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4. A LAI NA PRODUÇÃO JORNALÍSTICA

4.2 PRIMEIROS PASSOS: PESQUISA INICIAL DE REPORTAGENS

Para fins de análise, selecionei reportagens com citação à Lei de Acesso à Informação de dois jornais de maior circulação no Brasil: a Folha de S.Paulo e O

Estado de S.Paulo. Segundo o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), os referidos jornais ocupam respectivamente, a 1ª e a 3ª colocação no ranking23.

Além disso, a escolha pelos dois periódicos se deve ao fato de serem jornais de abrangência nacional, com tendência a utilização maior da Lei de Acesso à Informação (LAI). O Globo, periódico que está na segunda colocação na lista do IVC, não foi utilizado na análise em razão da dificuldade de acesso a reportagens de 2017 e 2018 no site do jornal.

A consulta foi feita por palavras-chave na seção “acervo” nos sites dos referidos periódicos. A escolha desses jornais ocorreu tanto pela abrangência nacional desses veículos quanto pelo recorrente uso da LAI por seus profissionais (DUTRA, 2015; SOUZA, 2016; BOTTREL, 2016; SOUSA, 2017).

O levantamento considerou reportagens de 2017 a 2018, respectivamente, o quinto e sexto ano de vigor da lei. A intenção de se restringir a esse período ocorre para verificar tendência de uso da LAI entre jornais, passado o “fervor” inicial da nova legislação.

Para a análise foi utilizado o método de busca por palavras-chave a partir do termo Lei de Acesso à Informação nos sites de acervos de Folha de S.Paulo24 e O

Estado de S.Paulo25. No caso da Folha, inicialmente foi feita a procura por “palavra

exata”: Lei de Acesso à Informação. Por esse percurso, foi possível encontrar reportagens da Folha entre 10 de setembro de 2017 a 31 de dezembro de 2018. Como o buscador não apresentava resultados anteriores, foi selecionada uma nova palavra- chave “Lei de Acesso”, sem o uso da busca "palavra exata". Apareceram 5.976 resultados. A coleta dos dados ocorreu entre 7 de fevereiro a 3 de março de 2019, com revisão entre 22 e 23 de abril. No caso do Estadão, a procura é mais organizada e, por isso, foi utilizado o recurso da palavra exata “Lei de Acesso à Informação”.

Na busca, foram desconsiderados artigos de opinião, editoriais e cartas de leitores, para limitar o objeto de estudo em matérias jornalísticas. Também foram descartadas notas em colunas, como as de Sonia Racy, em Estadão. Além disso, para evitar duplicidade de reportagens no levantamento, foi computada apenas uma matéria por dia analisado — em caso de repetição. Foi constatado que um mesmo

23 Com crescimento digital, a Folha lidera circulação total entre jornais brasileiros. Folha de São Paulo

[São Paulo], 21 abr. 2019. Disponível em: https://www.poder360.com.br/midia/tiragem-impressa-dos- maiores-jornais-perde-520-mil-exemplares-em-3-anos. Acesso em: 22 de abr. 2019.

24 https://acervo.folha.com.br 25 https://acervo.estadao.com.br/

conteúdo aparecia de forma repetida nas buscas, em razão da existência de edições diferentes do jornal — uma nacional e outra local —, principalmente na Folha de S.Paulo.

Pelos critérios estabelecidos, foram encontradas 131reportagens na Folha (74 em 2017 e 57 em 2018) e 56 no Estadão (37 em 2017 e 19 em 2018). Essas 187 matérias (Gráfico 1) compõem o levantamento inicial da pesquisa. Desse total, foram selecionadas duas reportagens de cada profissional com maior número de matérias publicadas em cada jornal para serem comentadas nas entrevistas.

Gráfico 1 — Reportagens com o termo lei de acesso à informação

Fonte: O autor (2020)

Apesar do período reduzido, pode-se perceber uma queda no uso da Lei de Acesso à Informação na comparação entre os períodos, o que pode indicar mudanças nas rotinas produtivas nas respectivas redações, maior dificuldade para obter os dados, desinteresse no uso da legislação ou apenas um processo de naturalização da LAI pelos jornalistas, deixando de usar o termo nas reportagens, bem como a influência de fatores externos.

Na Folha, o levantamento identificou o uso mais recorrente da LAI em três editorias (Gráfico 2): Cotidiano, com um total de 62 matérias — 34 no ano de 2017 e

28 em 2018; Poder, totalizando 32 reportagens — 23 no ano de 2017 e nove em 2018; e Mercado, com um total de 14 publicações — oito no ano de 2017 contra seis em 2018.

Ainda sobre a Folha, é possível perceber uma continuidade de pedidos em duas reportagens, que tratam sobre o roubo de bicicletas. As duas matérias foram publicadas com uma diferença de pouco mais de dois meses e revelam um acompanhamento do jornal sobre o assunto.

Já no Estadão, a lei é mais utilizada em três editorias (Gráfico 3): Metrópole com um total de 28 matérias — 20 no ano de 2017 e oito em 2018; Política com 16 reportagens — nove no ano de 2017 e sete em 2018; e Economia, totalizando sete publicações — quatro em 2017 e três em 2018.

Gráfico 2 — Divisão das matérias com citação à LAI por editoria na Folha

Gráfico 3 — divisão das matérias com citação à LA por editoria no Estadão

Fonte: O autor (2020)

Apesar da diferença de nomenclatura, as editorias nos dois jornais com maior número de referências à LAI tratam sobre os mesmos assuntos: pautas relacionadas à cidade (cotidiano e metrópole), política (poder e política) e economia (mercado e economia). Dutra (2015) identificou situação parecida ao analisar reportagens do primeiro ano da lei em vigor (maio de 2012 a maio de 2013) na Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo.

A respeito disso, importante trazer a pesquisa realizada por Boczkowski e Mitchelstein (2013), citada anteriormente. Ao analisar 20 sites e comparar o que interessava ao público e aos jornalistas, os pesquisadores perceberam que apesar de os veículos de comunicação pretenderem seguir uma “agenda” voltada para assuntos públicos, as audiências se mostram pouco interessadas nessas questões.

Nossas descobertas sugerem que os principais veículos de comunicação podem não cumprir sua função de agendar - pelo menos quando se trata de notícias on-line - porque as preferências de notícias dos consumidores divergem das preferências dos jornalistas. Em outras palavras, a mídia pode muito bem tentar definir uma agenda focada em assuntos públicos, mas uma parcela considerável de seu público parece estar dedicando a maior parte de sua atenção a notícias sobre esportes, clima, crime e entretenimento. O que se pode dizer sobre o poder da mídia de definir a agenda quando existe, em média, um abismo de 18 pontos percentuais entre o que essas mídias dizem e o que seus públicos parecem estar ouvindo? Nesse sentido, a mídia parece estar falando consigo mesma e com as elites políticas e econômicas, e não com sua ampla base de consumidores. Além disso, a capacidade da mídia de influenciar as elites depende um pouco do tamanho e da composição de seu público. (BOCZKOWSKI; MITCHELSTEIN, 2013, p. 46)

Também procuramos situar as reportagens selecionadas dentro de categorias. Bardin (1977), ao discorrer sobre a criação das categorias, usa exemplo da separação de produtos que podem ser catalogados pelo “valor mercantil de cada objeto” ou pela “função dos objetos”. Neste trabalho, a catalogação inicial girou em torno de como a lei de acesso foi citada nas reportagens. A partir disso, foram estabelecidas três categorias bases:

1. Fonte da informação: os dados foram obtidos via LAI, normalmente por transparência passiva, quando é preciso fazer uma solicitação para obtê- los.

2. Citação da lei: a reportagem apenas cita a Lei de Acesso à Informação, inclusive dentro de aspas26.

3. Recusa do pedido: refere-se a reportagens produzidas quando uma informação é negada.

Como a categoria “citação da lei” não é excludente, podendo aparecer junto às demais, estipulou-se duas outras categorias desta junção: fonte da informação e citação à lei; e recusa de pedido e citação à lei.

Na Folha, em 96 reportagens, a LAI é fonte da informação. Desse total, 55 foram matérias publicadas em 2017, enquanto outras 41 no ano seguinte. Outras 27 matérias receberam a classificação de citação à lei: 14 em 2017 e outras 13 em 2018. Além disso, outras seis reportagens vieram à tona a partir da recusa de pedidos — três matérias em cada ano. Também foi constatada a presença de duas reportagens com dois tipos diferentes de citações, ambas publicadas em 2017. Nas duas, a lei é a fonte da informação, mas a diferença está em que uma apresenta a recusa a um pedido e outra cita a lei.

No Estadão, o critério fonte da informação predominou, com 45 reportagens. Do total, foram produzidas 30 reportagens nesta perspectiva em 2017 e outras 15 no ano seguinte. A citação à lei ocorreu em nove matérias, uma delas fazendo referência

26 Para facilitar o entendimento acerca dessa categoria, vou citar algumas reportagens presentes no

levantamento inicial. Na matéria “Procuradoria pede fim de sigilo de preço da Petrobras”, publicada em 5 de fevereiro de 2017 pela Folha, a palavra “Lei de Acesso à Informação” consta em uma nota de contraponto da Petrobras, devido ao pedido do Ministério Público Federal cobrando transparência e solicitando mudanças nos processos de licitação da estatal. Já na reportagem “AGU recorre contra divulgação de ‘lista suja’”, publicada no Estadão em 4 de março de 2017, o então ministro do

Trabalho, Ronaldo Nogueira, comentou - em meio a uma polêmica sobre o fim da divulgação da lista dos empregadores autuados por contratar trabalhadores em condições análogas à escravidão - que a Lei de Acesso à Informação é suficiente para dar transparência.

à legislação estadunidense, a terceira mais antiga do mundo. Do total, cinco matérias com citação à LAI foram publicadas em 2017 e outras quatro no ano posterior. No periódico, há ainda duas produções com dois critérios mesclados “citação da lei e recusa de acesso”, ambas produzidas em novembro de 2017 pelo repórter Luiz Fernando Toledo27.

Também se procurou identificar de que maneira se dava o uso da Lei de Acesso à Informação nas reportagens selecionadas. Para isso, recorremos às categorias de Nascimento e Kraemer (2014): informação direta, informação cruzada e informação ampliada. Segundo Duarte (2015), as categorias funcionam como estruturas analíticas construídas pelo pesquisador que possibilitam reunir e organizar o conjunto de informações obtidas.

Iremos utilizar apenas duas das três categorias: a informação direta e a informação cruzada. A última categoria, da informação ampliada, ficou impossibilitada de ser verificada porque é necessário conhecimento aprofundado da produção da reportagem.

É importante reforçar que a identificação do uso da LAI nas reportagens ocorreu, majoritariamente, em matérias nas quais a lei foi a fonte da informação. Nas outras duas categorias — citação à lei e recusa a pedido — a maneira como a legislação foi utilizada não pode ser verificada por duas razões: por não haver dados (em solicitações não atendidas) e por ter sido feito apenas menção à LAI. Por isso, foram enquadradas como descategorizadas, ou seja, não se encaixavam em nenhuma das três classificações apresentadas anteriormente.

Na Folha de S.Paulo, 41 reportagens (30,5%) estavam nessa situação. Dessas, 26 matérias se enquadravam no critério citação à lei, sete em fonte da informação, seis em recusa de pedido e outras duas em critérios mesclados (fonte da informação e citação da lei; e fonte da informação e recusa a pedido).

Uma delas é “100 dias de Doria”, na qual a Agência Lupa verificou o andamento de promessas de campanha do prefeito de São Paulo. No trecho em que a LAI foi citada, é analisada a frase “Eu vou acabar com a indústria da multa” proferida por Doria (AGÊNCIA LUPA, 2017). Entretanto, após cem dias de governo, a reportagem

27 As duas reportagens tratam do mesmo assunto. Em 8 de novembro de 2011, o Estadão publicou a

reportagem “Gestão Doria dificulta acesso a dados e viola Lei de Acesso à Informação” (TOLEDO, 2017b). No dia seguinte, o periódico publicou a matéria “Doria demite assessor que dificultava acesso a dados; MP abre inquérito”.

não conseguiu verificar se as multas caíram, pois o site Mobilidade Urbana não dispunha dos dados e também não foram respondidos os pedidos pela LAI feitos pela reportagem.

No Estadão, nove reportagens não se enquadravam em nenhuma categoria, o que corresponde a 16% do total de matérias. Dessas, seis se encaixam no critério citação à lei e outras duas no mesclado citação da lei e recusa de acesso.

Na matéria “AGU recorre contra divulgação da ‘lista suja’”, a lei de acesso à informação foi citada por um ministro (NOSSA, 2017). Em outras palavras, a LAI não deu forma à reportagem com números e dados. Mesma situação em “Trump abrirá arquivos sobre JFK”, publicada em 22 de outubro de 2017. Neste caso, a lei americana foi utilizada para explicar que a abertura do acesso aos documentos da morte de John Kennedy Junior estava prevista na Freedom Information Act (TRUMP…, 2017).

Além das reportagens descategorizadas, foram identificadas 119 matérias com informação direta, ou seja, quando os dados obtidos pela LAI por si só já sustentam a apuração, tendo caráter primordial. Do total, a Folha de S.Paulo produziu 79 matérias deste tipo, já o Estadão elaborou 40. No caso da Folha, foram 48 reportagens em 2017 e outras 31 no ano seguinte. Já o Estadão publicou 26 matérias em 2017 e 14 em 2018.

Por outro lado, foi identificado número menor de reportagens com informações cruzadas: 18 no total. Na Folha foram 11 matérias: três em 2017 e oito em 2018. Já no Estadão foram sete: quatro em 2017 e três no ano posterior.

Gráfico 4 — Separação das reportagens por categorias

Apesar de Kramer e Nascimento (2014) não reconhecerem a existência de hierarquia entre as categorias, é inegável que uma reportagem com cruzamento de informações é tecnicamente mais trabalhosa — por envolver dois pedidos e conter análise minuciosa da resposta à primeira solicitação para a realização de uma nova — e pode revelar situações contraditórias em relação a um assunto. Para Kraemer e Nascimento (2014), o entendimento da situação varia do ponto de vista de quem analisa.

Ainda que do ponto de vista do esforço do repórter uma matéria com um dado ampliado possa ser considerada mais relevante, já que deu mais trabalho e produziu uma informação inédita que nem órgãos públicos detinham, do ponto de vista do leitor uma reportagem baseada somente em um documento obtido por meio da LAI pode ser muito mais importante, dependendo do tipo de revelação que faz. (KRAEMER; NASCIMENTO, 2014, p.14).

A pesquisa preliminar ainda identificou a presença de assinatura nas reportagens. Na Folha, 117 matérias (89,3% do total) levavam o nome do repórter. Já no Estadão, ocorreram em 51 produções (91,37%). Foram identificados 59 profissionais diferentes na Folha28 e 41 no Estadão, totalizando 100 jornalistas. O

cenário indica que a legislação teve capilaridade na atividade profissional mesmo que haja variação no número de matérias produzidas por essas pessoas.

Também foi analisada a frequência de produção de reportagens pela LAI por autor durante esse período de dois anos. Apenas um repórter do Estadão superou a marca de dez matérias produzidas no período: Luiz Fernando Toledo, com 12 reportagens. Na sequência, está Marcelo Godoy, com nove publicações que fazem referência à LAI. Além de Marco Antônio Carvalho, com quatro reportagens e Fabiana Cambricoli, com três. Outros 10 profissionais produziram duas matérias cada29 e 27

jornalistas fizeram uma matéria cada30.

28 Nesta contagem não foram levados em conta assinaturas para nomes de veículos como: Agência Lupa, Agência Mural, Uol e jornal Agora.

29 Os profissionais que produziram duas reportagens com LAI no período entre 2017 e 2018 no Estadão são: Fabio Leite, José Maria Tomazela, Alexa Salomão, Bruno Ribeiro, Daniel Bramatti,

Marianna Holanda, Júlia Marques, Leonencio Nossa, Alexa Salomão e Raphael Ramos.

30 Os profissionais que produziram uma reportagem com LAI no período entre 2017 e 2018 no Estadão são: Adriana Fernandes, Adriana Ferraz, Barbara Souza, Constança Rezende, Anne Warth,

Clarissa Thomé, Andrei Netto, Andreza Matais, Bibiana Borba, André Cáceres, Camila Turtelli, Ana Beatriz Assam, Marcio Dolzan, Roberta Pennafort, Renata Cafardo, Ricardo Araújo, Ricardo Galhardo, Priscila Mengue, Matheus Lara, Valmar Hupsel Filho, Teo Cury, Julia Affonso, Igor Gadelha, Elisa Clavery, Fabio Serapião, Juliana Diógenes, Lígia Formenti

Na Folha, Artur Rodrigues se aproxima desse patamar, com nove publicações. Na sequência, Camila Mattoso e Rubens Valente aparecem com seis reportagens31.

Logo após, com cinco matérias, estão Italo Nogueira, Marina Estaque e Laís Alegretti. Outros três profissionais produziram quatro reportagens cada: Ângela Pinho, William Cardoso e Fábio Fabrini. Além desses, 13 profissionais executaram três matérias cada com referência à LAI32 e outros 12 jornalistas produziram duas matérias cada um33.

Ao todo, 26 profissionais da Folha produziram apenas uma matéria com Lei de Acesso à Informação34.