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Weist (2014): a referência temporal futura no sistema temporal da fala infantil em Inglês,

2 ESTUDOS SOBRE A EMERGÊNCIA DAS CATEGORIAS TEMPO E MODO E AS

2.6 Weist (2014): a referência temporal futura no sistema temporal da fala infantil em Inglês,

Diferentemente dos estudos anteriormente mencionados, Weist (2014) analisa o sistema temporal na fala infantil, focalizando a referência temporal futura, conciliando pressupostos sobre aquisição da linguagem e desenvolvimento cognitivo. Para Weist (2014), ao examinar a fala infantil, é preciso investigar o significado que os morfemas possuem no sistema linguístico da criança em várias fases do desenvolvimento, pois haveria uma relação entre aquisição da linguagem e desenvolvimento conceptual. O autor explica que a criança não pode falar de relações que ela não é capaz de conceber. Assim, se a criança é incapaz de construir a representação de um evento e guardá-la na memória, então um morfema de tempo passado ou não-passado na fala da criança pode não estar revelando um percurso no tempo conceptual nas experiências anteriores, muito menos antecipando experiências futuras.

Weist (2014) considera duas fases na aquisição do sistema temporal na fala da criança: o tempo do evento e o tempo da referência; explica também que, para os falantes em geral, a referência temporal envolve três importantes intervalos no tempo: o tempo da fala, o tempo do evento e o tempo de referência. Entretanto, dentro do sistema de tempo do evento da gramática da criança, há apenas uma referência temporal e esta seria o tempo da fala. O tempo de referência é demonstrado com advérbios de tempo, como “amanhã” e “ontem”, e cláusulas adverbiais temporais como “estávamos fazendo x”.

Sobre a categoria modalidade, Weist (2014) explica que, na fala da criança, a modalidade é expressada por meio de verbos modais, como os auxiliares will, can e must, no Inglês, ou com flexões modais, como no Coreano, ou através dos modos imperativo e subjuntivo no Grego.

Os dados apresentados por Weist (2014) são da fala espontânea de uma criança adquirindo Inglês, Christy, da idade de 1;5 a 2;2. As amostras são dos anos 80; o autor não menciona de que variedade do Inglês se trata. O corpus foi coletado pela mãe da criança, que também é pesquisadora e fez diversas anotações sobre os contextos em que as falas da criança foram registradas. Tais anotações foram consideradas por Weist (2014) para identificar as noções de temporalidade na gramática da criança.

A primeira análise realizada pelo autor busca observar o desenvolvimento do sistema temporal, a passagem do tempo da fala para o tempo do evento. O autor observa que, nas idades de 1;5 a 1;10 há uma aparente referência ao passado, ao presente e ao futuro, bem

como sequências de eventos. Entretanto, não há morfologia flexional indicando emergência do sistema de tempo do evento.

A interpretação das referências temporais feitas pela criança é obtida através de anotações presentes nas amostras, por exemplo, a criança disse “write Sissy” (escreve Sissy) e Weist (2014) interpreta este enunciado como uma referência ao passado com base na seguinte anotação sobre o contexto em que tal fala foi proferida: a criança disse isso mostrando que sua irmã tinha escrito algo na sua mão.

O autor considera que, nessa fase do processo de aquisição, a gramática da criança faz referência apenas ao tempo da fala, já que a relação temporal dêitica do sistema de tempo do evento não foi codificada em morfologia finita.

A referência temporal de futuro é expressada lexicalmente com as palavras “tarde” e “logo”. Embora a noção de futuro não seja codificada em morfemas verbais, o uso dos advérbios mostra que a criança já possui noções de tempo posterior ao momento da fala.

Aos 2;0 anos de idade, a gramática da criança começa a apresentar flexões de tempo passado (p. ex.: I cried: eu chorei) e aspecto progressivo (p. ex.: Mommy Ø coming soon.: Mamãe chegando logo.) As anotações feitas nas amostras sobre o contexto da fala da criança mostram que alguns enunciados têm referência temporal futura (p. ex.: Mark Ø play Christy

dominoes.: Mark jogar dominó com Christy. Anotação na amostra: Ela está antecipando que

seu amigo jogará com ela quando vier visitá-la.). Weist (2014) considera que nesta fase da aquisição o sistema de tempo do evento emergiu.

Na idade de 2;2, por já apresentar sistema de tempo do evento, a criança começa a usar os auxiliares de futuro will e going to. Weist (2014) explica que uma característica da emergência do sistema de tempo do evento na gramática de Christy, prototípica em crianças adquirindo Inglês e algumas outras línguas, foi a distinção explícita passado/não-passado. Além disso, a morfologia codificando tempo passado emerge antes da morfologia codificando tempo futuro. Weist (2014) chama atenção para o fato de que, desde cedo, os enunciados que expressam sequências já incluíram localização referencial temporal distante do momento da fala, como aos 2;2, e estes intervalos temporais foram localizados no futuro, p. ex.: when he

comes home (quando ele voltar para casa).

Em uma seção que indaga se morfemas de tempo também codificam modalidade deôntica, Weist (2014) explica que, em relação ao futuro, a morfologia com potencial para expressão de referência temporal futura pode não acontecer, ao invés disso, pode codificar modalidade deôntica na fala das crianças. O autor defende esta afirmação com base no trabalho de Stephany (1986 apud WEIST, 2014), que desenvolveu uma pesquisa com dados

de aquisição do Grego e do Inglês. Esta pesquisadora explica que os modos subjuntivo e imperativo são os mais importantes dispositivos formais para expressar modalidade deôntica, sendo o futuro e o subjuntivo distintos apenas pelas partículas morfológicas que os designam. Os dados de Stephany mostraram que, tanto no Grego como no Inglês, as sentenças modalizadas presentes nas fases iniciais da aquisição expressam, predominantemente, modalidade deôntica.

Alguns resultados da pesquisa de Stephany foram destacados por Weist (2014), quais sejam: uma das crianças investigadas usou, de 2;2 a 2;5 anos, will e gonna para expressar intenções, ou seja, modalidade deôntica15. A partir dessa idade, a criança começou a fazer as seguintes distinções: uso de gonna para eventos futuros de ocorrência imediata, cuja realização pode ser controlada pela criança, e uso de will para eventos de ocorrência mais distante, cuja realização não pode ser controlada pelo falante. Nesse momento, parece que a criança começa a introduzir a noção epistêmica de possibilidade. Com base nesses resultados, Stephany afirma que a modalidade epistêmica se desenvolve mais tarde que a deôntica na aquisição da linguagem e esta sequência está relacionada com o desenvolvimento conceptual para a distinção das noções de possibilidade e realidade.

Os resultados de Stephany sobre as distinções que a criança faz entre o uso das duas formas verbais corroboram os resultados de outros estudos, não só sobre a aquisição do Inglês, como mostra o estudo de Dorschner (2006), mas também sobre a produção dos adultos em Inglês e outras línguas.

A partir dos resultados e considerações de Stephany, Weist (2014) faz a seguinte leitura dos dados de Christy: aos 2;2, ela produz os enunciados Daddy will get up, and Daddy

will hold my little doll (Papai levantará, e papai segurará a minha bonequinha); I going to put them in a box so them won’t fall down (Eu vou colocá-los numa caixa e não cairão mais). Para

Weist (1994), nestes enunciados, a criança parece estar pensando sobre a possibilidade de que seu pai se envolva numa brincadeira após levantar-se, e faz planos para assegurar que algumas coisas aconteçam num evento esboçado. Entretanto, por acreditar que aos 2;0 anos de idade a criança não é capaz ainda de expressar tais possibilidades, o autor argumenta que ela estava simplesmente expressando desejos e intenções no tempo da fala, o que consiste em uma noção deôntica.

Assim como questionamos a interpretação de Scliar-Cabral (2007) sobre o enunciado “vô naná” (que não seria expressão de futuro, mas “vô ligá” foi considerado futuro

perifrástico), não podemos deixar de questionar a posição de Weist (1994). Parece claro que o autor reinterpreta os dados buscando uma análise que corrobore as alegações dos teóricos de cujas propostas ele lança mão para embasar seu estudo. Diante disso, cabe a pergunta: até que ponto o posicionamento teórico pode predizer o que os dados revelam?

A fim de estender a discussão sobre o tipo de modalidade que emerge primeiro na gramática em aquisição, Weist (2014) cita um estudo que defende o contrário do proposto por Stephany. O autor justifica que a estrutura da língua alvo vai influenciar o curso da aquisição e menciona que, ao contrário do que afirma Stephany sobre a aquisição da modalidade em Inglês e Grego, o estudo de Choi (1991 apud WEIST, 2014) sobre a aquisição das flexões modais no Coreano não sustenta a primazia da modalidade deôntica sobre a epistêmica.

A pesquisa de Choi analisou três crianças na idade de 1;8 a 2;11 e concluiu que as flexões de semântica epistêmica (-TA; -E; -CI; -TAY) se tornam mais produtivas na fala das crianças primeiro que as flexões de modalidade deôntica. Além disso, já em fases iniciais da aquisição, as crianças distinguem os significados dos quatro morfemas de modalidade epistêmica.

Com base em tais resultados, Choi conclui que, aos 2;0 anos, as crianças já demonstram conhecimento sobre eventos prévios e discriminam diferentes tipos de conhecimento acerca da realização de eventos e referências temporais, portanto, a gramática da criança que adquire Coreano não se restringe ao aqui e agora. Em relação ao futuro, a autora postula que, se as crianças podem interpretar o status factual de uma proposição em fases iniciais da aquisição, elas também podem ser capazes de interpretar um valor de verdade, o que é uma noção epistêmica.

Conforme mencionamos no capítulo anterior, em fases iniciais da aquisição, as crianças produzem formas verbais desprovidas de morfologia específica para expressar Tempo e Modo. Entretanto, essas formas, sejam infinitivas (no caso de línguas de RIs), sejam formas default (no caso de línguas de sujeito não-nulo), podem codificar tais semânticas, constituindo-se, portanto, as primeiras formas que a criança produz para tais funções em determinado período do processo de desenvolvimento linguístico. Assim sendo, consideramos que é preciso ponderar ao afirmar que determinadas categorias ou traços ainda não emergiram na gramática da criança porque os dados não mostram a produção de morfemas específicos com determinada expressão.

Dessa forma, as afirmações de Choi sobre a emergência da modalidade epistêmica antes da deôntica, com base na produção e distinção de morfemas, suscitam algumas discussões: as formas analisadas já mostram uma produção bastante desenvolvida, uma vez

que a criança já faz uso de pelo menos quatro morfemas para marcar distinções modais, portanto, não parece ser esta uma fase inicial de aquisição da língua, mas sim uma fase razoavelmente intermediária ou avançada em termos de aquisição de categorias e expressão morfológica das mesmas. Talvez fosse preciso analisar as formas produzidas antes da primeira idade analisada (1;8) para averiguar que função cumprem na gramática da criança quando sua produção é ainda bastante limitada em termos de verbalização. Até que ponto podemos afirmar que uma categoria ou traço ainda não foi adquirido porque não está morfologicamente representado na produção oral?

Sobre a presença de advérbios temporais na produção infantil, Weist (2014) ressalta que inúmeros estudos observaram enunciados anômalos em que o tempo expresso no enunciado aponta para uma direção e o advérbio usado pela criança aponta para outra, como em I had a bath tomorrow (Eu tomei banho amanhã). O autor explica que é possível que o sistema temporal não esteja desenvolvido de maneira sistemática, uma vez que estas falhas para coordenar os valores dêiticos dos advérbios e do tempo verbal são frequentemente observadas na produção entre 2;6 e 3 anos de idade, quando o sistema de tempo de referência ainda está sendo adquirido e ajustado no sistema temporal da gramática da criança.

Para fornecer alguns dados, Weist (2014) cita os resultados da investigação desenvolvida por Weist e Buczowska (1987, apud WEIST, 2014). Estes pesquisadores analisaram a emergência de advérbios temporais em três crianças falantes de Polonês, com idades de 2;4 a 3;2. Os advérbios foram classificados de acordo com a indicação da direção temporal em relação ao momento da fala, estabelecendo-se, assim, três grupos de advérbios: imediatos (p. ex. já, agora e em breve); ciclo diário (p. ex. ontem, hoje e amanhã); e relativamente remotos (p. ex. há muito tempo atrás, mais tarde e algumas vezes no passado). Os advérbios imediatos emergiram de forma congruente na idade de 2;4, ou seja, nesta idade as crianças já se mostram capazes de coordenar os valores dêiticos dos advérbios com os do tempo verbal, tanto no futuro como no passado. Os advérbios de ciclo diário emergem com incongruências aos 2;7 anos e os advérbios relativamente remotos após os 3;0 anos de idade.

Os resultados de Weist e Buczowska sobre os enunciados com incongruências entre advérbio e tempo do enunciado mostram que as crianças interpretam os advérbios de tempo como itens de referência temporal, contudo, ainda não identificam as subespecificações temporais veiculadas nessas formas, o que sugere que a emergência da categoria Tempo ocorre em um momento, mas a especificação dos traços de Tempo, ou seja, a emergência dos traços de passado, presente e futuro, ocorre em momento posterior e exige mais da criança,

que tem de fazer o adequado pareamento entre forma e conteúdo, o que se relaciona direta ou indiretamente com a emergência de outros traços de outras categorias funcionais.