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Categoria 1: Relação dos docentes com os alunos

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5.1 A expressão dos entrevistados

5.1.1 Categoria 1: Relação dos docentes com os alunos

Elaboramos um roteiro de entrevistas que permitisse identificar aspectos referentes à relação dos docentes com os estudantes, tendo como propósito conhecer como ocorre essa relação mediada pelo trabalho pedagógico na instituição. Procuramos identificar se há algum tipo de vínculo ou proximidade entre docentes e estudantes, partindo do pressuposto freireano de que a relação entre educadores e educandos é fundamental no processo de ensino e aprendizagem.

Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e ‘cinzento’ me ponha nas minhas relações com os alunos.

[...] esta abertura ao querer bem é a maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano. (FREIRE, 2004, p. 138).

Se a relação entre docentes e estudantes em escolas regulares é, em muitas circunstâncias, conflituosa, essa questão nos pareceu relevante, especialmente quando os estudantes estão em situação de privação de liberdade.

Nas entrevistas, os docentes relataram que na instituição há forte vigilância, mas que, apesar disso, é possível construir relações positivas. Relataram que há alunos que participam mais nas aulas outros participam menos, mas os docentes procuram incentivar a participação. Um dos entrevistados considera que a interação é fundamental, bem como o desenvolvimento da curiosidade e interesse dos estudantes. No seu entendimento, sem esse envolvimento o processo de ensino e aprendizagem fica comprometido.

É fundamental que o professor tenha essa interação, uma aproximação até mesmo porque para lecionar no Centro socioeducativo é necessário que o pretendente tenha habilidade para trabalhar com oficinas, projetos que são desenvolvidos diariamente, neste caso o professor tem que interagir não só com os alunos, mas com a pedagogia, segurança, psicossocial e os próprios colegas de trabalho. (Professor 2 – entrevista).

É bastante pertinente o posicionamento do docente quanto entende que, além da interação com estudantes, é preciso interagir com outros profissionais como também ter sólido conhecimento do conteúdo. Não se pode admitir que, por se tratar de adolescentes em privação de liberdade, qualquer trabalho que se faça já será suficiente. Ao contrário, é justamente com esses adolescentes que o trabalho pedagógico precisa ser mais intenso.

Mas, como relataram os entrevistados, é preciso ter muito cuidado nessa relação entre docentes e estudantes, porque alguns se aproveitam dessa proximidade para pedir favores: pedem para o professor levar recados aos familiares, entregar bilhetes, pedem para que tragam doces, dentre outras solicitações. De acordo com as regras institucionais, favores não são permitidos e a recusa do professor pode gerar um mal-estar em sala de aula, e atender aos pedidos pode acarretar problemas para os professores.

Os agentes podem achar que estamos de muita conversa, achar que estamos de alguma forma levando recados para os familiares, então precisa cuidar na fala e na forma como nos relacionamos para não gerar confusão. Os castigos para os adolescentes podem ser desde broncas, advertências e aumento na pena, isso depende de como eles considerarem a gravidade da situação, além disso, como somos avaliados o tempo todo, porque precisamos ter o perfil ideal para estar lá, corremos o risco de perder a oportunidade de continuar trabalhando lá, foi o que aconteceu comigo, fiquei com dó e dei uma bala para um menino, foi descoberto e agora não posso mais voltar a dar aulas lá, pelo menos por enquanto. (Professor 3 – entrevista)

Desta forma, desde o início, os professores precisam estabelecer um claro contrato de trabalho, definindo em que termos ocorrerá a relação entre o grupo e como se dará o processo educativo. É preciso dialogar sobre a situação dos estudantes e

dos professores na instituição, posto que todos estão sob vigilância e podem ser punidos.

Quanto ao comportamento cotidiano, os professores disseram que não difere dos estudantes das escolas regulares: se distraem durante as aulas, buscam sempre uma oportunidade de conversar com os colegas e possuem comportamentos como todo adolescente, necessidade de falar e de fazer brincadeiras típicas da idade.

Durante a pesquisa, quando estive na Fundação Casa como convidada para uma palestra, pude observar alguns comportamentos interessante e constatei o que os entrevistados disseram: as brincadeiras, as conversas, mas também percebi que entre alguns existe uma relação bastante forte, vi meninos de mãos dadas o tempo todo, vi troca de carinho entre eles. Perguntei aos professores se eles saberiam me dizer se toda essa relação está vinculada a carência que eles devem sentir pela distância da família e amigos, eles disseram que é uma maneira de amenizar a solidão e tristeza de estar ali, entre grades e muros e procuram apoio, uns nos outros.

Longe de um olhar preconceituoso, é preciso compreender o comportamento dos adolescentes. A afetividade e amorosidade são aspectos que merecem maior reflexão por parte dos educadores, especialmente dos que interagem com adolescentes em privação de liberdade.

De acordo com Freire (1992), a amorosidade e o diálogo constituem-se como elementos indispensáveis para que ocorra, no processo educativo, “o encontro amoroso entre os homens que, mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos” (FREIRE, 1992, p. 43).

Ao tratar do conceito de amorosidade, Freire (1999, p. 38), considera que “é preciso juntar à humildade com que a professora atua e se relaciona com seus alunos, uma outra qualidade, a amorosidade, sem a qual seu trabalho perde o significado. E amorosidade não apenas aos alunos, mas ao próprio processo de ensinar.”

Percebe-se assim, que a relação pedagógica quando se move pela afetividade, pela amorosidade e pelo diálogo, proporciona o desenvolvimento da educação como prática de liberdade (FREIRE, 2015), da humanização. Mas devemos salientar que esse conceito de amorosidade de Freire não significa uma relação romantizada, mas

sim uma relação ética; se trata de um compromisso com o ser humano, uma ação que conduz a libertação.

Ao serem questionados como interagem com estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem os docentes entrevistados apontaram, inicialmente, a necessidade de compreender a natureza das dificuldades, evidenciando a importância de conhecer e compreender melhor os adolescentes. Identificam como uma das causas das dificuldades de aprendizagem, o fato de boa parte dos adolescentes estarem fora da escola antes de serem internados na instituição por conta do envolvimento com drogas e outros delitos.

Eles têm dificuldade, ainda porque a maioria deles não estavam frequentando a escola antes de entrar na Fundação, por conta do uso das drogas, os furtos e tráficos que eles cometem não ficam na escola, chegam aqui com o ensino bem defasado, com dificuldades de leitura, de entender fórmulas e processos de cálculo. (Professor 3 – entrevista).

Essa afirmação, é comprovada com o documento publicado pelo Instituto Sou da Paz (2018, p. 22), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), indicando que “22% dos adolescentes brasileiros entre 15 e 17 anos estavam fora da escola em 2015. A discrepância é ainda maior entre os adolescentes internos de 15 anos: 71% não frequentavam a escola, frente a 10% dos adolescentes brasileiros em geral.”

Os problemas sociais atingem diretamente a escolarização das crianças e adolescentes. A falta de garantia dos direitos constitucionais, conforme Artigo 6º. da Constituição Federal (BRASIL, 1988), como acesso e permanência na escola, é um grave problema que repercute diretamente na vida das crianças e adolescentes e na sociedade como um todo.

É importante que os docentes conheçam os direitos constitucionais que são violados, para compreender melhor o contexto de vida dos adolescentes em privação de liberdade, estabelecendo com eles relações mais humanizadas.

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