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4. A LAI NA PRODUÇÃO JORNALÍSTICA

4.4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

4.4.2 Categoria: aspectos técnicos

4.4.2.3 Categoria: aspectos técnicos — relação com a tecnologia

Apesar das estratégias citadas na categoria “organização”, os profissionais não utilizam planilhas próprias para o acompanhamento dos pedidos. Rodrigues afirma que monitora pelo próprio sistema — já que faz a maior parte das solicitações à prefeitura de São Paulo — e pelo e-mail pessoal, no qual recebe as atualizações. Godoy também utiliza um e-mail pessoal para acompanhamento e costuma reencaminhar a correspondência, alterando o assunto com a palavra “LAI” para facilitar na busca futura.

Já Toledo utilizou por cerca de dois meses uma planilha para acompanhamento, mas deixou de usá-la por considerá-la “inútil”. Desde então passou a monitorar os pedidos por um e-mail específico. O profissional explica que na Rede Globo tem uma tabela compartilhada com os colegas, que também ajudam a abastecê-la.

Eu tinha uma tabela antes, depois eu comecei a ver que tabela me atrapalhava, porque toda vez eu tinha que jogar para uma tabela. Aí o que eu fiz foi criar um e-mail separado, é o e-mail de LAI. Inclusive é o e-mail mais idiota porque tenho LAI no nome do e-mail, é Luiz Fernando Toledo LAI, então as pessoas sabem quem sou eu. Mas é bom, porque aí tudo o que eu pedi fica registrado nesse e-mail, então todo dia eu olho lá para ver o que foi respondido, o que eu tenho que entrar com recurso. E como em geral os sites te dão alerta por e-mail quando o pedido foi respondido, eu vejo por lá também. E aí se eu for criar um projeto específico, sei lá, eu estou fazendo um levantamento sobre feminicídio por estado, então eu sei que vão chegar 27 respostas diferentes, aí eu crio um e-mail só para esse projeto, para as respostas chegarem só lá. (TOLEDO, 2019).

Dos quatro entrevistados, Mattoso é a única que utiliza planilhas para controle, mas em apenas duas situações: para acompanhar informações desclassificadas e quando a reportagem envolve muitos pedidos e é preciso reunir os dados.

Eu tenho uma planilha que é principalmente para informações desclassificadas, porque às vezes a gente pede alguma coisa de um número, e se eu não sei onde eu peguei esse número, eu me perco um pouco. E

quando você pega a tabela de informações desclassificadas, é uma tabela. Chega uma tabela com um monte de número, e você não sabe se você já pegou esse, se pediu esse e tal. Então eu faço uma planilha, que eu pedi tal número, tal órgão, e se chegou ou não chegou. O restante, como são coisas muito específicas, eu só faço planilha quando é um levantamento e eu preciso planilhar isso. Mas assim, não para acompanhamento, porque eu não consigo acompanhar. No meu e-mail, Lei de Acesso ele taggeia. (MATTOSO, 2019).

Além disso, os quatro jornalistas não utilizam linguagem de programação para a análise dos dados recebidos. Rodrigues e Toledo sabem usar SQL48, mas não o

empregam em seu trabalho. O primeiro profissional diz que, quando necessita, recorre ao setor de dados da Folha. Em um dos casos, ele pediu ajuda para outro profissional, que utilizou Python49 na análise de ocorrências em um caso de transparência ativa.

[...] você tinha que baixar mês a mês todos os dados, e aí eram mês a mês as planilhas, e aí eram vários anos que a gente estava analisando. No programa do Python, ele conseguiu pegar e juntar todas as planilhas pra gente, e aí a gente analisava o dado bruto. Aí, a partir daí a gente tinha que fazer várias coisas, do tipo, tirar duplicidade. Tem muita duplicidade, a gente tinha que analisar um jeito de tirar duplicidade e fazer os dados, daí os dados chegaram, olhando a estatística oficial, nos dados estavam ali com uma margem de 5% de diferença, uma margem bem pequena. (RODRIGUES, 2019).

Toledo observa que normalmente não precisa utilizar linguagem de programação para as análises: “quase sempre são dados já estruturados, já simplificados” (TOLEDO, 2019). O profissional identifica um “fetiche” no uso de ferramentas de dados por jornalistas.

[...] de dizer: “analisamos oito milhões de linhas com a ferramenta tal”, só que para o dia a dia não é isso que vai resolver seu problema. Pode ser legal, pode ser inovador, mas pode também não dar em nada. No projeto Anda São Paulo a gente fez um levantamento depois. Das 50 matérias que a gente publicou em dois meses, 34 usavam Lei de Acesso, e acho que só oito ou nove usavam os dados que eles usavam com programação. Então, óbvio, essas oito ou nove são matérias muito diferentes, mas eu acho que as matérias mais impactantes, as matérias de furo, vieram de Lei de Acesso. (TOLEDO, 2019).

48 SQL significa “Structured Query Language”, ou “Linguagem de Consulta Estruturada”, na tradução

para o português. É uma linguagem de programação para ser usada para lidar com bancos de dados relacional (baseado em tabelas). Foi criado para que vários desenvolvedores pudessem acessar e modificar dados de uma empresa simultaneamente, de maneira descomplicada e unificada. (O QUE…, 2019)

49 Python também é uma linguagem de programação utilizada para a construção de sistemas web;

análise de dados, inteligência artificial e machine learning; construção de aplicativos e construção de sistemas desktop (PYTHON…, s/d)

Já Mattoso e Godoy não usam nenhuma linguagem de programação. Godoy afirma que quando precisa pede ajuda para o Estadão Dados. “Quando tem um banco de dados muito pesado, eu peço socorro para o Estadão Dados. Quando o número de informações é mais restrito, e 99% das vezes é, que dá para organizar aquilo numa planilha e já resolve, eu uso a planilha dinâmica”. (GODOY, 2019). Enquanto Mattoso informa que nunca necessitou desse auxílio: “eu nunca pedi nada que eu não tenha conseguido analisar, que fosse um tipo de arquivo que eu não conseguisse. No final são tabelas, números, respostas mesmo”. (MATTOSO, 2019).

O não uso de linguagem de programação por Rodrigues e Toledo também pode ser explicado pelo próprio computador disponibilizado para os repórteres nas redações. Normalmente, os equipamentos travam ou não há autorização para instalação de programas específicos. Rodrigues e Mattoso utilizam computadores próprios — esta última se justifica pela facilidade de sincronizar com o celular Iphone.

Eu trago meu notebook de casa, porque o computador aqui do jornal geralmente não abre isso. A Folha tem um departamento ali, que é o Delta

Folha, os caras têm os computadores bons e o trabalho deles é só ficar

fazendo matéria de dados, e tal. Em geral, como eu já sei mexer um pouco, eu mesmo faço minhas próprias matérias e não recorro muito a eles, e aí eu trago meu próprio computador, porque o computador que a gente tem, não tem condições de abrir ele [...] os computadores das redações, no geral, são muito ruins. (MATTOSO, 2019).

Sobre o armazenamento dos dados obtidos, três dos quatro profissionais afirmam que mantêm as informações na nuvem50. Rodrigues recorre ao Google Drive

e observa que este tipo de armazenamento auxilia a construir séries históricas e identificar contradições nos balanços divulgados pelo governo:

Eu tenho muitas coisas que eu pedi por Lei de Acesso, que aí depois eu só peço o do período que eu estou. Como é um período pequeno, você consegue um dado mais rápido, às vezes. Então eu respondo, e até porque, às vezes, eles mudam os dados do passado para se favorecer, e eu já tenho esse dado. Então, às vezes, isso mesmo já vai gerar uma matéria. Tipo, eles falam: “A gente aumentou muito”, aí você olha e vê o dado de uma gestão para outra, aí você olha, vê o dado, fala: “Mas como vocês aumentaram? Aqui não estava com esse dado aqui”. “Não, é que a gente reviu esses dados, que estavam errados, eles estavam inflando os dados”, então é uma coisa que você consegue pegar essas incongruências, assim. (RODRIGUES, 2019)

Já Mattoso utiliza o iCloud51, enquanto Toledo recorre ao Google Drive52

tanto no diretório pessoal quanto da empresa. Por outro lado, Godoy afirma que deixa as informações no e-mail, sem utilizar a nuvem.

Sobre a análise dos dados, os profissionais reconhecem que não se limitam a fazê-la no ambiente do trabalho. Mas Godoy e Toledo frisam que essas situações são pontuais. Rodrigues explica que ocorre de acordo com a relevância do material obtido.

Quando é uma coisa muito importante. Assim, não só pedidos via LAI, mas, às vezes, dados abertos, e tal. Recentemente eu fiz uma matéria analisando toda a base de IPTU de São Paulo, saiu uma série chamada Concreto Sem Fim, sobre como a cidade cresceu nos últimos 25 anos, olhando as metragens dos IPTU's da cidade inteira. Aí era uma coisa que dava tanto trabalho, que eu começava a fazer em casa, chegava aqui e continuava, então não parava nunca, na verdade. Quando você está envolvido em algum tema, e é um negócio assim, você acaba ficando envolvido e acaba trabalhando em casa também. (RODRIGUES, 2019).

Como dito nas páginas anteriores, a linguagem de programação não é utilizada pelos profissionais no dia a dia de trabalho, apesar de alguns terem conhecimento. Anderson et al. (2013) entende que esta é uma das barreiras que precisam ser superadas pelos jornalistas, apesar das limitações tecnológicas. É nítido que há restrições do uso dessas ferramentas, como dificuldade para instalar programas e ainda a presença de equipamentos defasados. Entretanto, ao que parece, o não uso pouco interfere no andamento das pautas aos quatro entrevistados.

É provável que os jornalistas consultados já estejam na última categoria de competência: de expert (DREYFUS apud CHARRON; DE BONVILLE). Nela, os profissionais comparam automaticamente e em tempo recorde diferentes informações sem demonstrar que estão atrelados às regras, já assimiladas por eles. Isto é, um processo orgânico. No caso da LAI, o grau de expert se dá pela prática: pelos inúmeros pedidos, dos erros e acertos, e pela derrubada de negativa de acesso.