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Considerando a ação sistemática do Estado penal, este trabalho lança mão do conceito de extermínio desenvolvido por Minayo e Neto (1994) para analisar o processo de desconstrução de sentido de vida nas unidades de internação do Distrito Federal. É necessário registrar que a categoria extermínio, ora adotada, não é sinônimo de homicídio, mas decorrente de um processo político, social, ético e moral e expresso por meio de práticas educativas violentas, pela precarização do trabalho, bem como pela inexistência de ação intersetorial como meio de atendimento das prescrições legais. A questão problematizada diz respeito ao extermínio da condição de sujeito dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação, que pode também avançar no sentido do seu extermínio físico, embora tal hipótese não seja alcançada por esta pesquisa.

Minayo e Neto (1994), ao discutir o extermínio como violentação e banalização da vida, apontam-no como fenômeno político, dotado das sete características descritas a seguir:

1. O extermínio é parte de um projeto político de grupos que selecionam camadas da sociedade a serem eliminadas, expulsas ou circunscritas, sob a definição do que é justo e injusto, legal e ilegal, legítimo e inútil, segundo uma ideologia construída.

2. As vítimas preferenciais do extermínio se expressam em segmentos e camadas que se tornam insuportáveis aos exterminadores. Os autores tomam como exemplo os judeus, cujas características culturais de raça, associadas aos atributos de classe, os expuseram como alvos da ação exterminadora nazista.

3. O extermínio é um ato político, intencional.

4. O extermínio se constrói com base na ideia de limpeza social imposta por um poder central, que busca promover o bem coletivo. O grupo executor se apresenta diante de suas vítimas como superior, detentor da verdade, do poder de justiça, e acima da legislação.

5. O extermínio é perpetrado por meio da tortura e do sequestro das vítimas. Os autores ressaltam que o terror tem sido identificado como a pedagogia adotada para a

realização do extermínio. Referem-se a Arendt (2012) para alertar que a tortura precedeu e cercou todo o regime nazista.

6. O processo do extermínio está associado à desumanização das relações e das ações sociais, em que a vida e a morte são tratadas como descartáveis e funcionais. Trata-se da filosofia da banalização da vida, que contamina a massa, incluindo os alvos de extermínio e seus executores.

7. É necessário que o movimento totalitário de extermínio se aproprie de um aparato militar ou paramilitar. Tal força, além das armas materiais, detém elementos ideológicos que justificam seus atos como positivos, e executados em nome do bem coletivo nas diversas sociedades.

Minayo e Neto (1994, p. 6-7) afirmam que, em geral, o processo de extermínio se repete nas sociedades de forma semelhante, e sugerem a seguinte questão para reflexão: ―[...] o que levaria as sociedades, em determinado momento de sua história, a perpetrar o extermínio?‖ Para compreender a dinâmica do extermínio da condição de sujeitos de direitos, partiu-se, neste trabalho, da compreensão de que a ausência de acesso aos direitos individuais e a uma educação fundada na liberdade e no reconhecimento da infância como momento peculiar de desenvolvimento reporta-se à discussão realizada por Minayo e Neto (1994) e bem discutida por Arendt (2012) em relação ao nazismo e ao processo de extermínio a que foi submetido, especialmente, o povo judeu. À luz de tais referenciais políticos e históricos, entende-se que se encontra em construção, no interior das instituições totais, aqui exemplificadas pelas unidades de internação do Distrito Federal, a legitimação do extermínio da condição de sujeito de direitos dos adolescentes e jovens em medida socioeducativa, caracterizando-se, assim, uma nova fase do menorismo.

O atendimento prestado aos adolescentes e jovens internos em instituições de cumprimento de medida socioeducativa tem se revelado, historicamente, alvo de muitas denúncias de práticas fundadas na violência e na força. Os registros de maus-tratos impostos pelos agentes públicos aos internos são identificados em diferentes períodos da história da infância e da adolescência no Brasil. Com base em tais fatos, avalia-se que a transição da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral ainda é um processo em construção. Nesse sentido, justifica-se a pretensão de examinar as práticas educativas nesse contexto, por entender que o fato de permanecerem

fundadas na violência leva ao extermínio da condição de sujeitos dos adolescentes em internação.

No Brasil, o atendimento do adolescente e jovem autor de ato infracional, especialmente na medida de internação, tem sido marcado pelo uso da violência, sob a justificativa pedagógica da sua (res)socialização. A institucionalização de menores de idade considerados ameaçadores da ordem social e em situação irregular marcou os Códigos de Menores brasileiros de 1927 e de 1979. No entanto, desde a Constituição Federal de 1988, regulamentada em 1990, com a promulgação do ECA, a concepção jurídica alterou radicalmente as diretrizes do atendimento dirigido aos adolescentes e jovens autores de atos infracionais, que passaram a ser considerados sujeitos de direitos, em situação peculiar de desenvolvimento, e com prioridade absoluta. A estrutura de atendimento, que envolve os recursos materiais, físicos e humanos, deveria assumir outra configuração e requerer novos investimentos públicos para seu reordenamento institucional.

Entretanto, apesar das mudanças legais, após 25 anos de vigência do ECA, o sistema de atendimento socioeducativo tem sido alvo de mudanças tímidas no que diz respeito tanto à adequação das bases físicas de atendimento quanto às práticas educativas estabelecidas entre os socioeducadores e os adolescentes internos. As instalações prediais, em geral, ainda não foram adaptadas ao novo modelo de atendimento, predominando unidades físicas que se assemelham a prisões de adultos, distantes da proposta inovadora do ECA e Sinase, que as denomina como estabelecimentos educacionais. Associada à precária estrutura física, aponta-se a continuidade da ação pautada na cultura da repressão, tão cultivada durante o período em que vigorou a legislação menorista. Como antes, são diversas as denúncias de exercício da autoridade pública no trato com os internos, por meio de práticas violentas. O Distrito Federal, em especial, tem sido uma unidade da Federação com registros frequentes de maus-tratos contra adolescentes em suas unidades de internação.

Estudos e levantamentos realizados por organizações públicas que integram o SGD, distritais e nacionais — marcadamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pela Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CDHCEDP-DF), e pela Frente Parlamentar Mista de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (FPMDCA-CF) da Câmara Federal, além dos pareceres dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS-DF) e Psicologia (CRP-DF), e

Organizações de Defesa de Direitos —, em geral, revelam a inadequação das unidades de atendimento e a ausência de serviços de proteção básica, além da ocorrência sistemática de práticas violadoras de direitos.