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Categorias de genes virais

No documento Virologia Humana, 3.ª Edição (1) (páginas 43-46)

A análise das sequências das proteínas virais revelou a existência de várias categorias de genes virais que diferem marcadamente em sua origem. Existem pelo menos 5 classes de genes que podem ser agrupados em três categorias:

A. Genes que contêm homólogos facilmente identificados em formas de vida celulares

A1. Genes que apresentam relação próxima com homólogos em organismos celulares (em geral, o hospedeiro do vírus em questão) presentes em um pequeno grupo de vírus. Exemplo: proteínas envolvidas na interação víruscélula do vírus da vaccínia

A2. Genes que são conservados dentro de um ou vários grupos de vírus que contêm homólogos celulares relativamente distantes. Exemplo: as proteases 3C e 2A dos poliovírus

B. Genes virais específicos

B1. Genes ORFan, ou seja, sem genes homólogos detectáveis exceto, possivelmente em vírus intimamente relacionados. Exemplo: a proteína 3A dos poliovírus

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B2. Genes virais específicos que são conservados em um grupo de vírus relativamente grande, mas não são detectados homólogos em formas celulares. Exemplo: a proteína VPg associada ao genoma dos poliovírus

C. Genes marcadores virais (VHG, viral hallmark genes)

C1. Genes comuns a muitos grupos distintos de vírus, com homólogos distantes nas formas celulares e com forte indicação de monofilia em todos os membros de uma dada família de genes virais. Ex.: JRC (jelly-roll-capsid), proteína de capsídeo; S3H: superfamília helicase III; RdRp: RNA polimerase-RNA dependente; RCRE: endonuclease iniciadora da replicação do círculo rolante; RT: transcriptase reversa.

As 5 classes de genes virais, provavelmente, apresentam origens distintas. É possível que as 2 classes de genes com homólogos facilmente demonstráveis em formas de vida celular possam representar aquisições relativamente recentes (classe A1) e antigas (classe A2) do genoma de hospedeiros celulares.

Trata-se de uma questão mais difícil a identificação de onde vieram os genes virais específicos. Não havendo evidência direta, uma hipótese possível seria a de que esses genes evoluíram de genes celulares, como resultado de uma aceleração dramática do processo evolutivo, associado à emergência de uma nova função vírus-específica, de modo que todos os traços de uma relação com os genes ancestrais foram eliminados.

A contribuição de cada uma dessas classes de genes para a formação do genoma de diferentes vírus depende principalmente do tamanho do genoma. Vírus com genomas pequenos, como a maioria dos vírus de RNA, costumam apresentar apenas um pequeno número de genes, e a maioria deles pertence à classe dos VHG. Diferentemente, nos vírus de genomas grandes (p. ex., poxvírus e outros vírus complexos de DNA de fita dupla [DNAfd]), todas as 5 classes de genes estão amplamente representadas.

Embora não haja qualquer correlação vertical entre os diferentes grupos de vírus de RNA e de DNA, um número considerável de genes que codificam proteínas com papéis fundamentais na replicação, expressão e empacotamento do genoma é comum a uma gama de grupos de vírus aparentemente não relacionados. Muitos desses genes são VHG, os quais são encontrados em uma ampla variedade de vírus (embora não em todos), mas não são encontrados em formas de vida celulares.

As características das proteínas codificadas pelos VHG são bastante incomuns e demandam uma explicação evolutiva. De fato, todos os VHG são responsáveis por aspectos centrais e essenciais do ciclo replicativo dos vírus. Esses genes estão presentes em um grupo extremamente diverso, os quais frequentemente apresentam estratégias de replicação diferentes e tamanhos de genomas distintos. Finalmente, todos os VHG contêm homólogos distantes nas formas celulares, mas são aparentemente monofiléticos nos vírus.

As duas proteínas mais amplamente dispersas entre os vírus são a JRC e a S3H. Cada uma delas cruzou a barreira entre vírus de RNA e de DNA e está presente em um enorme grupo de vírus pequenos de RNA de fita simples (RNAfs) até vírus complexos de DNAfd. A JRC é uma proteína que representa a principal subunidade do capsídeo de um vírion com estrutura icosaédrica. É altamente conservada e está presente em vírus de RNAfs e de RNA de fita dupla (RNAfd) e de DNAfd, reforçando o argumento da existência de um ancestral comum.

Um caso interessante é a proteína RCRE que está presente em grande variedade de replicons de DNA de fita simples (DNAfs) e de DNAfd, incluindo vírus, plasmídeos e transposons que infectam animais, plantas, bactérias e arqueias. As enzimas RdRp e RT catalisam a replicação dos vírus de RNAfs positivos (RNAfs+), RNAfs negativos (RNAfs–), de RNAfd e retrovírus.

Em virtude da significativa conservação dessas estruturas, tem sido considerada a hipótese de que essas estruturas conservadas significam a existência de linhagens distintas de arquitetura viral com ancestralidade no mundo pré-celular, embora não esteja clara a relação evolutiva entre essas linhagens.

A princípio, 3 hipóteses poderiam ser sugeridas para a origem dos VHG:

A primeira possibilidade é a de que a noção dos VHG teria como base um artefato. O argumento comumente invocado é o de que ortólogos genuínos desses genes (contraparte evolutiva direta, geralmente com a mesma função), na verdade, existem nas formas de vida celulares, mas não são detectados devido à rápida divergência da sequência entre as proteínas virais e celulares. Contudo, esse argumento não se sustenta. Primeiramente, a conservação das proteínas VHG em classes de vírus extremamente diversas, com estratégias de replicação e expressão diferentes, mas a sua não conservação em formas celulares, é incompatível com a ideia de divergência rápida. Para isso ser verdade, a aceleração da evolução dos VHG nas diversas classes de vírus deveria ter acontecido de tal maneira que a similaridade entre as proteínas virais se manteve, enquanto a similaridade entre as proteínas virais e seus hipotéticos ortólogos celulares desapareceu.

As outras duas hipóteses aceitam as proteínas VHG como realidade, mas oferecem cenários evolucionários contrastantes para explicar sua existência e disseminação

Uma hipótese propõe que os VHG representam a herança de um LUCA vírus (LUCAV). Esse cenário implica que apesar de todas as evidências do contrário, todos os vírus existentes são monofiléticos, embora sua evolução subsequente tenha envolvido uma perda massiva de genes em algumas linhagens, assim como uma extensiva aquisição de novos genes do hospedeiro em outras linhagens

Em outra hipóstese, contrariamente, considerando uma origem polifilética dos vírus, a disseminação dos VHG pode ser explicada pelo fenômeno de HGT.

Sob um rigoroso escrutínio, nenhuma dessas hipóteses parece ser uma explicação viável da existência e distribuição desses genes virais. De fato, o número relativamente pequeno e a disseminação dos VHG parecem não concordar com a noção do LUCAV, embora pareça que um grande número de vírus distintos, se não todos, tenham alguma história em comum. Por outro lado, a similaridade extremamente distante entre as proteínas VHG de grupos de vírus com diferenças dramáticas na estratégia de replicação não é exatamente compatível com o cenário HGT.

Uma hipótese alternativa seria a de que os VHG antecederam as células e são descendentes diretos do pool genético primordial (ver Boxe “Pool genético primordial | Hipótese de Oparin- Haldane”). A ideia é de que, no pool primordial, a seleção agiria primariamente em funções envolvidas em replicação, o que é compatível com as propriedades dos VHG.

Considerando o espalhamento dos VHG entre numerosos grupos de vírus distintos, uma consequência crucial é que as principais linhagens virais derivam do mesmo estágio précelular da evolução. Este dado serve como fundamento para o conceito de um mundo viral ancestral.

Pool genético primordial | Hipótese de Oparin-Haldane

Nas primeiras décadas do século XX, o bioquímico russo Aleksandr Ivanovich Oparin e o geneticista britânico John Burdon Sanderson Haldane, de maneira independente, sugeriram que, se a atmosfera primitiva era redutora e se houvesse um fornecimento adequado de energia, como luz ultravioleta ou raio, então, poderia ser sintetizada uma grande variedade de compostos orgânicos.

Oparin sugeriu que os compostos orgânicos poderiam ter sofrido uma série de reações, levando à síntese de moléculas mais complexas. Ele propôs que as moléculas formaram agregados coloidais em um ambiente aquoso, foram capazes de absorver e assimilar compostos orgânicos do ambiente e tomaram parte nos processos evolutivos, levando ao surgimento das primeiras formas de vida.

Haldane desenvolveu uma hipótese testável, envolvendo um “caldo pré-biótico ou sopa primordial”. Ele propôs que os precursores de moléculas de importância biológica e formas primitivas de organismos vivos foram formados a partir de materiais inorgânicos. A Terra primitiva apresentaria as condições necessárias para isso: uma atmosfera redutora composta principalmente por gases como metano, amônia, vapor de água e dióxido de carbono; a existência de um oceano e de fontes de energia como a luz UV proveniente do Sol e descargas elétricas na atmosfera.

Hipóteses para a origem dos vírus

No documento Virologia Humana, 3.ª Edição (1) (páginas 43-46)