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CAPÍTULO 4 – O CAMPO, OS PROTAGONISTAS E OS SÚDITOS

4.2 Pernambuco na telinha do Jornal Nacional

4.2.5 Categoria 5: desastres

Segundo Gomis (1991), para dar uma imagem mais aproximada da realidade, os meios de comunicação aproveitam os crimes, os desastres e as catástrofes que acontecem de forma inesperada no mundo.

A exploração pela mídia de tragédias, como a queda de aviões, descarrilamento de trens, enchentes, terremotos, assassinatos, ataques terroristas e outros tipos de acidentes, atraem a atenção do público, vendem jornal, fazem subir os índices de audiência. Gomis (1995) afirma que, muitas vezes, a medida da importância de uma notícia se dá pelo número de mortos: “Não é raro que esses crimes ou catástrofes, onde a vida humana é interrompida de forma inesperada e irreversível, apareçam em lugar mais destacado do jornal, nas manchetes dos telejornais e do rádio” (1991, p. 144, tradução nossa).

Para o autor, crimes, catástrofes e desastres provocados pelo homem ou pela natureza circulam nos comentários das pessoas de forma privilegiada: “Cuando se pregunta qué noticias hay se recuerda y menciona las noticias con muertos […]” (1991, p. 144). O autor explica que esse tipo de notícia representa uma interrupção do curso normal que deveria seguir a vida na sociedade. É quando ocorreu o que não se esperava ou o que não deveria suceder:

A invasão alarmante de um vento de irracionalidade ou de cólera põe a sociedade sobre aviso. Há que racionalizar; há que fazer algo. Este é o sentido da importância que os meios de comunicação e o público dão as desgraças, de interesse mórbido – com que comentam as más notícias. Pelo que as desgraças têm de ameaça a estabilidade da sociedade os meios de comunicação sérios tem que prestar-lhes atenção (GOMIS, 1991, p. 145, tradução nossa).

Segundo Gomis (1991), é função dos meios de comunicação informar o que se passa, mas também facilitar a conversação social. Num diálogo entre a comunicação e a teoria das representações sociais proposta por Moscovici (2009), a conversação de que fala Gomis (1991) contribuiria, em nossa opinião, para transformar o não-familar em algo familiar para, de alguma forma, colaborar na tomada de decisão frente aos acontecimentos. Quando as tragédias e destruições inesperadas de vidas humanas são divulgadas pela imprensa e aparecem nas principais manchetes dos veículos de comunicação, isso acontece pela necessidade de se examinar as razões e os motivos que provocaram os acidentes. Sendo assim, todos podem adotar uma reação eficaz. Diz Gomis (1991) “A sociedade há de aprender, com a ajuda dos meios de comunicação, a distinguir o que pode fazer, do que pode ser evitado e concentrar-se no que pode ser evitado e no que pode ser feito” (1991, p.148, tradução nossa).

O editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional, quando relata como as tragédias e grandes acidentes são abordados no telejornal, diz: “Quanto maior for a gravidade de um fato, maior a possibilidade de ser noticiado no Jornal Nacional: quanto maior o incêndio, quanto maior o número de desabrigados [...] (BONNER, 2009, p. 96).

FIGURA 21

Chove em três dias mais do que o previsto para o mês de maio em PE

Fonte: Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/chove-em-tres-dias-mais-do-

previsto-para-o-mes-de-maio-em-pernambuco.html>. Acesso em: 24 de Outubro de 2011.

Matéria do repórter 4

Reportagem exibida no dia 03/05/2011 Tempo: 1min. 9seg.

Texto cabeça

NOS ÚLTIMOS TRÊS DIAS, EM MUITOS MUNICÍPIOS DE PERNAMBUCO, CHOVEU MAIS DO QUE SE PREVIA PARA O MÊS DE MAIO INTEIRO. E AS MESMAS CIDADES QUE SOFRERAM COM AS ENCHENTES DO ANO PASSADO VOLTARAM A FICAR ALAGADAS.

Texto

NESTA TERÇA-FEIRA (4), NO RECIFE, O BAIRRO DA MURIBECA FICOU DEBAIXO D'ÁGUA. MAS AS CIDADES MAIS ATINGIDAS FORAM AS DA ZONA DA MATA SUL. EM PALMARES, AS ÁGUAS DO RIO UNA

INVADIRAM A CIDADE. A BR-101 FICOU

INTERDITADA. OS LOJISTAS CORRERAM PARA TENTAR SALVAR AS MERCADORIAS. EM VITÓRIA DE SANTO ANTÃO, OS MORADORES TAMBÉM TIVERAM MUITOS PROBLEMAS POR CAUSA DO RIO TAPACURÁ, QUE CORTA A CIDADE.

O NÍVEL DO RIO SUBIU RÁPIDO E, EM POUCO TEMPO, AS ÁREAS MAIS BAIXAS DE VITÓRIA FICARAM INUNDADAS. CASAS TIVERAM QUE SER ABANDONADAS. OS MORADORES TENTARAM SALVAR MÓVEIS E ELETRODOMÉSTICOS. “JÁ ALAGOU TUDO. NÃO TEM NEM COMO TRAZER MAIS AS COISAS”, DISSE UM RAPAZ.

EM ÁGUA PRETA, AS ÁGUAS DO UNA SUBIRAM MAIS DE DOIS METROS E COBRIRAM OS TELHADOS DAS CASAS RIBEIRINHAS. A RODOVIA PE-96 TAMBÉM FICOU INTERDITADA. EM BARREIROS, 100 FAMÍLIAS FORAM LEVADAS PARA OITO ABRIGOS.

Nos últimos dois anos, as cidades do interior de Pernambuco enfrentaram sérios problemas de inundações provocadas pelas chuvas. O inverno rigoroso, principalmente na Zona da Mata Sul do Estado, municípios inteiros foram destruídos e milhares de famílias perderam suas casas. A tragédia que abateu o interior do estado pernambucano foi devidamente representada no Jornal Nacional.

A matéria ancorou a enchente com expressões e frases que enfatizavam a situação de calamidade das cidades: “O bairro da Muribeca ficou debaixo d’água, as águas do Rio Una invadiram a cidade, os lojistas correram para tentar salvar as mercadorias, casas tiveram que ser abandonadas, os moradores tentaram salvar móveis e eletrodomésticos”, etc. O cenário construído era de caos. A análise de todas as reportagens sobre o assunto, e as duas selecionadas nesta pesquisa, evidenciam uma representação social que foi construída em cima de uma população vitimada pela pobreza, descaso e abandono: “Em Água Preta, as águas do Una subiram mais de dois metros e cobriram os telhados das casas ribeirinhas. A rodovia PE-96 também ficou interditada. Em Barreiros, 100 famílias foram levadas para oito abrigos”.

FIGURA 22

A água começa a baixar em municípios atingidos por enchentes

Fonte: Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/pe-agua-comeca-baixar-em- municipios-atingidos-por-enchentes.html>. Acesso em: 24 de Outubro de 2011.

A nota coberta foi exibida no dia 09/05/2011 Tempo: 24seg.

Texto

A ÁGUA COMEÇOU A BAIXAR NOS MUNICÍPIOS ATINGIDOS PELAS ENCHENTES EM PERNAMBUCO.

VINTE E SEIS DECRETARAM ESTADO DE

EMERGÊNCIA E, NOVE, DE CALAMIDADE

PÚBLICA.

O NÍVEL DO RIO SIRINHAÉM VOLTOU AO NORMAL EM GAMELEIRA, NA ZONA DA MATA, E O TRÁFEGO FOI RESTABELECIDO NA PONTE QUE DÁ ACESSO À CIDADE. AO TODO, 15 MIL FAMÍLIAS AINDA ESTÃO DESABRIGADAS OU DESALOJADAS EM TODO O ESTADO.

Em outros momentos, nas representações sociais das enchentes no Jornal Nacional, são empregados recursos de familiarização, com a intenção de tranquilizar a população, por exemplo: “A água começou a baixar. O nível do Rio Sirinhaém voltou ao normal”, ou então: “O tráfego foi restabelecido na ponte que dá acesso a cidade”. Mas a ancoragem sobre o assunto confirma a gravidade da situação: “15 mil famílias ainda estão desabrigadas ou desalojadas em todo o Estado”.

Para Moscovici (2009), classificar as coisas e dar nomes a elas são dois aspectos das representações. Sobre a função das representações sociais o autor revela:

As representações, por outro lado, restauram a consciência coletiva e lhe dão forma, explicando os objeto e acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a qualquer um e coincidem com nossos interesses imediatos (MOSCOVICI, 2009, p. 53).

FIGURA 23

Rapaz de 21 anos é atacado por tubarão em praia do Recife

Fonte: Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/06/rapaz-de-21-anos-e-atacado-por- tubarao-em-praia-do-recife.html>. Acesso em: 27 de Outubro de 2011.

Nota coberta

Nota coberta exibida no dia 26/06/2011 Tempo: 19seg.

Texto

UM RAPAZ DE 21 ANOS FOI ATACADO POR UM TUBARÃO, NESTA QUARTA-FEIRA (29), NO RECIFE. MARLISSON DOS SANTOS PRATICAVA BODYBOARD NA PRAIA DO PINA, CONSIDERADA DE ALTO RISCO

PELOS BIÓLOGOS. ELE TEVE FERIMENTOS

GRAVES NA PERNA DIREITA E FOI OPERADO. O ÚLTIMO ATAQUE DE TUBARÃO NO LITORAL DE PERNAMBUCO TINHA SIDO HÁ TRÊS ANOS.

A nota coberta trata de mais um ataque de tubarão nas praias do Recife. As representações sociais sobre esses ataques em Pernambuco são ancoradas no Jornal Nacional sempre com conotações extremamente negativas: “Um rapaz de 21 anos foi atacado”. Sobre a ancoragem e a objetivação, os dois processos que geram representações, diz Moscovici (2009): “O primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar” (2009, p. 61). É o caso do texto: “Marlisson dos Santos praticava bodyboard na praia do Pina, considerada de alto risco pelos biólogos”. A meta do segundo processo, explica o autor: “[...] é objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto” (2009, p. 61).

O telejornal, ao abordar o assunto, constrói representações sociais através das expressões e frases utilizadas, tentando transformar algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada: “É quase como que ancorar um bote perdido em um dos boxes (pontos sinalizadores) de nosso espaço social” (MOSCOVICI, 2009, p. 61).