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4. ASPECTOS PROCESSUAIS DO MANDADO DE INJUNÇÃO

4.1 CABIMENTO: A FALTA DA NORMA REGULAMENTADORA

4.1.3 Casos de não cabimento

A primeira advertência ao não cabimento do mandado de injunção deve ser atribuída à natureza da lacuna normativa em que o writ atuará. Lênio Streck esclarece que esta lacuna não se confunde com aquela prevista no art. 4o da LINDB229, mas trata-se de um vácuo

223 Op. cit. p. 54. No mesmo sentido, SUNDFELD, Carlos Ari. Mandado de Injunção. Revista de Direito

Público, n. 94, ano 23, abril-junho, 1990, p. 148; MOREIRA, Wander Paulo Marotta. Notas sobre o

mandado de injunção. In. TEIXEIRA, Sálvio Figueiredo. Mandados de segurança e de injunção. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 441.

224 GOMES, Randolpho. Mandado de injunção. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1989, p. 29.

225 STRECK, Lenio Luiz. O mandado de injunção no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1991, p. 32.

226 MACEDO, Elaine Harzheim. O mandado de injunção como ação constitucional: crônica de uma morte anunciada ou desvelamento de um paradigma? In. MARTINS, Ives Gandra e JOBIM, Eduardo. O processo

na constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 725.

227 BITENCOURT NETO, Eurico. Mandado de injunção na tutela de direitos sociais. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 121.

228 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. O controle de constitucionalidade das leis no ordenamento brasileiro: aspectos constitucionais e processuais. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 111.

229 Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

normativo que não permite a regulação do caso concreto por nenhuma das alternativas hermenêuticas endógenas ao ordenamento jurídico230.

Diga-se de passagem, que este esclarecimento fulmina a tese defendida por Luis Roberto Barroso, referente à dispensabilidade do mandado de injunção, frente ao poder do juiz integralizar lacunas normativas em qualquer ação ordinária231. Repita-se que, na ação injuntiva, a suplementação possui natureza diversa da simples complementação da abertura textual. Portanto, seja pela especificidade do objeto do writ, seja pela impossibilidade de colmatar lacunas técnicas com as alternativas comuns ofertadas pela legislação, não há que se falar em prescindibilidade desta importante ferramenta.

Ultrapassado este esclarecimento preliminar, cabe analisar algumas hipóteses trazidas pela doutrina em que o mandado de injunção seria incabível. Para tanto, utilizar-se-á a enumeração realizada por Luciana Moessa de Souza, haja vista compreender a maior parte das situações expostas na literatura jurídica especializada.

Segundo as informações da autora, o mandado de injunção não seria aplicável quando: a) a norma constitucional paradigma tivesse eficácia plena; b) a norma regulamentadora estivesse em fase final do processo legislativo; c) o próprio texto constitucional já contivesse um regramento temporário, ainda em vigência; d) existisse norma regulamentadora anterior à constituição, recepcionada pelo novo ordenamento; e) existisse norma regulamentadora e f) restasse apenas ação regulamentadora administrativa232.

A primeira hipótese é, também, a mais fácil de se entender. Por óbvio, se o mandado de injunção atua na necessidade de suplementação de um direito subjetivo afetado pela falta de uma norma regulamentadora, ao reverso, se o direito constitucional vindicado deriva de uma norma de eficácia plena233 poderá, de logo, produzir efeitos. Consequentemente, o writ será incabível, posto que desnecessário, ou no máximo útil para certificar tal situação234.

230 Cf. Op. cit. 40-41 e 68-69. Traduzindo o mesmo pensamento em outras palavras, Elaine Harzeim Macedo, Op. cit. p. 724, revela que a textura do sistema legal, composto de expressões imprecisas, sujeitas à complementação pelo julgador, não se configura a chamada lacuna técnica necessária ao cabimento do remédio. Para um melhor entendimento, toma-se, por exemplo, o efeito de extensão e adaptação normativa adotada no MI 712/PA sobre o direito de greve dos servidores públicos. Não se pode considerar como o uso da analogia, costumes ou princípios gerais, a aplicação da lei que regulamenta o regime paredista do setor privado, com as importantes ponderações sobre a continuidade do serviço público. Vide item 5.2.3.

231 Segundo Barroso “A verdade é que, no contexto atual do constitucionalismo brasileiro, o mandado de injunção tornou-se uma desnecessidade, havendo alternativa teórica e prática de muito maior eficiência [...]”. Cf. BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6a ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 589.

232 SOUZA, Luciana Moessa de. Normas constitucionais não-regulamentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, pp. 87-88.

233 Vide item 2.1.2.

No item b), não há como concordar que a tramitação legislativa de projeto de lei disciplinando a matéria possa inviabilizar a impetração do remédio. Não obstante o reconhecimento desta hipótese por alguns doutrinadores como Carlos Augusto Alcântara Machado235 e Sérgio Bermudes236, pondera-se que, enquanto o processo legislativo não findar, há apenas uma expectativa de regulamentação, podendo ser satisfeita ou não.

Com efeito, nada obsta que a matéria sofra modificações pelo legislativo ou até mesmo que o texto seja vetado parcial ou integralmente pelo executivo, comprometendo aquilo que é esperado como regulação do direito subjetivo em pauta.

Além do mais, nada impede que, mesmo após a sua entrada em vigor, a norma regulamentadora recaia em uma das possibilidades de omissão parcial, conforme descrito no item 4.1.1. Portanto, antes de considerar prejudicada a ação, deve-se proceder uma análise preliminar sobre o cabimento das disposições normativas supervenientes frente à postulação do impetrante, bem como uma verificação de constitucionalidade do diploma legal.

Caso haja alguma regulamentação de caráter temporário sobre a matéria, tal qual preconiza o item c)237, alguma norma anterior à Constituição, recepcionada, que discipline o dispositivo constitucional, como reza o item d)238, ou mesmo já havendo uma norma regulamentadora, conforme descreve o item e)239, o mandado de injunção não terá lugar. Para estas situações, vale o mesmo alerta quanto ao exame prévio de constitucionalidade e adequação mencionado acima.

No que tange à falta de ação administrativa, constante no item f), já foi minuciosamente defendido, no item 4.1.2, o cabimento do mandado de injunção em situações de mora da administração pública, nos mais diversos níveis de hierarquia dos atos administrativos. Consoante sustentado, a falta ou insuficiência de alguma medida do Poder Público já enseja a intervenção pela via injuncional.

A mais das circunstâncias já delineadas, é interessante observar que a revogação do dispositivo constitucional paradigma é tratado pelo STF como fator de prejudicialidade ao

writ240. Certamente, quando a base constitucional do direito postulado perece, o mesmo

235 Op. cit. p. 348.

236 BERMUDES, Sérgio. O mandado de injunção. Revista dos Tribunais, ano 78, vol. 642, abril de 1989. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 23.

237 Um exemplo desta hipótese foi a discussão em sede do MI 111-1/RJ AgR, acerca da proteção contra despedida arbitrária, consagrada no art. 7, I da CRFB, dependente de lei complementar, mas temporariamente regulamentada pelo art. 10 do ADCT.

238 Posição esposada no MI 144-8/SP. 239 V.g. MI 406-0/DF.

ocorrerá com a pretensão do impetrante, desde que obedecidas as particularidades de eventual direito adquirido ou coisa julgada.

Adite-se, ainda, a vedação ao cabimento da ação injuntiva expressa por Calmon de Passos241 e Barbosa Moreira242. Os dois juristas defendem que, se o direito vindicado exige medidas estruturais do Poder Público, como a constituição de novos órgãos e entidades administrativas, o mandado de injunção não seria a via adequada para a solução do problema.

Conquanto a posição defendida seja razoável, frente à incapacidade do judiciário de, através de uma decisão, promover uma estruturação administrativa, aventa-se, futuramente, a possibilidade da aplicação de medidas estruturantes243 que resultem em um conjunto de

determinações mandamentais ao Poder Público para a adoção de um plano de ação no sentido de aperfeiçoar o fornecimento de alguns serviços públicos, tal qual ocorreu na, já citada, ADPF-MC 347/DF, com o reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional”244.