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Posicionamento sobre a neutralidade dos pesquisadores

3. QUE PESQUISADORES INFLUENCIAM A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE

3.1 Posicionamento sobre a neutralidade dos pesquisadores

Este subcapítulo trata de forma breve sobre o posicionamento deste estudo a respeito da neutralidade dos pesquisadores, baseado, em especial, na reflexão sobre a possibilidade de se neutralizar influências axiológicas nas pesquisas sociais. A discussão sobre a objetividade dos pesquisadores remonta ao início do século XX, quando Max Weber (1999) escreveu artigo sobre a objetividade do conhecimento nas ciências sociais e políticas. Ali foi proposta a divisão entre a prática das ciências sociais e a avaliação moral, colocando-se a abstenção de juízos de valor (normas políticas, econômicas, morais ou outras) como condição para garantir a objetividade do conhecimento científico, limitando-o à função explicativa.

[...] a questão da neutralidade axiológica aparece como um limite para atividade crítica da ciência, que pode mostrar ao indivíduo os valores últimos que os movem, mas não pode enunciar nada sobre a validade desses juízos, isto é, não pode emitir juízos de valor sobre os próprios juízos de valor a que se refere. (WEISS, 2012, p. 120).

Todavia, esse entendimento weberiano sobre a neutralidade do pesquisador não passou incólume às críticas, baseadas no entendimento de que a atividade científica não é intocável. Ela seria inerentemente uma atividade humana e social, impregnada de ideologias, juízos de valor, argumentos de autoridade e dogmatismos ingênuos (JAPIASSU, 1975, p. 24-25). Assim, a ciência por ser um produto humano, estaria sujeita às vicissitudes da ação social, não estando isenta de valorações e ideologias. Portanto, para Premida & Neves (2009, p. 11), “tanto histórica, social e cognitivamente, a neutralidade, a objetividade e a autonomia são atributos mais abstratos e relativos, do que concretos, na atividade científica”.

Historicamente, os pressupostos axiológicos estariam presentes nas origens das disciplinas, condicionadas pelo contexto cultural em que surgiram. Isso porque a delimitação do campo de estudo das disciplinas pressupõe a seleção do que pode ser objeto de estudo e da perspectiva a ser aplicada na investigação científica, e essas definições envolvem valorações (JAPIASSU, 1975, p. 37-38).

Ademais, há que se ressaltar que a ciência pode estar a serviço, por meio da delimitação e incentivo de seus fins, de interesses econômicos, corporativistas, técnicos, políticos, sociais, dentre outros. Por isso, segundo Japiassu “o dogma da racionalidade científica e o da neutralidade axiológica não passam de miragens mantidas a serviço de escolhas políticas ou ideológicas” (JAPIASSU, 1975, p. 46-47). Afinal, a ciência pode constituir sentido para um modo de vida, assim como para o estabelecimento de coerência de princípios capazes de explicar aspectos da realidade, da interação social e de modelos de comportamento (PREMIDA & NEVES, 2009, p. 12).

Em termos estruturais, a neutralidade científica possui duas premissas que são questionadas: a) a dicotomia entre o fato e o valor; b) a disjunção entre meio e fim. Em relação a esta, há que ressaltar que a adequação do meio é julgada conforme o fim. Por isso a distinção entre meio e fim é superficial. Somando-se a isso o fato de que em relação ao fim a neutralidade não é isenção, mas tomar posição, os meios estariam condicionados às posições. Já em relação à dicotomia entre fato (aquilo que é) e valor (aquilo que deve ser), apesar de, teoricamente, não existir uma relação causal ou de dependência entre ambos, na prática é difícil distinguir o fato do valor, pois, de modo geral, só é dada atenção ao fato que é valorado. Aquilo que não tem valor passa desapercebido (JAPIASSU, 1975, p. 41-42).

Assim, nas ciências humanas não seria vedado aos cientistas propor soluções ou fazer avaliações. Aqueles que optam por abster-se de qualquer juízo de valor estariam sendo, segundo Japiassu, “infiéis a sua resolução, quer porque se tornam vítimas de instintos, de simpatias e antipatias incontroladas, quer porque consideram como verdade científica a doutrina que triunfa no momento ou que tende a impor-se” (Ibid.,1975, p. 31). Afinal, não se discutir os fins da sociedade poderia acabar por justificá-los.

Em termos práticos, os pressupostos axiológicos estariam presentes em pelo menos seis momentos do cotidiano do pesquisador: a) a escolha do tema (a importância dada ao tema); b) a seletividade da abordagem (definição do contexto teórico e elaboração de hipóteses); c) a possibilidade de valores como objeto; d) a desfiguração ideológica (tentativa de fazer passar por colocações científicas posições valorativas pessoais); e) a aplicação da ciência à prática (o grau de determinismo que se dá à teoria); f) a função social do pesquisador

(a tomada ou não de posições – reiterando que não tomar posição também pode ser uma posição (JAPIASSU, 1975, p. 38-40). Portanto, pressupostos axiológicos interferem no processo explicativo, levando inclusive à adoção ou rejeição de determinadas hipóteses explicativas (Ibid., p. 38-39).

Em síntese, a noção de objetividade dos cientistas, baseada na crença da abstração da subjetividade, e isolamento de preconceitos, ideologias e paixões, não possuiria suporte epistemológico (JAPIASSU, 1975, p. 44). Tampouco seria possível o isolamento dos valores e das ideologias da prática das ciências sociais. Por isso nenhum cientista social poderia se dizer neutro, pois no mínimo, em sua prática de pesquisa, ele daria preferência a um ou outro tema, assim como ênfase a uma ou outra explicação, do espectro de temas e explicações possíveis.

A verdade científica pode saltar do contexto de sua produção e se relacionar com outros saberes e outras verdades sociedade afor a. É desta forma que os discursos são construídos, conectando verdades isol adas (produzidas em contextos estritos) para dar-lhes sentidos abrangen tes (em contextos maiores), de maior efeito social, político e cultur al (PREMIDA & NEVES, 2009, p. 12).

Contudo, a presença dos pressupostos axiológicos não impede que as ciências sociais cumpram seu papel científico. Isso porque as relações de fato podem ser determinadas objetivamente através da experiência, independentemente da adoção deste ou daquele pressuposto axiológico (JAPIASSU, 1975, p. 38).

Face ao exposto, este estudo parte da premissa de que os pesquisadores em ciências sociais, inclusive as aplicadas, carregam para o bojo de sua produção científica questões valorativas próprias de sua vivência pessoal, acadêmica e socioeconômica que acabam por afetar o processo de análise e desvelamento inerente à atividade científica. Esse é olhar que foi lançado neste estudo sobre os pesquisadores e suas produções acadêmicas relacionadas à neutralidade de rede, resultado do entendimento de que da mesma forma que eles influenciam eles foram influenciados, e da compreensão que as produções acadêmicas, assim como as repercussões das publicações, são frutos de um sistema pré-estabelecido, impregnado de valores e ideologias.

Portanto, conhecer o campo de atuação dos pesquisadores mais influentes sobre a neutralidade de rede expõe os pressupostos axiológicos vinculados às disciplinas desses campos. Um pesquisador vinculado à economia tem uma perspectiva diferente de um

pesquisador que atua no campo do direito, que também possui valores e pontos de atenção diferentes de um pesquisador cuja ênfase é a engenharia, e assim por diante.

Além disso, a prática da ciência implica em custos. A produção de conhecimento por meio das pesquisas é uma atividade que necessita ser financiada. O financiamento pode estar vinculado a um interesse público, assim como a um interesse privado. Por isso, a informação sobre a entidade de vínculo de determinado pesquisador pode revelar também as origens do financiamento da pesquisa, e consequentemente, os interesses econômicos, corporativistas, técnicos, políticos e sociais por detrás desse financiamento.

Assim, no subcapítulo seguinte são apresentadas informações básicas sobre os pesquisadores, que podem auxiliar a compreensão sobre as abordagens, ênfases e posicionamentos aplicados ao tema neutralidade de rede.

3.2 Os pesquisadores mais influentes na produção acadêmica sobre a neutralidade de