• Nenhum resultado encontrado

O campo conceitual e as instituições educacionais: de volta às fronteiras (epistemológicas e práxicas) entre educação formal, não formal e informal

Até aqui, ficou patente que nos preocupamos em trazer o nosso tema para dentro do paradigma moderno – ou dos paradigmas científicos modernos em suas ―fases‖, conforme Mourão nos lembrou –, revolvendo conceitos como a da própria Ciência (moderna), Ciência e/ou Ciências da Educação.

Se trouxemos a questão da escola que serviu a tal paradigma, com evidentes problemas de fronteiras ou, mesmo, de rupturas, defrontamo-nos com um novo fenômeno que cresce em nosso dias: o crescimento da educação não formal e sua exigência de interpretações, com ou sem conflitos de fronteiras. Ela acontece, cada vez mais fora da escola, mesmo em seu entorno, por exemplo, no aprendizado de uma infinidade de ofícios que passam de pais para filhos ou em atividades comunitárias de fins de semana, fora de aulas ―normais‖ – leia-se: da lista de disciplinas curriculares, grades, sistema de notas etc.

Uma profusão de noções ainda reina num caudal de palavras em torno desse neologismo, ainda carente de uma varredura conceitual, típico dos fenômenos histórico-culturais à espera de interpretação. O que está em pauta é a necessidade natural de um consenso, pelo menos aproximado, para a(s) Pedagogia(s). As noções são multiformes: educação formal, escolar, institucional, oficial, não formal, extraescolar, informal, sistemática, assistemática, entre outras. Aqui também o problema de fronteiras não é tão cristalino, e precisamos ter o cuidado de não recairmos em simplificações.

Façamos uma pequena digressão dessas noções, pelo menos em função do binômio que colocamos no título: educação formal e não formal29.

Em primeiro lugar, do ponto de vista semântico, da palavra ―em estado de dicionário‖ (expressão do poeta Carlos Drummond, citado de memória), em geral os dicionaristas a reduzem a educação formal ao ensino curricular da escola – ou da

29

Nesse naipe de modalidades, vamos centrar nossa atenção apenas na dialética formal e não formal. Mesmo a modalidade de educação tida como informal, nós a subscreveremos como não formal, dado esse contraponto aqui posto. O que interessa, mais uma vez, é a interpretação de seu lugar social e do serviço (ou desserviço) que presta aos sujeitos sociais que delas necessitam.

universidade. Até aí, tudo bem, mas permanece o desentendimento em torno de seus correlatos.

Os autores Jorge Luis Sacramento de Almeida e Luiz César Magalhães, da Universidade Federal da Bahia, num artigo resultante de pesquisa realizada nos terreiros de candomblé, a respeito do tema, apresentam uma nota elucidativa dessas noções nos dicionários, em Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Antônio Houaiss:

Para Ferreira, ―formal é relativo à forma. Que não é espontâneo; que se atém às fórmulas estabelecidas; convencional‖ (FERREIRA, 1986, p. 800). E informal significa, ainda segundo o mesmo autor, ―destituído de formalidade‖ (op. cit., 1986, p. 944). Para Antônio Houaiss ensino formal significa: feito em estabelecimento de ensino, cumprindo a sequência e os programas escolares acadêmicos (HOUAISS, 2001, p. 1373). E informal quer dizer: não-formal; que se caracteriza pela falta de formalidade (op. cit. p. 1615 apud MAGALHÃES e SACRAMENTO, p. 2).

Pelo que se nota, a noção de não formal e informal se confundem quando relacionadas ao confronto com a educação escolar ou institucionalizada.

Mas o que dizer, do ponto de vista da legislação, quando essa educação formal não se dá na escola – a do sistema e estrutura educacional? Por exemplo, na formação que se dá em autoescolas (hoje transformadas em ―escolas de formação de condutores‖)? Elas implicam em um currículo até que ponto? E até que ponto essa formação responde, de fato, às exigências de uma ―educação como bem do cidadão‖? Aprender a dirigir, só do ponto de vista da máquina (automóvel, caminhão, moto etc.) e da legislação, ―educa‖ o motorista?

Os autores supramencionados, questionando a oficialidade da educação escolar, também lembram a obra do antropólogo Roberto DaMatta, ao fazer uso do binômio ―educação real–educação ―irreal‖, e vão direto aos limites da própria escola (a do sistema educacional), garantidora, por excelência da educação formal, curricular.

Outra possibilidade de apresentar estas distinções seria através das categorias mais gerais de educação ―oficial‖ e ―real‖. Nos livros O que faz o brasil, Brasil? (1984) e Carnavais, malandros e heróis (1997) o antropólogo Roberto DaMatta utiliza os termos ―oficial‖ e ‖real‖ para descrever o enorme distanciamento entre a realidade das ruas, das

casas, dos saberes populares, enfim, do cotidiano das pessoas, e a realidade das instituições, das leis, dos dados oficiais. (op. cit. p. 3)

Tal lembrança nos remete tanto aos ofícios que passam de pais para filhos – e os autores se referem aos aprendizados de observação, da criança, desde cedo, até sua incorporação no campo do aprendizado da música. Lançam mão da noção de Vigotski de ―Zona de Desenvolvimento Proximal‖ (ZDP) na pesquisa que realizam e lançam mais luzes sobre a necessidade de compreensão de um processo de ensino-aprendizagem que nem sempre a formalidade da escola garante, haja vista o pequeno número de professores formados em músicas atuando nessa área, nas próprias escolas. O mesmo podemos dizer do estudo de línguas estrangeiras, cursos de curta duração, cursos e atividades que envolvem a comunidade, aprendizados no campo da cultura de raízes, como culinárias e tantos outros, que envolvem setores extraescolares, como ONGs, estas cada vez mais presentes como coadjuvantes das escolas.

Os exemplos acima envolvem outra questão: a da educação quando é não formal, mas institucionalizada e organizada. Isso significa afirmar que, para ser não formal, portanto aceita em seus objetivos, metodologias e estratégias, não precisa ser algo instituído ao arrepio da lei. Vale dizer: legalizadas, mas fora do contexto organizacional da escola. Isso põe de cara o problema da institucionalidade da educação escolar, a reclamar, cada vez mais, uma flexibilidade em sua própria organização curricular, como equipamento social encarregada de oferecer esse ou aquele aprendizado.

Ainda com o inestimável apoio dos dois autores acima, estes lembram o pedagogo José Carlos Libâneo, na tentativa de continuar clareando as fronteiras entre o formal, não formal e informal, um pesquisador de ponta no campo da Educação escolar e das Didáticas:

A educação formal compreenderia instâncias de formação, escolares ou não, onde há objetivos educativos explícitos (...). A educação não formal seria a realizada em instituições educativas fora dos marcos institucionais, mas com certo grau de sistematização e estruturação. A educação informal corresponderia a ações e influências exercidas pelo meio, pelo

ambiente sociocultural, e que se desenvolve por meio das relações com os indivíduos. (Libâneo, 1999, p. 23 apud MAGALHÃES e SACRAMENTO, p. 3)

Mas é a autora Maria da Glória Gohn (2005; 2006) que, a nosso ver, traz o conceito de educação não formal para um campo de especificidade social, para além das questões de fronteira apenas organizativa, sistemática ou jurídica. Vale dizer, em artigo da revista Ensaio: ―Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas, colegiadas nas escolas‖, ao traçar um paralelo com a educação formal, confere a ela um conteúdo de ―cidadania participativa‖ e de ―cotidianidade‖ e ―praticidade‖ – mais nos termos de uma práxis do que de um mero pragmatismo de programas educacionais –, portanto, que preenche em muito as lacunas deixadas pela educação formal, malgrado sua importância.

Quando tratamos da educação não-formal, a comparação com a educação formal é quase que automática. O termo não-formal também é usado por alguns investigadores como sinônimo de informal. Consideramos que é necessário distinguir e demarcar as diferenças entre estes conceitos. (GOHN, 2006, p. 28)

E segue, demarcando seus campos de atuação:

A princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvimento: a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela que se aprende "no mundo da vida", via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. (p. 28)

2.3 O campo social: fronteiras entre educação formal e não formal frente à