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5. SEMELHANÇAS ENTRE OS ARGUMENTOS DA PRODUÇÃO ACADÊMICA

5.2 A categoria Internet

As discussões sobre a Internet na Comissão Geral foram utilizadas com o intuito de contextualizar, justificar ou questionar trechos específicos do projeto de lei do Marco Civil da Internet. As discussões sobre a Internet podem ser separadas em duas linhas de argumentação. A primeira consistiu em fazer a discussão sobre os pilares da Internet, trabalhar a distinção em relação à banda larga, vincular direitos sociais à Internet, e enfatizar características de recursos livres, liberdade e diversidade de conteúdo, de modo a valorizar a arquitetura e os princípios dessa rede. Essa linha utilizou argumentos semelhantes aos trabalhados por Lessig e Wu, do bloco dos pesquisadores defensores da neutralidade de rede.

A segunda linha de argumentação observada nas discussões sobre a Internet na Comissão Geral foi relacionada à regulamentação. Assim como os pesquisadores mais influentes sobre a neutralidade de rede se polarizam em dois blocos, contra e a favor da regulamentação, os participantes da Comissão Geral também se dividiram. Mais uma vez foram identificadas semelhanças entre alguns argumentos utilizados nessas duas situações.

A estratégica utilizada pelos defensores da neutralidade de rede, de remeter às premissas da Internet para contextualizar a defesa desse princípio, também foi utilizada por diversos oradores da Comissão Geral que tinham o mesmo propósito. Por exemplo, foram citados por membro do setor de provedores de aplicações89 como pilares da Internet a

privacidade, a segurança, e a neutralidade da rede (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013c, p. 37), esta última sendo vista pelo relator do projeto do Marco Civil da Internet90, inclusive,

como um fator determinante para termos a Internet que conhecemos atualmente (Ibid., p. 130).

Utilizando argumentos muito semelhantes ao do pesquisador Lessig, foi abordada por representante de entidade vinculada à academia91 a característica livre da Internet (Ibid., p.

75), e sua relação com a capacidade de inovação, à liberdade e diversidade de conteúdos, e aos direitos sociais (Ibid., p. 75). Aliás, a vinculação entre Internet e direitos é uma das

89 Ludovino Lopes, Presidente da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. 90 Deputado Federal Alessandro Molon, PT/RJ.

tendências de Wu. Nessa mesma linha, representante da sociedade civil92 destacou que era o

relacionamento entre a Internet e os direitos sociais que ampliava a importância dessa rede (Ibid., p. 70), por meio do entendimento que essa plataforma tecnológica havia se tornado essencial para prover e garantir cidadania. Por isso, foi enfatizada a distinção da Internet em relação à banda larga (Ibid., p.70), ressaltando-se a abrangência daquela para além de um negócio, por ser, de acordo com um parlamentar93, uma plataforma de conhecimento e

informação (Ibid., p. 158). Portanto, segundo ativista da sociedade civil94, a Internet não

deveria se limitar à banda larga. Ela seria maior do que isso. Limitar o entendimento da Internet a uma rede de telecomunicações resultaria em um retrocesso para o desenvolvimento tecnológico do País e para a inovação (Ibid., p. 126).

Grande parte (68%) das notas da categoria Internet se concentram na subcategoria regulação, focadas nos embates sobre o Marco Civil da Internet. Por exemplo, o governo95

usou a Comissão Geral para esclarecer os principais objetivos da regulação da Internet por meio do Marco Civil da Internet: fornecer parâmetros para a discussões legislativas e judiciárias sobre a Internet, definir os direitos e garantias do usuário da Internet, assim como responsabilidades dos diversos atores que atuam na rede (Ibid., p. 78-79). Também trataram dos objetivos do Marco Civil da Internet membro da academia96, ao ressaltar sua importância

para garantir que a Internet continue livre (Ibid., p. 114), assim como representante da sociedade civil97, que complementou os objetivos com a garantia de direitos e interesses

públicos na Internet, que segundo ele não deveriam se submeter aos interesses das corporações privadas. Dentre esses direitos, o direito à comunicação (Ibid., p. 84). Já de acordo com representante de entidade de governança da Internet98, os pilares da Internet

estariam presentes no Marco Civil da Internet: neutralidade, privacidade e segurança jurídica (Ibid., p. 61).

Os argumentos contra à regulação da Internet, por meio do Marco Civil da Internet, seguiram três linhas de raciocínio: a redundância dessa regulamentação, o dinamismo do mercado, e a intervenção estatal no mercado. Em relação à primeira, o Deputado Federal Nelson Marchezan Junior, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB/RS), alegou que o Marco Civil da Internet era desnecessário, pois todos os direitos que ele visava garantir

92 Flávia Lefevre Guimarães, representante da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – Proteste. 93 Deputado Federal Domingos Sávio, PSDB/MG.

94 Marcelo Branco, ativista do software livre.

95 Marivaldo de Castro Pereira, Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

96 Fernando Marrey Moncau, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. 97 Pedro Ekman, do Intervozes.

já estariam protegidos pela Constituição Federal brasileira (Ibid., p. 184). Em relação ao mercado, Deputado Federal Eduardo Cunha, PMDB/RJ, alegou que a regulação da Internet seria um empecilho a sua evolução (Ibid., p. 8). Esse mesmo parlamentar compreendia que o Marco Civil da Internet, e em especial a neutralidade de rede, era um intervencionismo do Estado no mercado, que acabaria levando o repasse do aumento de custos para os usuários (Ibid., p. 17). Também para representante das operadoras de telecomunicações99 o Marco

Civil da Internet extrapolava a definição de princípios e possuía um caráter intervencionista que afetava os modelos de negócios e a gestão da rede pelas operadoras de banda larga (Ibid., p. 120).

Por fim, foram citados alguns cuidados que a regulação da Internet por meio do Marco Civil deveria observar. Membro de entidade de provedores de aplicações100 ressaltou a

necessidade de contínua atualização do Marco Civil da Internet, após sua aprovação, de modo a acompanhar o progresso tecnológico, econômico e digital (Ibid., p. 38). Para os outros participantes evitar a pormenorização seria fundamental para nesse tipo de regulação. Por exemplo, para representante de empresa de TIC101 os princípios do Marco Civil da Internet

deveriam ser genéricos para não impedir ou dificultar a inovação na Internet (Ibid., p. 31). Outro representante desse setor102 reforçou que o Marco Civil da Internet deveria ser uma

carta de princípios, não entrando em detalhes cujo avanço da tecnologia torná-los-ia defasados (Ibid., p. 112). Nesse sentido, representante da sociedade civil103 enfatizou que modelos de

negócios não deveriam ser tratados em uma carta principiológica como Marco Civil da Internet (Ibid., p. 106), entendimento compartilhado pelo relator do projeto, Alessandro Molon, do PT/RJ (Ibid., p. 140).