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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.4 O TRABALHO INFANTIL

2.4.4 Causas e motivações

O trabalho infantil deve ser observado, segundo excelente publicação desenvolvida pela ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) em parceria com OIT e UNICEF (VIVARTA, 2003), por meio de duas perspectivas complementares: a da demanda, o por que do mercado procurar e absorver as crianças como força de trabalho, e a da oferta de mão-de-obra infantil, ou seja, por quais motivos as crianças começam a trabalhar desde cedo? Em relação à demanda, dois elementos devem ser levados em conta: A estrutura e a dinâmica do mercado de trabalho. O mercado possui espaços apropriados para a incorporação desse tipo de mão-de-obra, como o agrícola, que contrata a família, não o trabalhador individual, e cuja remuneração depende do volume de produção.

Na perspectiva da oferta de mão-de-obra infantil, quatro fatores precisam ser considerados, porque determinam as motivações e causas do trabalho precoce:

(1) A pobreza

Motivo historicamente citado como causa do trabalho infantil, há um consenso a respeito do papel preponderante desse aspecto como determinante do trabalho precoce. O baixo nível de renda dos adultos é muitas vezes insuficiente para assegurar a sobrevivência da família, levando crianças e adolescentes a ingressar no mercado de trabalho, sobretudo em empregos não formais, com atividades pouco qualificadas e sem perspectivas profissionais.

(2) A ineficiência do sistema educacional

Ainda que o exercício do trabalho prejudique a freqüência escolar, também os problemas internos ao sistema educacional desempenham um papel decisivo nas altas taxas de repetência e evasão entre as crianças das classes populares, expulsando-as do mundo escolar e promovendo a sua inserção prematura no mercado de trabalho.

O trabalho infantil é reflexo de uma cultura que valoriza pouco a infância e a educação, um sintoma de problemas de longo prazo nos sistemas educacionais. Também indica uma falha da educação no passado, que não foi capaz de preparar uma geração de pais que dessem prioridade à educação de seus filhos, e uma falha no presente, de um sistema que não consegue prover escolas em tempo integral capazes de suplementar aquilo que as famílias pouco educadas de hoje não são capazes de fazer. Os próprios pais, muitas vezes com baixo grau de instrução e, eles próprios, ex-trabalhadores infantis, desconhecem os motivos da proibição do trabalho infantil (MEDEIROS, 2011).

A ineficiência da escola como um dos motivos que estimula o trabalho infantil também aponta para um sintoma: muitas crianças submetidas ao trabalho e ao estresse do trabalho estão na escola, não vivem nas ruas. É preciso dar uma boa escola, que ofereça estímulos intelectuais e estéticos, que seja atraente e inspire confiança para que nenhuma criança queira estar fora dela (ACIOLI, 2010).

As crianças que recebem uma educação de alta qualidade têm grande vantagem no desenvolvimento cognitivo e socioemocional por todo o resto da vida. A implementação de escolas públicas em tempo integral tem sido apontada como a solução ideal para ajudar a combater o trabalho precoce, uma vez que a criança estaria em ambiente protegido, longe de situações de risco às quais o trabalho infantil a expõe (VILANI, 2010).

(3) O sistema de valores e tradições da nossa sociedade

Os padrões culturais e comportamentais estabelecidos nas classes populares levam à construção de uma visão positiva em relação ao trabalho de crianças e adolescentes. O trabalho precoce é valorizado como um espaço de socialização, onde as crianças estariam protegidas do ócio, da permanência nas ruas e da marginalidade.

Essa questão cultural tem origem na cultura escravocrata brasileira, de que trabalhar contribuiria para a formação do caráter. Para muitos pais, o trabalho infantil não é um meio de subsistência familiar, mas sim uma importante fonte de aprendizagem. Além disso, não se pode deixar de considerar o orgulho dos pais, em algumas situações, como quando transmitem o próprio ofício ao filho (BRASIL, 2007) ou quando “seu herdeiro” ganha o destaque de aparecer na televisão.

Razões culturais também valorizam demasiadamente o trabalho como forma de realização do ser humano. SOUZA (2006) destaca que se o trabalho fosse realmente o mais apropriado modo de educação das crianças, os filhos de famílias abastadas estariam trabalhando, mas não é o que ocorre. Na verdade, o trabalho precoce atua como uma forma de manter a condição de desigualdade social, uma vez que a criança que trabalha geralmente não se dedica aos estudos e, por isso, não tem chances de ocupar os melhores trabalhos na fase adulta, reproduzindo a sua condição de pobreza e exclusão.

(4) O desejo de muitas crianças de trabalhar desde cedo

Do ponto de vista da criança e do adolescente, especialmente nos meios urbanos, a vontade de ganhar o próprio dinheiro é mais um motivo para ingressar no mercado precocemente. Para eles, significa a independência em relação à família e a possibilidade sedutora de ter acesso a determinados bens de consumo.

Neste sentido, PALMEIRA SOBRINHO (2010) destaca que as necessidades de consumo que o capitalismo desperta, principalmente com a utilização da mídia e das novas tecnologias, exercem uma pressão descomunal nos jovens, os quais se vêem obrigados a venderem cada vez mais precocemente sua força de trabalho para que se sintam ‘incluídos’ nas relações de consumo.

KASSOUF (2002, 2004) aponta que o trabalho infantil é encontrado também no chamado Primeiro Mundo, todavia tal trabalho não é considerado como necessidade de sobrevivência, mas sim desejo de consumo pessoal e, às vezes, é interpretado como não prejudicial aos estudos, por ser em tempo parcial. Porém a autora destaca que tal afirmação é polêmica e enfrenta resistências, porque muitos discordam dessa visão.

Outro estudo que confirma a existência de múltiplos fatores para o trabalho infantil na América Latina: os números obtidos indicam que o trabalho infantil não é decorrente exclusivamente da insuficiência de renda das famílias; ainda que 45% das crianças que trabalham pertençam a famílias situadas entre as 25% mais pobres do país, verifica-se a existência de trabalho infantil em famílias que estão acima da linha de pobreza. E mais: 5% delas pertencem aos 25% de famílias mais ricas (COURALET, 2003).

Segundo tal pesquisa, tende-se a achar que existe uma substituição do trabalho adulto pelo trabalho infantil, ou que a maior parte das crianças trabalha para compensar o desemprego dos pais, mas o que se vê é que existe uma complementaridade entre o trabalho dos pais e o das crianças: segundo esse estudo, uma criança filha de autônomos ou empregadores tem 22% a mais de chance de trabalhar, na área rural, e 5% a mais, na área urbana, do que outras crianças. Os dados apontam, ainda, que os pais são os maiores empregadores de crianças no Brasil: duas entre cada três crianças que trabalham não são remuneradas e estão envolvidas em negócios

familiares ou na atividade produtiva em pequenas propriedades rurais (COURALET, 2003).