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4. NA TRILHA DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ANTIRRACISTAS

4.2. METODOLOGIA DA PESQUISA

4.2.1 Categorias de Análise

As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro semiestruturado disposto em torno de três eixos, professor, escola, prêmio, os quais nos permitiram a construção de algumas categorias analíticas. Contudo, a fim de contribuir para a compreensão do perfil das entrevistadas, também elaboramos uma análise preliminar, contendo alguns elementos da trajetória de vida que julgamos pertinentes para efetuarmos as análises categoriais que empreenderíamos posteriormente. Ao analisarmos o conteúdo dos relatos, constatamos a recorrência de temas centrais, os quais então originaram as categorias de análise: O racismo

sob a ótica das entrevistadas; Experiência com o racismo na escola; Enfrentamento do racismo e Percepção sobre a Lei 10.639/03.

Nossa pesquisa permitiu constatar que as experiências traumáticas com o preconceito e a discriminação racial pelas quais passaram algumas das professoras que entrevistamos não foram suficientes para silenciá-las. As narrativas das experiências, no sentido de ocorrências da vida que deixam marcas, aconteceram na vida pessoal e profissional das entrevistadas. No entanto, essas marcas se constituíram como fatores que as impulsionaram a realizar práticas de enfrentamento do racismo com os educandos. Tais marcas deixadas pelas experiências racistas vividas foram reelaboradas por meio de uma leitura crítica desse fenômeno, permitindo que elas pudessem elaborar o conflito e transformá-lo em práticas pedagógicas singulares, que contribuem para o enfrentamento do racismo em dupla conjunção, consigo mesma e com o outro. Neste horizonte, a possibilidade de realizar intervenções para combater o preconceito e a discriminação racial estimulou os indivíduos envolvidos a construir um novo sentido para as experiências com o racismo.

Os depoimentos de nossas entrevistadas mostram a riqueza de suas experiências no cotidiano do fazer pedagógico. Essas professoras conseguem verbalizar suas dores e experiências vividas com o racismo e transformá-las em ações pedagógicas antirracistas, lhe atribuindo novo sentido. Percebemos que, dessa forma, as histórias pessoais permeavam as suas práticas pedagógicas, sugerindo uma conexão entre subjetividade e enfrentamento do racismo. A categoria O racismo sob a ótica das entrevistadas foi construída para dar conta, principalmente, de identificar a influência dos elementos biográficos na compreensão que elas expressaram acerca do racismo.

A categoria Manifestações racistas na escola e Práticas de Enfrentamento foi construída a partir do entendimento de que a escola é um espaço fundamental na socialização das crianças e na formação da identidade e tem um papel significativo na desconstrução dos estereótipos e do preconceito. O estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FIPE (2009) mostrou a alta incidência do preconceito e da discriminação racial no âmbito escolar. Alguns dos relatos também identificaram o mesmo fenômeno, mas aludiram também às práticas implementadas com o objetivo desuperar tais manifestações.

A última categoria, Percepção sobre a Lei 10.639/03,foi pensada para entender a importância do dispositivo legal que institui a obrigatoriedade do ensino da História da África e Cultura Afro-brasileira no currículo escolar brasileiro. Procuramos observar a sua repercussão no cotidiano das professoras entrevistadas. Interessava-nos saber o grau de

conhecimento das docentes sobre lei e em que medida esta repercutiu e influenciou suas ações pedagógicas.

Um dos maiores entraves atuais para o enfrentamento do racismo no Brasil é a persistência do mito da democracia racial, construído historicamente a partir do período republicano, e visto positivamente a partir da década de trinta, acabando por prefixar o lugar do negro na sociedade republicana. No entanto, esse mesmo mito da democracia racial não afastava  ao contrário, se não fomentava, ao menos escamoteava  a ideia de uma hierarquia entre as raças humanas e a inferioridade natural das raças negras. É preciso insistir aqui que entendemos o conceito de raça como uma construção social, tal como formulado por Guimarães (1999, 2003), Munanga (2004, 2005) e Hasenbalg (1979).

Segundo estes pesquisadores, o peso da discriminação racial marca as relações econômicas, sociais e culturais, estruturando desvantagens para os negros, graças à perpetuação dos estereótipos construídos sobre características físicas. O mito da democracia racial, ao afirmar que a população brasileira era mestiça, não deixou, porém de preconizar o ideal de branqueamento, assegurando privilégios e vantagens para os sinais físicos de branqueamento  ou ausência de características físicas ligadas ao negro, demarcando patamares hierárquicos referentes aos graus de "brancura", propiciando uma espécie de racismo velado, que atravessa verticalmente toda a população brasileira  dos mais brancos aos mais negros. Como vimos, as interpretações realizadas sobre os negros demarcavam lugares sociais alicerçados pela ideia de inferiorização, enquanto para os (mais) brancos demarcava um lugar de sobrevalorização. Desta maneira, os enquadres são organizadores psíquicos para brancos e negros.

Para o negro, que convive diretamente com o peso do passado associado ao escravismo, há um grande esforço na constituição de sua subjetividade, em razão das dificuldades em encontrar referências positivas sobre o negro. Isso demanda romper com o

enquadre vigente, isto é, demanda um empenho para promover uma mudança interna

psíquica, nem sempre confortável, que só pode ocorrer no confronto, na desordem, no sincrético, no contato com os conflitos recalcados. O sujeito branco, por sua vez, favorecido pelo enquadre, entendido como superior na relação com o negro, na maioria dos casos, tende a manter-se no horizonte do enquadre vigente. Tal fato acarreta obstáculos para a construção das subjetividades e de relações igualitárias entre brancos e não brancos, pois, ao dificultar o

reconhecimento do conflito presente nas relações raciais, dificulta o enfrentamento do racismo. Como assinalou Florestan Fernandes (1965), ao afirmar que, no Brasil, há um preconceito de se ter preconceito, nós, brasileiros, fomos formados numa sociedade racista, que dissimula e escamoteia a discriminação racial.

É possível que alguns de nós não tenhamos uma formação adequada para lidar com o desafio da convivência com o outro e com as manifestações de discriminação presentes no cotidiano (MUNANGA, 2005). Todavia, se as experiências dos professores premiados revelam a complexidade da superação do racismo presente na nossa sociedade, também indicam a possibilidade do seu enfrentamento no cotidiano escolar. A seguir, apresentamos os depoimentos das entrevistadas.