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A categoria de Libertação como fundamento da práxis (na Filosofia), como base diferenciada para o pensamento/ação pedagógicos

Se buscarmos o conceito de libertação ―em estado de dicionário‖, veremos que a palavra implica em ―libertar-se de amarras‖, isto é, acenando para o sentido de ―soltar‖, permitir agir conforme suas próprias inspirações, objetivos, determinações, enfim, de um encontro de sentido às próprias necessidades percebidas e requeridas em determinados contextos, impasses, fruição de valores, assim por diante. Vale dizer: algo que vai além da liberdade de ação, para o encontro de sentido da própria liberdade como condição primeira da própria ação humana, seja ela qual for e em qual campo acontecer: na arte, literatura, ciência, ensino, moral, ação política... Para

usarmos uma alegoria muito conhecida, trata-se, permanentemente, de algo muito próximo da ―alegoria da caverna‖, do Livro VII, de A República, de Platão, (aqui citado de memória) que implica em estratégias e estágios da própria aprendizagem, via de regra dolorida, dos caminhos de libertação, isto é, a saída da situação cômoda da caverna.

Mas quem se liberta?

Deus ―não precisa‖ de libertação, se, em tese, sintetiza a liberdade plena – mesmo o Deus ―apenas‖ como produção da mente humana. Os animais, tampouco ―precisam‖ da libertação, por vários motivos; primeiro é porque não articulam o sentido das coisas para suas ―estratégias‖ de vida, que não os possuem, quanto sabemos, de forma que o resto dos argumentos tornam-se indispensáveis, por conta da ausência desse primeiro motivo. As plantas, mesmo no teor de ―sensibilidade‖ ao que as rodeiam (calor, frio, falta ou excesso de água, etc.) também ―não se libertam‖; menos ainda os seres inanimados: as pedras, etc. Assim, libertação é um problema dos seres humanos. De qual ser humano? Do ser humano situado. E, uma vez postulada em suas práticas e teorias, a libertação vira discurso: na cultura, na arte, na literatura, (sobretudo na poesia), no próprio senso comum, hoje em processo de revalorização, nos movimentos sociais, na Filosofia ou nas ciências: Teologia, Psicanálise, (em suas respectivas terapias e análises), Política, Pedagogia...

Dito isso, fica de pé que a categoria de libertação (genuinamente humana) perpassa modos de acontecimento e caminhos (metodologias) alternativos nos respectivos campos da ação dos homens. Não há, portanto, libertação apenas tomada abstratamente, mesmo que essa necessite se transformar em discurso fundante da sua ―práxis‖ (categoria que aprofundaremos mais adiante). O discurso, entendido nesse caso como estratégico à ação humana. Em sendo discurso, cumpre vasculhar essa categoria a partir de escolhas, também estratégicas.

Assim sendo, uma vez que o conceito de Liberdade ocupa um lugar de centralidade na postulação de uma Ética que fundamenta a Modernidade - nascedouro da Ciência Moderna, de onde a Pedagogia também extrai seu estatuto epistemológico – ela, Pedagogia, também fruto de uma razão que prometera libertar o homem, tornou-se refém (como as outras ciências particulares) da

instrumentalidade da razão – como nos asseguraram, de modo pioneiro, os mentores da Teoria Crítica, da Escola de Frankfurt: Adorno, Habermas, entre outros. Ou seja, se está posta a necessidade de dar um significativo passo além do conceito moderno, iluminista, de Liberdade para o conceito de Libertação, também a Pedagogia precisa ser libertada, no programa geral de libertação humana. Trata-se de uma travessia que, sozinhas, as pedagogias não dão conta, somente em postulações teóricas de quem as pensa, mesmo nas chamadas pedagogias críticas (ou autocríticas). Por quê? Porque, uma vez que o programa de libertação (dos desvios da Razão instrumentalizada pelo capitalismo) é um programa de sujeitos, dentre eles, os que ―sofrem‖ ou tentam reinventar a práxis pedagógica em seus respectivos contextos, aos respectivos sujeitos cabem a atribuição de perseguir tal intento. Portanto, as pedagogias não se reinventam sozinhas sem ser uma fundamental ação de sujeitos que se libertam, de uma forma ou de outra, mas sobretudo quando proclamam a ―saída da caverna‖ da razão instrumental, por exemplo, nas pedagogias marcadamente tecnicistas ou puramente adaptativas a pensamentos e estratégias de ação educacional não pensadas pelos sujeitos sociais que lhe dizem respeito diretamente.

Assim, ao questionarmos a razão moderna, a favor dos sujeitos sociais a serem libertados, carece lançarmos mão de uma Ética que dê conta da libertação (das próprias amarras da Modernidade). Daí conclui-se que Ética e Libertação surgem nas reflexões dos pensadores atentos a uma revisão da modernidade como espécies de irmãs siamesas – por exemplo, no título que dá nome a uma das obras de Enrique Dussel: Por uma Ética de la Liberación Latinoamericana. - embora o empenho teórico de Dussel não se restringe ―apenas‖ à crítica da modernidade, como foi o foco central dos frankfurtianos. Daí, em consequência natural do que estamos aqui reivindicando, o binômio inseparável: (a) Pedagogia da (b) Libertação, numa de suas vertentes, trazidas por nós aqui como uma Pedagogia radicalmente questionadora da própria tradição pedagógica moderna. E se uma Pedagogia da Libertação é tributária de uma Ética da Libertação, uma vez que filosofar é, no limite, construir uma Ética, preferencialmente que liberte os sujeitos, Filosofia da Libertação e Pedagogia Libertadora andam aos pares, desde o momento em que questionamos as bases epistemológicas da própria Pedagogia, como o vimos no capítulo 2.

Portanto, o percurso que fizemos, foi em função do aonde chegar, no atual capítulo, ou seja, a um exame mais atento da categoria de Libertação, tendo em vista a proposta de aproximação entre Dussel (Filósofo da Libertação) e Freire (Educador ou Pedagogo da Libertação). Sem esse voo categorial de base não há como aproximar os dois pensadores, em suas respectivas áreas de pensamento e ação, tampouco questionar sobre qual Pedagogia aqui nos interessa, em seu fundamento ético (da libertação) para o avanço posterior de nossa pesquisa: a verificação do uso de ambos na academia, da presença qualiquantitativa de ambos.