melhoria no resgate da técnica do canto por que já havia participado de coral, e estabelecer sua autoestima e retorno para o grupo. (...)

__________________________________________________________________________________________ * Esse comentário se refere a um exercício que dei a elas para trabalharmos a emoções, dispondo-as em roda pedi que mandassem bola umas para a outras, fiz variações de ritmos, depois pedi que junto com a bola fosse introduzido uma qualidade, quando estabeleci no jogo uma qualidade ofensiva, a única atriz que não reagiu ao estímulo da emoção raiva foi C. dizendo que não sentia raiva em hipótese alguma.

** A Eletroconvulsoterapia (ECT) é uma técnica de estimulação cerebral não invasiva, em que dois eletrodos são colocados em regiões específicas da cabeça do paciente liberando uma energia elétrica que visa induzir uma crise convulsiva controlada no paciente. É indicada em situações clínicas nas quais o risco à vida é iminente, como em quadros depressivos graves com situações clínicas especiais. Referência no estado de Minas Gerais e no país, o serviço de ECT do Hospital Espírita André Luiz (HEAL) oferece o que há de mais moderno em relação à técnica, à aparelhagem e ao cuidado com o paciente e com os familiares. O procedimento é realizado por uma equipe de médicos psiquiatras, anestesiologistas e de enfermagem altamente capacitada. Disponível em: <http://heal.org.br/services/ect/>. Acesso em: 27 de janeiro de 2018.

__________________________________________________________________________________________ Fonte: Diário de bordo

A partir desta descrição, fica estabelecido que o trabalho do ator sobre si pode acessar questões sobre as quais ele pode não estar preparado para aceitar e que acabam por não contribuir para uma elaboração positiva de reconhecimento de questões presentes na sua personalidade. E sei que o trabalho teatral com sujeitos com transtorno psíquico é um universo imenso a ser explorado com muita ética e cuidado. Mas ainda quero ampliar as investigações desta pesquisa no futuro, em novos estudos que me permitam sistematizar e observar a prática teatral com sujeitos com transtorno psíquico, realizando o trabalho do ator sobre si tendo como ferramenta a memória e o desejo como um mecanismo positivo de um melhor entendimento da “loucura” e “superação”.

Como David Cooper (1978, p. 104) nos diz:

O poder é tornar possível uma práxis que exprime um desejo. Que mal há no desejo, contra todas as desvantagens, de permanecer intacto. Em todo o sistema repressivo, no entanto, todo o poder é perversão, mas a potência é sempre revolucionária. Cooper (1978) vai dizer da vulnerabilidade em que se encontram os sujeitos com transtorno psíquicos inseridos em uma sociedade opressora e repressora, com a lobotomia em alta em 1976, onde a não compreensão do sujeito levava o médico a diagnosticá-lo. Todas essas interferências se deram pelo controle do capitalismo, pelo qual “vivemos milagrosamente num universo fenomenológico em que os logos se escapa a todo o momento dos fenômenos da experiência” (COOPER, 1978, p. 103). Percebe-se que, mesmo que já

(...) Poucas semanas depois do início das aulas, essas tiveram que ser interrompidas porque C. vinha aguardando uma vaga no Hospital André Luiz, em Belo Horizonte, para realização de eletroconvulsoterapia** porque já estava fazendo uso de das dosagens máximas dos medicamentos psicotrópicos causando prejuízos na sua saúde. Após o seu retorno não quis mais participar do teatro e nem das aulas de canto. Respeitamos o seu desejo, mas fiquei com esse pesar.

tenhamos avançado muito, há quase quarenta anos, a antipsiquiatria já via a necessidade de um chamamento em que experiência quebrasse paradigmas.

O sujeito com transtornos psíquicos está inserido em uma trama de maior vulnerabilidade e existem outros aspectos na manutenção do grupo muito mais prejudiciais que o enfretamento de se aproximar de si. Quando começamos, eram sete atores, dentre eles, um do sexo masculino, que deixou de participar porque o ensaio começava às 9h da manhã e, para comparecer, teria que se deslocar de ônibus, já que se viesse com a Van disponibilizada pelo CAPS, chegaria com uma hora de atraso. Uma das questões que levaram a tirar os ensaios do CAPS no que tange a autonomia era que eles perdessem a relação de dependência com o transporte, todos tinham gratuidade no transporte público e tinham condições de se deslocarem sozinhos, mas este paciente, no caso, não quis abrir mão da sua comodidade. Outra saiu por que foi cuidar da irmã com câncer; uma foi atropelada e, por isso, associado a outras questões pessoais, desenvolveu processos depressivos cada vez mais frequentes; R. pela interferência dos pais; D. foi presa ao ser pega levando drogas para o filho na cadeia. Hoje, duas atrizes mantêm o desejo vivo da criação de grupo teatral e, assim, seguimos nesta realização.

3.3 A experiência da arte da vivência em um busca de si mesmo

Apesar das dificuldades, dos preconceitos, estigmas, e deficiências da minha abordagem teórica ao tratar da linguagem da loucura através da pratica teatral, é uma via pela qual corremos riscos, mas os benefícios são proporcionalmente maiores e, ao trazer essas realidades tão distintas, podemos ter noção exata e clara do terreno das minhas escolhas e de que o trabalho com as atrizes do coletivo na exploração da sua subjetividade não tem a mesma finalidade que teve na minha experiência.

O principal motivo é dar elas mecanismos de inserção social, de diminuição do estigma da “loucura” e trabalhar práticas do desejo, ou seja, autoconhecimento sobre desejos e motivações e, também, práticas do bem-estar e auto cuidado a partir destas percepções. Alguns apontamentos foram feitos tentando fazer uma aproximação para reconhecimento e melhor entendimento da personalidade das atrizes e, algumas vezes, isso foi feito de forma muito produtiva, como o depoimento, que apresenta a seguir (Transcrição de Fotocópia apresentada no ANEXO E):

O teatro para mim só me fez bem, coisa que fazia no CAPS não faço mais, ainda tenho que melhorar muito. Sei que que sou agressiva, compulsiva e outras coisas além disto, mas isto é como o tempo, a Paola conversa muito com a gente e tudo que ela fala é verdade, ela me conhece melhor do que muitos. O teatro me deixa à vontade é claro tudo tem que ter limite, respeitando o próximo e o próximo me respeitando também, é maravilhoso me soltar naquele lugar, apesar que às vezes fico com vergonha! Mas o teatro muito o meu modo de ver as coisas, é lindo, maravilhoso! A Paola fala que tenho que tomar os medicamentos porque não vou dar conta, me fala da bebida. A Paola é um amor de pessoa. (Transcrição do depoimento de S., 09 de janeiro de 2018).

S. foi diagnosticada como tendo transtorno bipolar e entrou no grupo em maio de 2016. Chegou já dizendo o que ia fazer e como fazer, trouxe escrito o seu papel dizendo que já tinha procurado saber como era o meu mecanismo de trabalho, não tinha respeito pela minha condução e nem pelas outras atrizes, demonstrando uma necessidade muito grande de chamar a atenção. Nos improvisos, não dava tempo dos outros falarem, sempre interrompendo, ocupando o lugar de fala e de ação do outro. Continua tendo muitas atitudes impulsivas, mas já consegue se relacionar – mesmo que ainda sem paciência e tolerância – com outra atriz, dando o direito de seu tempo de fala e ação, o que, para mim, já é um grande avanço.

Dani Bois (2008), em seus estudos, nos convida a pensarmos em formas de conhecimento através da relação entre corpo e mundo, em experiências nas quais a vivência tenha o aspecto fenomenológico da prática, e que essa se dê pelas aplicações do sensível, onde o corpo seja a caixa de ressonância pela qual o sujeito da experiência recebe os reflexos do mundo, devolvendo, de forma acessível, pela via reflexiva na relação íntima consigo mesmo e pelas vias do corpo, e podendo nutrir representações e significações renovando os valores.

Quando iniciei as atividades com o coletivo, apesar de já identificar de forma bem clara os benefícios do teatro para minha formação com sujeito e tentar fazer uma aplicação, ainda que informal e parcial, desta realidade com atrizes, não vislumbrava meios de fazer uma investigação mais aprofundada sobre isso e nem tinha intenção. Com o desenvolvimento desta pesquisa, posso dizer que, ao fazer uma correlação da minha prática atoral com a prática das atrizes do coletivo para legitimar a narrativa da minha experiência e levantando os aspectos