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5. CODIFICAÇÃO

5.1. CODIFICAÇÃO ABERTA E AXIAL

5.1.3. Categoria: mídias de transmissão

Bolter e Grusin, em sua obra Remediation: Understanding New Media (2000), falam sobre o processo de remediação de uma mídia como algo que acontece a partir de sua formação ou da reformação (refashioned) das mídias antecessoras àquela. Ou seja, uma nova mídia, de maneira geral, é, na verdade, uma mídia antiga reformulada. Ao falar de jogos, é necessário voltar à discussão do primeiro capítulo deste trabalho, onde foi determinado que jogos são mais antigos do que a própria sociedade humana. Porém, foi dentro das comunidades humanas que os jogos ganharam diferentes significados. Alguns jogos se tornaram o que conhecemos por jogos olímpicos, esses têm a alcunha de esporte, e ainda são capazes de representar muito mais do que uma competição, são de fato um evento, um acontecimento célebre, tem um significado social que vai além do jogo em si.

Outros jogos, no entanto, permaneceram na informalidade. Alguns desses viraram brinquedos, formas de passar o tempo, outros até surgiram como forma de competições amistosas. Com a evolução tecnológica, alguns desses jogos deram origem aos vídeo games, intimamente ligados à televisão, pois:

Os vídeo games são reproduzidos em um aparelho de televisão reutilizado, em que uma unidade de controle anexada transforma a tela em um meio diferente. Esses sistemas de vídeo games constituem uma mercadoria diferente das transmissões de programas de televisão - uma destinada a um grupo particular [...] e embalada e paga de maneira diferente. As unidades de jogo interrompem a transmissão da televisão para oferecer um tipo de entretenimento cujas características incluem [...] a interação fortemente acoplada entre o jogador e a tela. Pelo menos para a audiência de jovens usuários, a interatividade é uma melhoria em relação à televisão convencional. Embora o controle remoto para um grupo convencional permita que o espectador apenas mude canais, reduza o som e faça outras alterações relativamente menores no fluxo de vídeo, os joysticks, os teclados e as trackballs dos jogos remodelam e ampliam o senso de controle do jogador. Os vídeo games, bem como o árcades e os jogos de computador, continuam a

mostrar a influência da televisão convencional. (BOLTER; GRUSIN, p. 91-92, 2000, tradução nossa)117

Aqui entram outros dois conceitos importantes para a compreensão total do processo de remediação, a mediação instantânea (immediacy) e a hipermediação (hypermediacy). A primeira está associada a uma ideia de transparência. E essa, geralmente, é alcançada por mídias imersivas, como aparelhos de realidade aumentada; mas, também, pode estar presente em outras mídias como parques temáticos, por exemplo os parques da Disney. O objetivo principal da mediação instantânea é sempre fazer com que o observador tenha acesso ao conteúdo da mídia sem sentir a mediação da mesma (BOLTER; GRUSIN, 2000).

Se a primeira prima pela transparência, a hipermediação busca a opacidade. Ou seja, os dois conceitos se apresentam como opostos. Na hipermediação, o observador tem a total consciência de que o que ele está observando está sendo mediado. Ela oferece um espaço dividido em janelas, como, por exemplo, um portal de notícias, onde se tem vídeo, anúncios, fotos e matérias desconexos e organizados em um único espaço (BOLTER; GRUSIN, 2000).

A interação do digital traz para o usuário a ilusão de instantaneidade, a sensação de poder fazer mais, escolher mais, determinar o que vai acontecer; ele não é mais apenas um espectador, ele pode interagir e definir a história. Mas o que acontece se o jogador decide voltar ao papel de espectador? Não por alguns minutos, não “enquanto não é a minha vez de jogar”, mas ativamente o jogador decidir que quer apenas assistir ao jogo. Seria o ponto onde o jogo digital – agora esporte eletrônico – passa a ser consumido como o jogo esportivo? Alguns podem dizer que sim, outros podem clamar que não, a verdade é que a resposta para essa pergunta é mais complexa que, um simples, sim ou não. Apesar de existirem, sim, muitas semelhanças; o esporte eletrônico nunca vai ser consumido exatamente

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Citação original: Videogames are played on a repurposed television set, one in which an attached control unit transforms the screen into a different medium. Such videogame systems constitute a commodity different from broadcast television shows - one intended for a particular group […] and packaged and paid for in a different way. The game units co-opt broadcast television to offer a kind of entertainment whose characteristics include […] tightly coupled interaction between the player and the screen. At least for its audience of young users, the interactivity is an improvement over conventional television. Although the remote control for a conventional set allows the viewer only to change channels, reduce the sound, and make other relatively minor alterations in the video stream, the joysticks, keyboards, and trackballs of the games refashion and magnify the player's sense of control. Videogames, as well as the actionstyle arcade and computer games, nevertheless continue to show the influence of conventional television.

como um esporte tradicional. Os processos de remediação pelos quais o jogo digital passou e fez com que outras mídias, como televisão, passassem também a influenciar na forma como os seus espectadores consomem.

Muitas vezes o espectador de e-sport quer mais do que simplesmente observar passivamente ao jogo, ele quer interagir com outros espectadores e com os jogadores através da segunda tela. Mais que isso, ele quer consumir o jogo em um meio que favoreça essa interação, por isso diversas ferramentas on-line, como a Twich.tv, que possibilita que o jogador assista e, ao mesmo tempo, comente o jogo com pessoas ao redor do mundo, fazem sucesso nesse meio.

Às vezes, esses espectadores querem ir ainda mais longe. No League of Legends, através do próprio client do jogo, é possível para o espectador controlar a câmera do jogo que está assistindo. Ou seja, novamente é observada a sensação de escolha, o poder de não ficar preso a uma única visão de um único jogador ou a uma visão genérica hipermediada seja por uma pessoa (diretor) ou uma máquina (algoritmo). Com o controle da câmera, o espectador pode escolher o que ele quer ver no jogo.

Mídia Grau de

personalização Descrição Televisão Baixo

Existe um diretor que escolhe o que, quando e como deve ser visto. Além disso o idioma da transmissão está atrelado à localização geográfica do espectador.

Presencial Baixo

Apesar de parecer que o espectador tem liberdade para escolher o que ele quer ver, o jogo ainda é mostrado através de telas que possuem uma edição dirigida por outra pessoa, e o idioma ainda está atrelado ao local em que o campeonato acontece.

Streaming

(Site oficial) Médio

O usuário tem o poder de escolher o idioma em que quer assistir às partidas independente de sua localização geográfica.

Streaming (YouTube e Twitch)

Médio

O usuário tem o poder de escolher o idioma em que quer assistir às partidas e, também, tem liberdade para fazer comentários e interagir com outros espectadores independente de sua localização geográfica.

360º Médio-alto

O usuário tem a liberdade de escolher qual câmera quer assistir e ainda escolher em qual ângulo ela vai estar. Porém, a câmera do jogo ainda era controlada pelo algoritmo e o espectador não tinha poder sobre isso.

Client Alto

O usuário tem o poder de decidir o que, quando e como o jogo deve ser visto. Tem inclusive a liberdade de optar por deixar o algoritmo escolher por ele.

Quadro 13: Grau de personalização Fonte: Elaboração própria

Nesse sentido pode-se perceber uma variação no que será chamado de grau de personalização do usuário, aqui é possível perceber que cada mídia estudada

tem características próprias e que as diferenciam das demais. Também é importante ressaltar que uma mídia que pareça hipermediada não é necessariamente pior que a outra, às vezes o excesso de escolhas pode não apenas confundir como desmotivar um usuário, pois muitas vezes o espectador deseja apenas “sentar e assistir à partida”. No Quadro 13, tem-se as diferentes mídias citadas no Capítulo 4 e seu respectivo grau de personalização.

Aqui a televisão e o campeonato presencial apresentam um nível de personalização baixo, porém são duas mídias bastante diferentes no que diz respeito à experiência do espectador. A televisão não demanda esforço, não exige quase nada do usuário, se aquela transmissão não está mais agradando o espectador ele pode trocar de canal ou simplesmente desligar o aparelho e seguir para outra atividade de sua escolha. Enquanto o campeonato presencial exige preparação, planejamento, compra de ingresso, possíveis filas, possíveis viagens, estadia em hotéis, além de um comprometimento de cerca de 5 a 6 horas por dia de evento.

O streaming, seja pelo site oficial ou pelas aplicações YouTube e Twitch, oferece um nível de personalização médio. Porém YouTube e Twitch entregam mais opções para os seus espectadores, como chats que permitem que eles interajam com outras pessoas e até mesmo com os jogadores, além de oferecer a possibilidade contribuir financeiramente para um canal de sua preferência. Outro fator relevante é o aspecto multi-plataforma dessas aplicações, que permitem que o usuário utilize, computador pessoal, dispositivos móveis, ou até mesmo aparelhos de TV para assistir às partidas.

Na transmissão 360º, disponibilizada via YouTube e via site oficial, a Riot Games ofereceu uma maior personalização para o usuário, porém a transmissão foi apenas um teste no campeonato de 2016 e não existem número oficiais divulgados sobre quantas pessoas efetivamente assistiram aos jogos em 360º. Mas, por permitir ao espectador a escolha entre diferentes câmeras, todas em 360º, essa transmissão pode ser considerada como tendo um grau de personalização médio-alto, pois apesar de ser maior que a personalização oferecida pelo streaming tradicional, ainda é menor que o grau de personalização oferecido pelo client do jogo.

O client, por sua vez, oferece ao espectador todas as configurações de vídeo e som de um jogador, além de configurações a mais de interface. Porém, esta última mídia é também a que exige um dos maiores graus de comprometimento do usuário,

ter o client do LoL, provavelmente quer dizer jogar LoL, pois o software ocupa um espaço considerável no disco, sofre atualizações constantes e tem uma interface pensada para hardcore players, ou seja, exige conhecimento prévio de jogo para que a sua manipulação seja natural. Nesse sentido, é possível afirmar que a maioria dos espectadores que utilizam essa mídia tem um alto nível de envolvimento com o jogo como jogador também.

A partir da ideia do nível de envolvimento do espectador e do nível de personalização da mídia, tem-se o Gráfico 7 que representa as diferentes formas de assistir a uma partida de League of Legends.

Gráfico 7: Envolvimento vs. Personalização Fonte: Elaboração própria

O eixo do envolvimento representa o quão integrado ao universo do jogo o espectador deve estar, nesse sentido um envolvimento alto representa um fã de e- sport, enquanto um nível de envolvimento baixo representa um público potencial, alguém que não precisa necessariamente conhecer o jogo para assistir. Já o eixo da personalização mostra o quanto a mídia permite ao espectador escolher o que e como ele quer ver cada etapa da partida. Assim, um nível de personalização baixo representa uma mídia que tem a característica de dirigir o olhar ao usuário, oferecendo um produto finalizado e que não exige do espectador nenhum tipo de

esforço. Já um nível de personalização alta permite ao usuário dirigir a própria transmissão, exigindo um esforço maior do espectador.

Aqui temos a televisão como a mídia com o menor nível de personalização, na transmissão televisiva existe um diretor, alguém responsável por definir o que deve ser mostrado a cada momento. Por outro lado, a televisão também é a mídia que exige o menor nível de envolvimento do usuário, qualquer pessoa poderia estar passando por entre canais e se interessar por uma partida de League of Legends, sem necessariamente estar procurando especificamente por isso.

O campeonato presencial, apesar de ter um baixo nível de personalização, exige um alto nível de envolvimento do espectador, ele precisa conhecer o jogo e ter buscado informações especificamente sobre o evento previamente. Além disso, o nível de interação entre ele e os outros espectadores é altíssimo, na plateia do estádio não basta apenas assistir, é necessário torcer. No site oficial, ainda são necessários o conhecimento e a busca prévios, porém o nível de envolvimento com outros jogadores cai, e as possibilidades de personalização sobem.

Os canais Twitch.tv e YouTube, como já foi visto, têm um nível de personalização médio, o segundo oferecendo dois layouts diferentes, YouTube e o YouTube gaming, mostrando um grau de personalização um pouco maior. Já a Twitch apresenta um grau de envolvimento maior, pois enquanto o YouTube é uma plataforma de entretenimento com vídeos diversos a Twitch é um plataforma de jogos. Ou seja, um espectador que entra na Twitch está buscando especificamente por um conteúdo relacionado a jogos, enquanto o espectador do YouTube poderia inicialmente estar buscando qualquer outro tipo de entretenimento.

Apesar de utilizar o YouTube como base, a transmissão 360º permitia um grau de personalização um pouco maior que os vídeos tradicionais do site e também exigia um nível de envolvimento um pouco maior do usuário, pois este deveria transitar entre diferentes câmeras mostrando diferentes pontos da arena, além de ter interesse em testar esse tipo de experiência que foi divulgada especialmente na mídia especializada em jogos. Por fim, como já foi dito, o client não só apresenta o maior nível de personalização, mas também exige o maior nível de envolvimento. Dificilmente um usuário vai adquirir um software de jogo com o único propósito de assistir aos seus campeonatos, e mesmo que alguém o faça, essa pessoa estaria fadada a entender como funciona a interface do jogo para usufruir de todas as personalizações disponíveis.

Após entender melhor a relação entre as mídias de transmissão e a experiência do espectador, compreenderemos o vínculo entre o esporte eletrônico e o entretenimento esportivo, e também como as evoluções dos jogos, especialmente os jogos de computador, influenciam nessas questões, então, se faz necessário passar para uma próxima etapa da codificação.

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