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1.5 As categorias Tempo (T), Aspecto (Asp) e Modo (Mod): definições teóricas, estudos

1.5.1 Categoria Tempo (T)

A noção de Tempo é universal, e, portanto, expressa em todas as línguas naturais. Nesse sentido, Comrie (1985:7) propõe que “a localização de situações no Tempo é uma noção puramente conceptual e, portanto, é universal e independente de uma série de distinções feitas nas línguas particulares”. Dessa forma, todas as línguas apresentam formas de se localizar no Tempo, diferenciando-se apenas no modo como as noções de temporalidade são expressas linguisticamente. Assim sendo, as diferenças na forma como os falantes expressam as noções temporais nas línguas estão relacionadas ao tempo (tense), não ao Tempo (time).

Para Comrie (1985), tempo (verbal) é uma expressão gramaticalizada da localização no Tempo, é uma categoria dêitica, ou seja, um elemento linguístico que faz referência ao contexto situacional ou ao próprio discurso, ao invés de ser interpretado semanticamente por si só.

Em relação ao tempo futuro, Comrie (1985) explica que, embora pareça simples defini-lo como a localização de uma situação em momento posterior ao momento presente, há uma controvérsia entre os linguistas no que diz respeito à sua caracterização em termos conceituais.

À primeira vista, o futuro seria fundamentalmente como o passado, mas na direção temporal oposta em relação ao ponto zero (o presente) na linha do tempo. Contudo, o futuro mostra-se claramente diferente do passado, o qual, por já ter ocorrido, é imutável, ao passo que o futuro é necessariamente especulativo e, dessa maneira, qualquer previsão feita sobre o futuro pode vir a ser alterada.

No mesmo sentido, Montrul (2004) explica que, quando o tempo do evento e o tempo da fala coincidem, temos uma interpretação do presente; quando o tempo da fala e o tempo do evento não coincidem, temos uma interpretação do passado; já o tempo futuro não está relacionado a nenhum intervalo temporal no discurso.

Tendo em vista a não-factualidade do futuro, Mateus et al. (1983) questionam se o futuro é uma categoria temporal. Os autores explicam que, como não se pode determinar o valor de verdade de um estado de coisas localizado no futuro, isso acaba por determinar que o futuro linguístico tenha sempre um valor modal, resultante da avaliação feita pelo locutor a respeito da necessidade, impossibilidade, probabilidade, possibilidade ou contingência da ocorrência de um evento.

de conceber as noções temporais e como estas se realizam morfologicamente em algumas línguas. Segundo o autor, há línguas (a maioria das europeias) em que o presente é a forma mais usada para expressar futuro. Nessas línguas, distingue-se, gramaticalmente, o passado e o não-passado, mas não existe uma distinção entre o futuro e o não-futuro, ou, mais especificamente, entre futuro e presente.

Em outras línguas, como Dyirbal e Burmese, a distinção modal básica, estabelecida pelas noções de realis e irrealis, fazem referência, respectivamente, a um evento que ocorreu ou que realmente esteja ocorrendo, e a situações hipotéticas, incluindo as previsões sobre o futuro. Nessas línguas, as expressões de realis e irrealis se realizam através de partículas empregadas no final dos enunciados.

Comrie (1985) menciona, ainda, que há línguas que apresentam uma distinção futuro próximo x futuro distante, estabelecida pelo grau de afastamento do futuro em relação ao presente. Essas línguas distinguem formas futuras e não-futuras, e o tempo futuro remoto só pode ser empregado para fazer referência a uma situação que está temporalmente localizada num momento posterior ao amanhã; este é o caso da língua Haya.

Sobre as formas verbais de futuro no Inglês, Comrie (1985) explica que existe uma diferenciação entre formas futuras com expressão temporal e formas futuras que apresentam semântica modal: com as primeiras, os falantes fazem previsões, com as segundas, fazem referência a mundos alternativos, a possibilidades. Assim, ao dizer “vai chover amanhã”, faz- se uma declaração sobre um estado de coisas que acontecerão no momento posterior ao presente e sua verdade pode ser questionada. Em contrapartida, ao dizer “pode chover amanhã”, faz-se simplesmente uma afirmação considerando a possibilidade de que amanhã chova ou não.

Essa mesma interpretação sobre os traços semânticos que distinguem as formas verbais de futuro também é adotada por Bravo (2008) para o Espanhol. Esta autora explica que a diferença entre as formas verbais de futuro simples e perifrástico reside no traço aspectual prospectivo presente na forma perifrástica e ausente na forma simples. Essa proposta será mencionada com mais detalhes na próxima seção, quando tratamos da categoria Aspecto.

Ao tratar sobre o tempo nos verbos do Português, Corôa (2005) ressalta a estreita relação entre futuro e modalidade. A autora argumenta que, assim como “os estudos sobre pretérito caem inevitavelmente na oposição entre relações temporais e aspectuais, qualquer estudo sobre o tempo futuro não pode ignorar a importância das oposições modais”.

possível, o virtual ou o incerto, ele expressa um pensamento que parte do possível para a certeza. Dessa forma, como o movimento do futuro vai de um conjunto de mundos possíveis para um mundo realizável, até mesmo as interpretações modais se orientam para a certeza e esta certeza cresce à medida que se aproxima dos empregos puramente temporais.

Em Parrini (2011), igualmente, destacamos a vinculação da expressão da futuridade com as noções modais. A análise de dados da fala adulta do Espanhol madrileno mostrou que a forma perifrástica está mais suscetível à variação com a forma simples do que ao contrário. Nesse sentido, notamos que as formas de futuro não admitem variação (sem que haja mudança de sentido) quando o traço codificado na forma verbal é de modalidade, razão pela qual argumentamos que os traços de tempo e modalidade encontram-se em distribuição complementar nas formas verbais de futuro no Espanhol madrileno.

No que diz respeito à aquisição da linguagem, como mencionamos em seções anteriores, a tarefa da criança que adquire uma língua é, entre outras coisas, identificar os valores dos traços relacionados às categorias funcionais. Assim sendo, a criança que adquire o Espanhol madrileno, por exemplo, tem de identificar que, na sua (variedade de) língua, a expressão de futuro envolve os traços de tempo e de modalidade.

Sobre a emergência das noções de tempo na gramática da criança, vale destacar as quatro fases do desenvolvimento do sistema temporal propostas por Weist (1986). Segundo este pesquisador, a aquisição dos sistemas temporais consiste no desenvolvimento da capacidade de manipular a relação entre o tempo da fala (TF), o tempo do evento (TE) e o tempo da referência (TR). As quatro fases de aquisição do sistema temporal seriam os seguintes:

- Fase 1: nesta fase, a gramática da criança só compreenderia o sistema de tempo da fala, no qual o tempo da fala, o tempo do evento e o tempo da referência coincidem. Trata-se de uma noção temporal do “aqui e agora” (TF = TE = TR).

- Fase 2: nesta fase, a gramática da criança compreenderia o sistema de tempo do evento, no qual o tempo da fala e o tempo da referência são coincidentes (TF = TR). Neste momento, as crianças passam a dissociar TE de TF e começam a usar marcação de passado. Ocorre por volta dos 2;0 anos.

- Fase 3: nesta fase, a gramática da criança compreenderia o sistema de tempo da referência, de forma ainda restrita. Nesta fase, o tempo da referência e o tempo do evento coincidem (TR = TE). A criança começa a marcar tempo com advérbios e cláusulas. Ocorre por volta dos 3;0 anos de idade.

livre. Tempo da fala, tempo do evento e tempo da referência não se sobrepõem (TF ≠ TE ≠ TR). As crianças passam a produzir cláusulas envolvendo “antes” e “depois” e formas verbais complexas. Ocorre por volta dos 4 anos de idade.

Esse modelo de fases sobre a aquisição do sistema temporal proposto por Weist (1996) mostra-se consonante com o que observamos em nossos dados. Como poderá ser visto no Capítulo 5, as crianças, primeiramente, produzem advérbios e tempos verbais que se relacionam ao tempo da fala; com o avanço do desenvolvimento linguístico, as noções temporais vão sendo ampliadas, o que pode ser visto pelo aumento no repertório de advérbios temporais, tempos verbais para fazer referência a eventos fora do tempo da fala e a produção de sentenças complexas.

Em relação à aquisição da categoria Tempo, muitos foram os pesquisadores que defenderam a aquisição de Aspecto antes da aquisição de Tempo (cf. BRONCKART e SINCLAIR, 1973; BLOOM, LIFTER E HAFITZ, 1980), alegando que, em fases iniciais do processo de aquisição, Tempo seria defectivo na gramática da criança. Entretanto, investigações de outros pesquisadores têm evidenciado o contrário.

O estudo desenvolvido por Hogson (2004) põe à prova o conhecimento de Aspecto por parte de crianças adquirindo Espanhol. A pesquisa buscou verificar se as crianças seriam capazes de acessar o significado aspectual da morfologia verbal. A autora aplicou testes de compreensão de aspecto perfectivo e imperfectivo. Os testes mostraram que, diante de situações télicas descritas com tempo perfectivo e imperfectivo, as crianças mais novas (3-4 anos) mostram dificuldades para identificar o significado perfectivo/imperfectivo na morfologia. Entretanto, as crianças maiores (5 anos ou mais) tiveram um desempenho similar ao dos adultos (grupo de controle). A autora conclui que as crianças de 3-4 anos não distinguem significado perfectivo/imperfectivo na morfologia perfectiva/imperfectiva. Portanto, os resultados da pesquisa contradizem o argumento de que Aspecto é adquirido antes de Tempo.

Outro trabalho que questionou o argumento da precedência de Aspecto sobre a emergência de Tempo foi o de Bel (2002). Esta pesquisadora analisou a produção de três crianças adquirindo Catalão e três crianças adquirindo Espanhol. Os resultados da investigação mostram que as crianças dominam o contraste passado/presente desde muito cedo (antes dos 2;0 anos). Além disso, as crianças empregaram os tempos verbais com sua semântica e contextos sintáticos apropriados, o que, para a autora, mostra claramente um argumento contra a ideia de que Tempo é uma categoria defectiva. Com base nas observações de que as crianças conhecem as propriedades sintáticas e semânticas de presente, passado e

futuro no Espanhol e no Catalão, Bel (2002) explica que o conhecimento de Aspecto é robusto nessas línguas e esta categoria certamente interage com Tempo, mas não há evidências para afirmar que Tempo é defectivo na gramática da criança.

Com base na Hipótese Continuísta-maturacional de aquisição das categorias funcionais, assumimos que todas as categorias estão disponíveis na gramática da criança desde o seu nascimento, e vão emergindo conforme amadurecimento da gramática mental. Assim, defendemos que Tempo emerge concomitantemente à emergência das categorias de Aspecto, Modo e outras.