• Nenhum resultado encontrado

DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E INSERÇÃO NO CAMPO

4. NA TRILHA DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ANTIRRACISTAS

4.1. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E INSERÇÃO NO CAMPO

Partimos do pressuposto de que há uma ambiguidade nas relações raciais no Brasil, decorrente do conflito entre a negação da existência do racismo, construída pelo mito da democracia racial, e os dados estatísticos que evidenciam a desigualdade de oportunidades disponíveis para negros e brancos, em detrimento dos negros. Conforme os Relatórios Anuais das Desigualdades Raciais (2009; 2010), os negros têm as piores ocupações no mercado de trabalho, recebem os piores salários, residem nos bairros mais violentos e pobres, e possuem os mais baixos índices de escolaridade. A promulgação da Lei 10.639/03 reconhece oficialmente a necessidade do enfrentamento do racismo, assim como reconhece a escola como lugar de formação de cidadãos e, por isso, lugar de valorização das múltiplas matrizes culturais que constituíram o Brasil, na medida em que institui a obrigatoriedade do Ensino da História e da Cultura da África e dos afro-brasileiros(BRASIL/MEC, 2009). Nossa hipótese é a de que as práticas pedagógicas possibilitam o enfrentamento do preconceito e da discriminação racial, na medida em que permitem desconstruir os estereótipos e preconceitos raciais presentes na formação das subjetividades dos envolvidos no processo educativo. Conforme vimos na discussão sobre os enquadres, foi construída por séculos uma longa tradição de inferiorização da população negra, que persiste até os nossos dias. As práticas pedagógicas, pensamos, podem se constituir em elemento central para superar a ideologia racista. Além disso, acabam por levar o educador a explicitar o problema e posicionar-se sobre a questão, o que muitas vezes pode permitir que ele entre em contato com suas limitações e dificuldades em lidar com o tema. Limites e obstáculos decorrentes de atitudes e

concepções que ele próprio internalizou como indivíduo partícipe de uma sociedade racista. Como esses indivíduos são fruto de uma sociedade estruturada por um viés racista não explicitado, têm dificuldade em tomar posições claras de combate ao racismo diante das manifestações de discriminação no cotidiano escolar. Essa limitação é fomentada pela crença de que vivemos numa sociedade cordial e harmoniosa. Tal mito engendra na formação da subjetividade dos educadores um silenciamento sobre o assunto, que obscurece o reconhecimento dos conflitos, retroalimentando o preconceito, conforme as pesquisas realizadas por Cavalleiro (1998), Silva.I (2009) e Fazzi (2006).

Retomemos, então, as questões que nortearam nossa pesquisa, quais sejam: o que estes professores têm feito frente às manifestações racistas em sala de aula? O que podemos aprender com essas experiências? Para responder em alguma medida a essas questões, analisamos os relatos das professoras que desenvolveram as práticas pedagógicas vencedoras da 4º edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial.

Adicionalmente, considerando que a escola é um campo de tensão no qual as relações raciais se fazem presentes de diferentes maneiras, conforme pesquisas de Silva. I (2009) Fazzi (2006), Cavalleiro (1998), interessava-nos compreender a interpretação que os professores davam à Lei 10.639/03, e como percebiam a sua obrigatoriedade. Ou seja, teria sido a Lei um dispositivo gerador de ações de enfrentamento do racismo no contexto escolar? Além disso, é importante relembrarmos que a promulgação da legislação é um desdobramento fundamental do quarto enquadre denominado “Constituição de 1988: O negro como sujeito de direito”. Chamou-nos atenção o fato de conhecermos experiências de enfrentamento sobre o racismo no contexto escolar, em uma sociedade como a brasileira, na qual o mito da democracia racial é fortemente disseminado. Diante dessas práticas, percebemos que elas poderiam indicar caminhos fecundos para se compreender e agir no sentido de enfrentar esse grave problema brasileiro. Essa pesquisa pode contribuir para elucidar a relação complexa e as dificuldades decorrentes do embate entre a intenção e a realização, entre o projeto e sua concretização, enfim, entre a vontade de mudança e a força inercial do preconceito internalizado.

No processo de conhecer e apropriarmo-nos da literatura existente sobre a questão racial no contexto escolar, contatamos o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), que, conforme vimos, consiste em uma organização não

governamental, cujo foco é o enfrentamento do racismo no Brasil, atuando em diversas frentes, entre elas a educação. Tomamos conhecimento dessa organização por meio de um encarte sobre o Prêmio “Educar para a Igualdade Racial”, primeira edição. Ao manusear o catálogo da 1ª edição do Prêmio, ocorrida em 2002, tivemos a impressão de que havíamos encontrado material estratégico para discutirmos as questões de nosso trabalho.

O contato com excepcionais experiências de enfrentamento do problema, por meio de entrevistas com as professoras, possibilitaram um conhecimento de suas contribuições na luta contra o preconceito e a discriminação racial, bem como uma visão aprofundada das dificuldades com as quais lidaram, das barreiras internas e externas que tiveram que sobrepujar no plano material, no plano institucional e no plano subjetivo. O catálogo apresentava as ações pedagógicas de enfrentamento do racismo e da discriminação racial na escola, premiadas pela organização. Após os contatos iniciais, a organização se mostrou receptiva e, depois de algumas reuniões presenciais com a equipe gestora da organização, fomos autorizadas a desenvolver a pesquisa.

No decorrer dos levantamentos iniciais junto à instituição, soubemos que, em 2008, havia ocorrido a 4ª edição Prêmio e que o seu catálogo estava no prelo. No final do segundo semestre de 2010, com a publicação do catálogo da 4ª edição, obtive os contatos das escolas premiadas. Objetivando responder nossas questões, buscamos compreender como as práticas pedagógicas de enfrentamento do preconceito e da discriminação racial foram desenvolvidas, e quais eram os elementos presentes nesse processo, além de investigar o que havia de diferente na prática dessas professoras que as levou a se destacarem. Supúnhamos que suas experiências permitiriam uma reflexão sobre os impasses e as estratégias adotadas nas práticas pedagógicas para o enfrentamento do racismo. Cópia das práticas pedagógicas analisadas consta do Anexo desse trabalho.