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CAPÍTULO 4 – O CAMPO, OS PROTAGONISTAS E OS SÚDITOS

4.2 Pernambuco na telinha do Jornal Nacional

4.2.1 Categoria 1: factual

Segundo Traquina (2005), o jornalismo pode ser explicado pela resposta à pergunta que fazemos todos os dias: o que aconteceu? O que está acontecendo no mundo? “Pode-se dizer que o jornalismo é um conjunto de ‘estórias’, ‘estórias’ da vida, ‘estórias’ das estrelas, ‘estórias’ de triunfo e tragédia” (2005, p.21).

Para Traquina (2005), a maioria dos livros e manuais sobre jornalismo define as notícias como tudo o que é importante e/ou interessante na vida: “O principal produto do jornalismo contemporâneo, a notícia, não é ficção, isso é, os acontecimentos ou personagens das notícias não são invenções dos jornalistas” (2005, p. 20). Podemos deduzir, então, que o jornalismo trabalha com os acontecimentos do dia-a-dia, com o que denominamos de factual.

Gay Tuchman (1983) arrisca uma sistematização das notícias de acordo com o tipo de matéria ou reportagens. As tipificações, segundo Tuchman, seriam classificações das

matérias, de acordo com as suas características relevantes, para facilitar a prática diária dos jornalistas.

Tipificações de matérias por Gay Tuchman:

Duras Factuais (perecíveis)

Leves Não perdem atualidade.

Ex.: uma apresentação de balé.

Súbita Imprevista.

Ex.: um incêndio.

Em desenvolvimento Os fatos vão acontecendo.

Ex.: um acidente aéreo ou um seqüestro. Em sequencia Fatos pré-programados

Série de relatos sobre o mesmo tema. Ex.: votação de um projeto de Lei.

(Fonte: TUCHMAN, 1983)

Nas tipificações apontadas por Tuchman (1983), o factual é a notícia dura, aquela que está sujeita a exigência do tempo, que é perecível e tem urgência de ser divulgada: “Dizem que a noticia dura se refere à informação que todas as pessoas devem ter para serem cidadãos informados [...]” (TUCHMAN, 1983, p.60, tradução nossa).

Para Gomis (1991), nem todos os fatos são percebidos e entre os fatos percebidos, nem todos servem como notícia: “A essência da notícia é a capacidade de gerar comentários que tem o fato. Se um fato não suscita comentários, não é notícia” (1991, p.53, tradução nossa).

Gomis (1991) afirma que, na seleção das notícias, os meios de comunicação seguem princípios de universalidade e de neutralidade. Por princípio de universalidade, o autor define que nada do que acontece está excluído da possibilidade de se converter em notícia: “[...] aconteça na cidade ou no campo, no mar ou no céu, nas grandes cidades do mundo ou em alguma aldeia cujo nome não está sequer mencionado” (1991, p.76, tradução nossa). Por princípio de neutralidade, Gomis entende que as notícias não se classificam em boas ou más, favoráveis ou contrárias e sim como simplesmente notícias ou não-notícias. E entre as notícias, aquelas que são mais ou menos notícias, as que podem virar manchetes ou constar nas páginas interiores dos jornais. Desse modo, afirma Gomis (1991):

O valor notícia é moralmente neutro. A razão desse princípio de neutralidade é a mesma que fundamenta o princípio de universalidade, pois na realidade ambos são princípios complementares: quanto mais notícias, melhores serão as que sobrevivem a um rápido e enérgico processo de seleção (GOMIS, 1991, p. 77, tradução nossa).

Gomis (1991) argumenta que tudo pode interessar; porém, uma coisa sempre interessará mais que outra. E os jornalistas não irão discutir que notícia é boa ou má e sim qual dos fatos é mais notícia. Segundo o autor, ambos os princípios - de universalidade e neutralidade, são naturalmente relativizados pelo seu uso:

O princípio da universalidade é relativizado pela atenção que o fato mais próximo desperta sobre o mais distante e o da neutralidade, pela preferência com que os meios de comunicação buscam os fatos que afetarão os interesses de sua audiência, sendo que é certo que nos interessa conhecer tanto as “boas” como más notícias (GOMIS, 1991, p. 78, tradução nossa).

No livro Jornal Nacional: modo de fazer o apresentador e editor-chefe do programa jornalístico deixa clara a vocação factual do telejornal: “Nossa matéria-prima é aquilo que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo naquele dia. São fatos do dia. Alguns, absolutamente previstos” (BONNER, 2009, p.117). Para o editor-chefe do Jornal Nacional, os temas factuais são prioridade.

Essa breve introdução sobre o caráter factual da notícia e sua prioridade faz-se necessária para falar sobre o nosso objeto de estudo. O Jornal Nacional produz suas matérias apoiando-se nos parâmetros desse conceito de notícia, imprescindível para atingir o objetivo diário do telejornal, que, segundo seu editor-chefe, é: “mostrar o que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo naquele dia” (2009, p.117).

FIGURA 9

Exemplo1: Eduardo Campos campeão de votos

Fonte: Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2010/10/psb-elege-dois-governadores-que-obtiveram- maior-percentual-de-votos.htm >. Acesso em: 20 de Outubro de 2011. Imagem da matéria sobre eleição. Do lado esquerdo

Eduardo Campos, Governador de PE e Renato Casagrande, Governador do Espírito Santo. Matéria do repórter 4

Reportagem exibida no dia 04/10/2010. Tempo: 2min: 12seg.

Texto

NO RECIFE, A COMEMORAÇÃO DO GOVERNADOR REELEITO EDUARDO CAMPOS (PSB) FOI AO LADO DOS DOIS CANDIDATOS VITORIOSOS PARA O SENADO: O PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, ARMANDO MONTEIRO (PTB), E O EX-MINISTRO DA SAÚDE HUMBERTO COSTA (PT).

O GOVERNADOR MAIS VOTADO DO PAÍS EM NÚMEROS PROPORCIONAIS TEVE 82,8% DOS VOTOS E PASSOU O DIA DESTA SEGUNDA-FEIRA (4) DANDO ENTREVISTAS PARA EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO. PARA O PRESIDENTE NACIONAL DO PSB, O PARTIDO SAIU MUITO FORTALECIDO DAS ELEIÇÕES. “NÓS CRESCEMOS, ESTAMOS FELIZES COM OS RESULTADOS: TRÊS GOVERNADORES ELEITOS E QUATRO SENADORES. ESTAMOS NO SEGUNDO TURNO EM TRÊS ESTADOS. CRESCEMOS A NOSSA BANCADA FEDERAL, E O PARTIDO GANHA RESPONSABILIDADES MAIORES COM O FUTURO DO PAÍS", AFIRMA EDUARDO CAMPOS.

Em negrito, destacamos as representações sociais que aparecem no texto. Na matéria “Eduardo Campos campeão de votos” o repórter procurou ancorar a eleição do candidato construindo uma imagem positiva e vitoriosa do governador do estado. Na nossa análise, destacamos conceitos e imagens familiares à população, todas carregadas de conotações extremamente positivas: “A comemoração foi ao lado de candidatos vitoriosos, o governador mais votado do país em números proporcionais, passou o dia dessa segunda- feira dando entrevistas, o partido saiu fortalecido...”.

Através dessas expressões e ancoragens, o repórter vai construindo uma representação social coerente e positiva, mostrando que o candidato está trilhando uma trajetória vencedora e de prestígio nacional.

FIGURA 10

Exemplo 2: Apagão

Fonte: Disponível em: <http://g1.globo.com/videos/jornal-nacional/t/edicoes/v/falta-de-energia-prejudica-oito-

estados-do-nordeste/1427807/>. Acesso em: 20 de Outubro de. 2011. Imagem da matéria sobre Apagão em

Pernambuco.

Matéria do repórter 4

Reportagem exibida no dia 04/02/2011 Tempo: 2 min. 52seg.

Texto

COMO EM TODAS AS GRANDES CIDADES, O TRÂNSITO DO RECIFE TAMBÉM FICOU CAÓTICO, COM OS SINAIS DESLIGADOS – PERIGO PARA OS

MOTORISTAS NOS CRUZAMENTOS. NO CENTRO DA CIDADE, OS PASSAGEIROS TIVERAM QUE ENFRENTAR A ESCURIDÃO NAS PARADAS DE ÔNIBUS.

PELA MANHÃ, COM A NOITE MAL DORMIDA, CADA UM TINHA UMA HISTÓRIA DIFERENTE PARA CONTAR. “FOI DIFÍCIL, PAROU TUDO”, REVELA UM HOMEM. “FIQUEI COM MUITO CALOR, MINHA CRIANÇA NÃO CONSEGUIU DORMIR”, RELATA UM SENHOR. “EU NÃO PUDE MAIS FAZER NADA SEM ENERGIA”, DIZ UMA MULHER.

O APAGÃO ATINGIU TAMBÉM O HOSPITAL DA RESTAURAÇÃO QUE TEM A MAIOR EMERGÊNCIA DO NORDESTE. OS GERADORES ENTRARAM EM FUNCIONAMENTO, MAS, MESMO ASSIM, HOUVE MUITA CORRERIA, AFINAL O HOSPITAL TEM 800 LEITOS. ALGUNS APARELHOS ELETRÔNICOS PARARAM DE FUNCIONAR.

O DIRETOR MÉDICO DO HOSPITAL, JOÃO VEIGA, DISSE QUE EM ALGUNS PACIENTES FORAM COLOCADOS RESPIRADORES MECÂNICOS. “TOMARA QUE NÃO ACONTEÇA ISSO DE NOVO, PORQUE FOI MUITO GRAVE ESSE TIPO DE COISA QUE ACONTECE DENTRO DE UM HOSPITAL DESSES. NINGUÉM PREVÊ COM 800 PESSOAS INTERNADAS TER UM APAGÃO DESSES”, AFIRMA.

DURANTE O APAGÃO, HOUVE UMA BRIGA ENTRE OS DETENTOS DO PRESÍDIO ANÍBAL BRUNO. DOIS PRESOS FORAM ESFAQUEADOS, E UM MORREU.

No segundo exemplo, as características de factualidade são ainda mais explícitas e até urgentes, pois o fato ocorrido, o apagão, deixou milhões de pessoas em oito estados do Nordeste, durante horas, sem energia elétrica.

A reportagem ancorou o apagão no Recife revelando, principalmente, os transtornos causados pela falta de luz: “trânsito caótico, perigo, escuridão...” As ancoragens foram todas de conotação bastante negativa devida à gravidade do incidente. O repórter foi construindo uma representação social, mostrando o apagão como uma situação de grande insegurança, relacionada à ameaça a tranquilidade das pessoas, ancorando-o na imagem de caos, perigo,

escuridão, briga, esfaqueamento e morte. Tudo o que há de negativo na imaginação dos telespectadores é ligada à falta de energia provocada pelo apagão.

FIGURA 11

Acusado de assassinar universitário no Recife é julgado

FONTE: Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/06/acusado-de-assassinar- universitario-em-recife-e-julgado.html>. Acesso em: 21 de Outubro de 2011. Alcides do Nascimento,

universitário assassinado.

Nota coberta

Nota coberta exibida no dia 14/06/2011 Tempo: 45 seg.

Texto cabeça

DEVE ACABAR AGORA A NOITE O JULGAMENTO DE UM DOS ACUSADOS DE TER MATADO O UNIVERSITÁRIO ALCIDES DO NASCIMENTO LINS, NO RECIFE, NO ANO PASSADO. FOI UM ASSASSINATO QUE COMOVEU O BRASIL INTEIRO.

Texto

ALCIDES ESTAVA QUASE SE FORMANDO NO CURSO DE BIOMEDICINA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, DEPOIS DE TER SE CLASSIFICADO NO VESTIBULAR, NO PRIMEIRO

LUGAR ENTRE OS ALUNOS DE ESCOLAS

PÚBLICAS. HOJE O TRIBUNAL ESTAVA CHEIO. A EX-CATADORA DE LIXO, MARIA LUIZA DO

NASCIMENTO VESTIU O JALECO DO FILHO ASSASSINADO. O RÉU, JOÃO GUILHERME NUNES DA COSTA É UM DOS ACUSADOS. O OUTRO É

ADOLESCENTE E CUMPRI MEDIDA SÓCIO

EDUCATIVA.

A reportagem do julgamento do acusado de ter matado um estudante universitário no Recife ganhou destaque no Jornal Nacional muito mais pelo fato da vítima ser filho de uma catadora de lixo, como também por ele ter passado, com muito esforço, em primeiro lugar no vestibular de uma Universidade Federal. Os apresentadores, ainda na cabeça, procuraram ancorar o julgamento do réu, enfocando a revolta pelo assassinato de um estudante esforçado e humilde: “Foi um assassinato que comoveu o Brasil inteiro”.

O texto segue ancorando o assunto do julgamento e assassinato com o mesmo enfoque: “Alcides estava quase se formando no curso de biomedicina na Universidade Federal de Pernambuco, depois de ter se classificado no vestibular no primeiro lugar entre os alunos de escolas públicas”. E ainda: “a ex-catadora de lixo, Maria Luiza do Nascimento vestiu o jaleco do filho assassinado”.

Através dessas expressões e ancoragens, o repórter vai construindo uma representação social em que predomina um clima de comoção e revolta. O raciocínio por detrás do conjunto das falas do repórter pode ser resumido com a palavra justiça.

Em nossa análise dos factuais selecionados, constatamos que o enfoque, muitas vezes, extrapola o fato em si. Moscovici (2009) afirma que no processo de construção da realidade estão também os processos ligados à linguagem e à comunicação: “A linguagem explora esse fato com a finalidade de defini-lo, de colocá-lo dentro do fluxo de suas associações e projetá- lo em seu espaço próprio, que é simbólico” (2009, p. 219).

Moscovici (2009) diz: “As palavras não são a tradução direta das ideias, do mesmo modo que os discursos não são nunca as reflexões imediatas das posições sociais” (2009, p. 219). A partir da mídia, em nosso caso, analisando as representações sociais de Pernambuco no Jornal Nacional, estamos buscando algumas pistas de como se dá essa guerra simbólica.