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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.4 CONSEQUÊNCIAS E SUGESTÕES PARA O TIA

No relato das mães, foram apontadas como mudanças oriundas do envolvimento com as atividades artísticas realizadas profissionalmente: amadurecimento, melhora na autoestima, aumento do interesse pela dança, fica se achando poderosa quando a peça está em cartaz, aprendizado de coisas novas que pode usar na vida, como apresentar palestras na faculdade, mais segurança e autoconfiança, passou a freqüentar mais teatros para assistir apresentações de conhecidos. Algumas mudanças positivas citadas pelas mães, porém, poderiam ser vistas como problemas causados pelo envolvimento precoce com o mundo do trabalho:

-“O que de positivo você acha que esta participação artística trouxe para ela?” (pesquisadora)

- “Amadurecimento cada vez maior... alegria... tanto é que ela fica

triste quando não tem trabalho, até chora quando acaba porque não vai mais ver os amigos” (mãe B)

Já as mudanças negativas decorrentes, na opinião das mães, da atividade artística foram: ficou muito autocrítica e baixou a autoestima, piora na alimentação, virou motivo de gozação de pre´-adolescentes (devido comerciais de produtos infantis), tem falta de ar devido competição (ouviu “eu sou melhor que você”), não quer se dedicar ao colégio porque vê outras que não se dedicam irem melhor que ela nos testes, o bullying que já sofria pioroou quando todos souberam que ele dançava.

Para os artistas mirins, os aspectos positivos trazidos pela experiência profissional artística foram: conhecer pessoas novas, aprender a sapatear e a cantar, se sentir orgulhosa dela mesma, receber aplausos, ouvir elogios, reconhecimento (“eu fiz uma cena que chorei tanto que o [emissora] desceu inteiro para me aplaudir, isso me disse que eu tinha conquistado o que eu queria” – criança I), ajudar a amadurecer, ficar mais centrado, melhorar a desenvoltura em público (“Eu nunca fui tímido mas agora tenho menos vergonha depois do musical... eu parei de ter vergonha em público para falar alguma coisa, sabe, falar em apresentação oral na escola.” - criança F), melhorar na nota da escola porque ficou com medo de ir mal e passou a estudar mais e ser melhor tratado socialmente:

“mudou muuuito, tinha gente que na porta da escola nem falava com a gente, porque a gente não é rico, a gente é classe média, nossa, que se achavam, e depois que ficaram sabendo era Oi, tudo bem... Era uma coisa, gente...de repente tive tanto amigo... Na escola, na rua, no condomínio..” (criança I)

Já as consequências negativas do trabalho artístico lembradas pelas crianças foram: as vezes que querem ir a um lugar e não podem (porque têm compromisso), acharem que está mentindo porque é ator, dificultar a convivência com a família, atrapalhar na relação de amizade:

“os alunos tratam diferente, minha amiga se sente meio excluída porque os pequenos na escola, que fofo, vem pedir autografo e foto” (criança E)

“De ruim aconteceu que as pessoas começaram a zoar comigo, tipo todo mundo ficou com ciúmes e eu ficava mal, sentindo dentro de mim, tentava me controlar, me sentia culpada de ter feito uma coisa que elas [as amigas] não fizeram, eu saia antes da aula para ensaiar, eles falavam que eu perdi a melhor parte da aula, maior pressão, professores dando muita lição porque eu faltava... notas mudaram para pior porque eu não tinha tempo de estudar, notas hoje não são muito boas, sempre tem D no fim do ano (....) cansa falar sobre isso[ falar sobre como é fazer comerciais e musicais], tem que repetir para família varias vezes, onde passa, “ah, foi legal”, só fala este assunto” (criança H).

Neste último depoimento fica claro que as repercussões no rendimento escolar podem se estender muito tempo após o encerramento da temporada teatral. E que há sim repercussões na escola em decorrência do trabalho artístico, se não para todos os envolvidos, para parte do grupo observado, o que pode ser explicado por características individuais (maior facilidade/dificuldade) ou contextuais (escola de pior qualidade, terceiro fazendo a lição de casa, escola conivente). Ou seja, este fenômeno se comporta tal qual já foi observado em vários estudos sobre a perda de rendimento escolar dos estudantes em decorrência da vida laboral (FISCHER e OLIVEIRA, 2003; FISCHER et al., 2003; BEZERRA, 2006; GALLI, 2001; SANTANA, 2005).

A grande maioria dos distúrbios na saúde dos artistas mirins que participaram desta entrevista, tratados em tópico anterior (5.1.5), embora em alguns casos não percebido pelos próprios entrevistados, estão diretamente relacionados com a atividade artística e também podem ser considerados conseqüências do TIA. Alguns deles são: queda de cabelo e enxaqueca, ansiedade (estresse), insônia, alimentação inadequada, quedas, músculos machucados, calo nas cordas vocais, rinite alérgica manifestada sob o ar condicionado dos estúdios e queda da autoestima.

Outro importante indicativo de que os reflexos negativos desta atividade parecem não compensar os positivos está na fala dos profissionais da área, ouvidos diretamente ou através dos comentários dos entrevistados.

“Tenho alguns amigos atores que falam: não deixa ele atuar agora, deixa ele ser feliz, deixa ele ser criança, depois ele vai e faz ECA e aí vai ser feliz [no teatro]” (mãe C).

“Eu sou contra o Trabalho Infantil artístico, por isso não agencio crianças. O problema não é só o trabalho. A criança fica famosa e: ou fica muito popular ou fica segregada; cria uma criança apontada e o quanto isso é bom? Ser apontada sem ter

personalidade formada, não sabe ainda quem é, e querer pertencer a um grupo... e ganhar uma falsa personalidade, porque as pessoas julgam e acreditam que sabem quem ela é: isso acontece com os adultos”

(agente de atores)

Durante a observação da gravação de novela, ao questionar o ator que fazia o pai da atriz mirim se ele tinha filhos e se os colocaria ou colocara na carreira, ouvi um categórico “de jeito nenhum”. Em seguida relatou experiência vivida com sua esposa, também atriz, na qual gravaram comercial representando uma família e levaram o filho do casal. Viram, então, o fotógrafo sem paciência apertar o braço da criança e puxá-lo bruscamente: era a primeira e última vez que exporiam o filho a tal situação. Questionado sobre a cena da garotinha no seu colo, que acabara de fazer (e que a mãe acompanhante não vira porque estava em sala separada e sem contato visual com a filha), afirmou que sua esposa jamais permitiria que uma filha passasse por aquilo.

Ao final de cada entrevista com as mães acompanhantes e artistas mirins era perguntado se gostariam de fazer alguma sugestão para melhorar as condições de trabalho no segmento. As respostas foram ricas e variadas: a produção deveria oferecer apoio psicológico, poupar a criança de esperar, organizar o roteiro de gravações/sessão de fotos em função da criança, igualar as remunerações, se deveria tomar cuidado aos conteúdos exposto às crianças tanto nas cenas que ela participa quanto naquelas que ela assiste nos ensaios ou apresentações, o sindicato precisa fiscalizar este segmento, o cachê-teste sempre deveria ser pago, as produções e/ou agências deveriam avisar o artista mirim quando não passou no teste e explicar os motivos.

A seguir, a transcrição de algumas dessas opiniões:

“Eu acho que devia ter restrição sim, e deveria ter um apoio psicológico, no mínimo uma explicação... não era peça para

criança ... é importante ter apoio psicológico para crianças e pais ... seria ótimo, porque a carga que estes pais colocam em cima desses filhos ... se tivessem orientação aos pais, facilitaria a vida das crianças. (....) E tem que ter restrição de papel, para ver se

papel é adequado para criança... ‘ah’, falam, ‘tem que ter criança

porque na estória [da peça, novela] tem criança’... não sei, ou só

participa daquela cena e não vê o que acontece depois [não assiste as outras cenas impróprias para a faixa etária do artista mirim], fica numa salinha e não vê o resto, já aconteceu em umas pecas isso, ou não faz. Os temas de maior curiosidade e devem ser mostrados de forma adequada: sexualidade, violência, drogas... tem que ser de forma adequada pelos pais e não de repente numa peca de teatro, ver aquilo de qualquer forma. Seria bom que estas limitações ficassem a cargo da produção, mas como não se pode contar com o bom senso de cada um, essas coisas tem que virar lei. Afinal, com bom senso não precisaria nem de ECA!” (mãe C)

“Crianças devem ser respeitadas, em primeiro lugar, as mães entenderem que aquilo não é profissão delas... nem a deles, porque eu não sei o que ele vai ser amanhã... tem que respeitar o limite deles, idade, a condição de [estar no] colégio” (mãe E) Criança C: ”Gravar todas as cenas que tem as crianças [pra não ficar esperando muito] e depois as dos adultos. Ou passa para as crianças chegarem mais tarde”

“Devia ser como na Argentina, participação ativa do sindicato; ficava alguém do sindicato ficava anotando horário que a criança entrou e saiu do set de gravação, observando o limite para 6h diárias(....) Seria bom que tivesse cachê-teste para crianças, somente poucas produtoras pagam; que mantivessem as datas acertadas para as gravações/fotos e não ficassem mudando e avisando em cima da hora.” (mãe F)

“Teria que se compensar melhor, não financeiramente mas... Na [emissora de televisão] deviam ter dado mais apoio pras crianças, (....) tem que ter esta sensibilidade, criança é criança, se não estiver bem não vai rolar, ter psicólogo para conversar... tem que ter esta estrutura, numero menor de horas.. .. é sim, demoraria mais para eles terminarem, mas não é problema nosso, tipo um dia gravar só com as crianças não ia demorar tanto. As vezes ela ia gravar só duas cenas e ficava a tarde inteira esperando e estressa, ficar sem fazer nada, numa sala bem pequena, ela levava o IPad e ficava lá sentada, sem espaço para correr, brincar, isso não é uma coisa saudável, criança tem que correr, brincar com outras crianças, e isso eu acho que tinha que

melhorar. Eles tinham que ter uma regra, ‘a gravação vai ser tal e tal dia’[avisar com antecedência, organizar com antecedência]. Não tinha regra, cada semana era um horário e dia diferente, vinha o roteiro e a gente tinha que respeitar o roteiro, então prejudicava mais ainda a escola, as vezes tinha aula estendida e ela perdia essas aulas.’ (mãe D)

“A lei devia ser baseada em critérios, mas é utópico porque muitas vezes o bom senso do produtor vai além do que o bom senso das mães... às vezes colocam as produções como vilões, mas na realidade não são eles os vilões... porque a gente como mãe é dono do filho da gente, isso é que é complicado, as leis devem obrigar os pais também, fazer restrições de decisão... senão não funciona...” (mãe G)

“Todo e qualquer trabalho que uma criança vai fazer, passará pelo filtro e crivo do pai e da mãe, então o trabalho mais importante a ser feito é com este pai, é com esta mãe (....) querer vender o filho a qualquer preço, sabe aquela coisa, o que precisar, se precisar cortar careca ele vai, se precisar... sapatear ele vai, entendeu? Tem gente que expõe a criança num grau, eu acredito que até o contratante as vezes se assusta, eu acredito que sabe quem deve ser um problema enorme para o contratante? As mães e os pais, porque todos pensam que estão carregando uma estrela no colo ... e acaba judiando da criança. (....) acho tem que ser feito um trabalho de conscientização de pai e mãe, de quem cuidar dessas crianças para que... olha, em primeiro lugar criança tem que ir para escola! Várias vezes eu ouvi ‘ela está mal, faltou, tá difícil na escola... ta fazendo muito teste, uma coisa atrás da

outra...’.Calma, isso não é meio de vida, mas para algumas

pessoas isso ainda é meio de vida. Acho que a lei com criança é muito rigorosa, percebo que essa lei funciona super bem mas aonde? Fiz uma foto e tudo bem... mas se saio de lá e faço outra foto no mesmo dia, um pouco depois e entra noutra situação, não sei se a lei acompanha isso... não sei, numa semana uma criança pode fazer 10 coisas diferentes. Uma vez por semana e olhe lá eu recomendaria. No teatro é outra historia, fim de semana com revezamento, tem hora para começar e para terminar, uma sessão de foto pode terminar as 2, as 4[da madrugada]... e de manhã ela tem aula! Esse acúmulo de coisas como meio de vida acho errado... questão não é horário de volta para casa do teatro as dez da noite, o problema é acúmulo... se contrato prevê só tal e tal dia da semana, se eu sou mãe razoável, não vou colocar outra atividade... uma coisa de cada vez.. tem criança que consegue, que acontece, que vibra com este ritmo, mas acho que não é saudável, até para formação.. por ser uma criança, tem que priorizar o que chegou primeiro. Mas não é o que a gente assiste,

é um excesso de coisas, tem crianças que fazem muitas coisas, fazem bem, são talentosas, acho que não tem mais como dizer

não, vira uma bola de neve.” (mãe H)

Estes últimos dois depoimentos trouxeram destaque a outro aspecto que precisa ser considerado: como os trabalhos na publicidade são esporádicos e a quantidade de trabalho é que determina o retorno financeiro, não será possível verificar o excesso de atividades no set de gravações, pois a criança pode estar acumulando atividades diversas que, se realizadas isoladamente, não gerariam prejuízo ao artista mirim. O envolvimento da escola para notificar tal excesso é a sugestão que será feita ao final desta dissertação.

5.5 ASPECTOS JURÍDICOS: A INOBSERVÂNCIA DA LEI