• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.4 O TRABALHO INFANTIL

2.4.3 Reflexos na saúde infantojuvenil

O trabalho e suas repercussões na saúde de crianças e adolescentes ganharam visibilidade nos últimos anos, com diversos estudos onde aquele prevaleceu como fator determinante nessas vidas, podendo ocasionar consequências positivas e, na maior parte dos casos, negativas ao seu desenvolvimento biopsicossocial. Isso ocorre devido à competição que se estabelece entre as atividades de trabalho e as atividades escolares, de esporte e lazer, essenciais para uma saudável formação do indivíduo (USA- NIOSH, 1997; GALLI,2001; FISCHER e OLIVEIRA, 2003; FISCHER et al., 2003; KASSOUF, 2007; FISHER et al. 2008; TEIXEIRA et al. 2010).

Segundo a OIT, o trabalho precoce interfere diretamente no desenvolvimento infantojuvenil (OIT, 2001, p.16):

 Físico: porque ficam expostas a riscos de lesões, deformidades físicas e doenças, muitas vezes superiores às possibilidades de defesa de seus corpos;  Emocional: podem apresentar, ao longo de suas vidas, dificuldades para estabelecer vínculos afetivos em razão das condições de exploração a que estiveram expostas e dos maus-tratos que receberam de patrões e empregadores;

 Social: antes mesmo de atingir a idade adulta, realizam trabalho que requer maturidade de adulto, afastando-as do convívio social com pessoas de sua idade.

Esses danos são de difícil superação porque há um tempo certo para vivenciar as várias etapas da formação (OLIVEIRA et al., 2001). Há características que diferenciam os trabalhadores infantis e podem aumentar o risco de doenças ocupacionais, como a falta de experiência e a necessidade de balancear as demandas da escola e trabalho. Além de prejuízos ao amadurecimento físico e psicológico, o trabalho precoce impede o jovem de dedicar-se a atividades extracurriculares, é responsável pelo atraso escolar e pode provocar transtornos de sono (FISCHER et al., 2003; FISCHER et al., 2000; USA-NIOSH, 1997; ARTES e CARVALHO, 2010; TEIXEIRA et al., 2010; BEZERRA, 2006).

Conforme sistematizado em VILELA e FERREIRA (2008), estudos do NIOSH - National Institute for Ocuppational Safety and Healty (órgão do governo norte-americano), sobre os efeitos do trabalho das crianças e adolescentes, partem de uma premissa básica da pediatria, de que as crianças não são adultos em miniatura. A maioria do sistema biológico do corpo humano não está madura até a idade de dezoito anos. Embora os adolescentes sejam mais parecidos com os adultos do que com as crianças de menor idade, seus corpos ainda estão em crescimento e maturação (USA-NIOSH, 1997).

O trabalho diminui o tempo disponível da criança para brincar, viver em família e conviver com seus pares e comunidade. Acrescenta-se a

este fato a diminuição no tempo utilizado para realizar as tarefas escolares, impedindo o estudante trabalhador de se dedicar às atividades educativas de forma apropriada, dentro e fora do período escolar (FISCHER e OLIVEIRA, 2003; GALLI, 2001).

A incidência de acidentes de trabalho entre jovens é maior do que entre adultos, reduzindo-se com o aumento da idade (SANTANA, 2003). FRANKLIN et al. (2001), ao estudar a relação trabalho e saúde, relatam que crianças e adolescentes apresentam fatores mais vulneráveis aos riscos do trabalho precoce, como: imaturidade e inexperiência, distração e curiosidade naturais à idade, desconhecimento dos riscos no trabalho, e também tarefas inadequadas a sua capacidade física. Como os jovens possuem menor possibilidade de defesa e reação, as características dos sistemas produtivos se tornam muitas vezes incompatíveis com as suas capacidades psicofisiológicas (ASSUNÇÃO e DIAS, 2002).

O padrão do ciclo vigília-sono do adolescente sofre alterações induzidas pela atividade laborativa. Observa-se, então, uma redução severa do sono noturno, o que produz no indivíduo sensação de cansaço crônico. Os déficits de sono estão associados aos problemas de atenção e concentração, o que pode provocar um baixo rendimento escolar, além de aumentar a incidência do uso de substâncias estimulantes por parte dos trabalhadores precoces (FISCHER et al., 2008; FISCHER et al., 2000; TEIXEIRA et al., 2010; TEIXEIRA et al. 2007). O uso do álcool, tabaco e outras drogas é mais elevado entre os adolescentes trabalhadores (SOUZA e SILVEIRA, 2007).

O Ministério do Trabalho e emprego elaborou quadro com as atividades proibidas antes dos 18 anos e o ganho com tal vedação:

Quadro 4: Motivos de algumas proibições antes dos 18 anos

Fonte: (BRASIL, 2009)

O relacionamento da criança com seu ambiente transcende ao do adulto. Segundo ASSUNÇÃO e DIAS (2002) citando Marcondes, os seres vivos jovens têm um ponto de vulnerabilidade máxima ao ambiente, que decresce ao longo do processo de crescimento, mas permanece relevante por muitos anos. Quanto mais jovem, a criança mais depende do meio ambiente e mais sensível às suas agressões. Enquanto o adulto reage, briga, foge e até mata na busca de sua adaptação, a criança precisa ser protegida.

Além disso, no papel de trabalhadores, adolescentes e crianças são levados a agir como adultos, mas acabam vivendo um conflito porque continuam sendo sujeitos em formação, o que pode gerar problemas emocionais, cognitivos e físicos, decorrentes do papel conflituoso a representar no trabalho, família e comunidade (ASMUS et al., 1996; MEIRE, 2000). As crianças tornam-se jovens adultos muito precocemente, sem desenvolver aspectos essenciais para a vida futura, atingindo diretamente a sua capacidade de criar (BARROS, 2003).

O comprometimento da saúde e do desempenho escolar de adolescentes foi observado mesmo em atividades supostamente leves e com

fins educativos, como nos casos de aprendizes e estagiários (LUZ, 2010). Isso ocorre porque com freqüência o aspecto produtivo prevalece sobre o educativo, além de nem sempre haver condições apropriadas de saúde e segurança no trabalho (FISCHER et al., 2003). De acordo com SANTANA (2005), a proporção de abandono escolar foi quase três vezes maior entre as crianças e adolescentes que trabalhavam, quando comparados aos que não trabalhavam, e maior a freqüência de problemas no desempenho escolar entre os meninos e de saúde entre as meninas.

Mas o trabalho infantil é heterogêneo: o tamanho do impacto negativo do trabalho precoce no futuro da criança depende de como aquele trabalho afeta no progresso e desempenho escolar e também em sua acumulação de habilidades para trabalhar. Trabalhos em período integral provocam os piores impactos no desempenho e evolução escolar, mas também concluiu GALLI (2001) que atividades em tempo parcial, especialmente aquelas que demandam muito esforço físico, podem prejudicar o processo educativo, pois a criança estará cansada para participar adequadamente das atividades escolares ou para estudar em casa. Aqui não faz diferença a distinção entre ser ou não atividade de risco ou trabalho remunerado, porque todos eles competem com a educação formal da criança.

A idade para entrada no mundo do trabalho também é importante neste contexto: quanto mais jovem a criança, menor capital humano ela será capaz de acumular. Muitas famílias pensam que é bom que a criança comece cedo a trabalhar para adquirir prática e habilidade que ajudará na escola. Mas estudos sistematizados em GALLI (2001) concluíram que, no trabalho infantil urbano, as atividades realizadas por crianças foram em sua grande maioria inábeis e que crianças que entraram mais jovens na força de trabalho ganham menos na média do que crianças de mesma idade que entraram mais velhas.

Crianças e adolescentes vivem em um processo dinâmico e complexo de diferenciação e maturação. Precisam de tempo, espaço e

condições favoráveis para realizar sua transição, nas várias etapas, em direção à vida adulta. A exaustão corporal provocada por uma carga de trabalho além do ‘suportável’ pelo organismo do indivíduo – fadiga ocupacional, muscular, visual – associada a um aporte nutricional insuficiente, parecem ser os fatores precipitantes para o desenvolvimento das patologias (ASMUS, 2004).

Embora estudar e trabalhar seja considerado um fator de grande desgaste físico e emocional pelos adolescentes, estes, no entanto, tendem a avaliar o trabalho como algo positivo, pois pode ser fonte de vantagens de ordem emocional e meio de buscar um futuro melhor (OLIVEIRA et al., 2001). De fato, há também pesquisas indicando que o prejuízo do trabalho infantil aos estudos pode não ser pelo fato da criança trabalhar, mas pela quantidade de horas dedicadas a essa atividade (ORAZEM e GUNNARSSON, 2003). O trabalho de até duas horas diárias ou 14 horas semanais causou redução mínima e até nula no desempenho escolar dos adolescentes avaliados por BEZERRA (2006). Mas a partir daí, cada hora a mais por dia de trabalho implicou em diminuição do rendimento escolar; e os alunos que trabalham somente no domicílio tiveram menor prejuízo quanto ao desempenho em relação aos que trabalhavam somente fora do domicílio (BEZERRA, 2006).

O trabalho do adolescente, quando revestido das condições de higiene e segurança, e ainda se for instituído e acompanhado com escopo educativo, poderá ser importante no processo de qualificação profissional do educando e poderá se constituir em estratégia de política pública e inclusão social (PALMEIRA SOBRINHO, 2010).

Antes de destacar que os trabalhos “do bem” são minoria dos casos encontrados nas pesquisas, GALASSO (2005) apresenta as características que os identificariam: dá chance de aprender um trabalho que pode mais tarde se transformar numa profissão, dá chance de desenvolver habilidades, melhora autoconfiança e autoestima, auxilia a desenvolver espírito de equipe, responsabilidade e ajuda o adolescente a crescer como pessoa ou

cidadão. USA-NIOSH(1997) aponta como efeitos positivos do trabalho de meio período, realizado por adolescentes, a aquisição de novas habilidades e desenvolvimento da autoestima e autoconfiança; porém o mesmo estudo conclui que são efeitos negativos deste trabalho em tempo parcial a diminuição da performance escolar, no desempenho em atividades esportivas ou extracurriculares e o aumento do uso de álcool.

A questão é: como proteger e impor limites, considerando a variação individual das resistências humanas e a extrema vulnerabilidade desta fase de formação? Seria possível impor restrições e fiscalizar para garantir uma experiência positiva, mesmo que precoce, com o mundo do trabalho?

ASMUS et al. (1996) concluem que crianças menores de 14 anos não devem exercer nenhuma atividade laboral, visto os potenciais riscos ao seu desenvolvimento biopsicossocial que as cargas físicas, emocionais e sociais acarretam. Segundo PALMEIRA SOBRINHO (2010), o trabalho precoce representa riscos para todos os menores trabalhadores, embora estes sejam proporcionalmente distintos conforme a função exercida pelo menor e o setor da atividade econômica a que este esteja vinculado.

Apesar das pesquisas indicarem os danos potenciais que o trabalho precoce pode causar ao crescimento e desenvolvimento da criança, grande parte da comunidade onde estão inseridos os menores trabalhadores interpreta o trabalho infantil como positivo para a formação educativa como cidadão. Por isso sempre existiu um paralelismo entre as normas jurídicas sobre o trabalho infanto-juvenil e o descumprimento pela realidade social. Já foram elaborados ótimos estudos sociológicos, econômicos e políticos sobre o trabalho infantojuvenil, mas suas constatações ou indignações não ultrapassam os ambientes acadêmicos (OLIVEIRA, 2007).

Além da falta de informação dos pais sobre esses riscos, questões como dificuldades econômicas e valores culturalmente arraigados

dificultam a conscientização das pessoas sobre os efeitos negativos que determinados tipos de trabalho representam para o futuro dos adolescentes (FISCHER e GALASSO, 2008). Cabe verificar, pois, as razões que levam ao trabalho precoce.