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5 DISCUSSÃO E RESULTADOS DO EXAME DAS CATEGORIAS, ATRIBUTOS E POLARIZAÇÃO

5.2 CAUSAS DO ESCÂNDALO DO SENADO

As causas classificadas como gerais e específicas exibem o nascedouro das especificidades de condutas éticas narradas pelo jornalismo político. Destacam-se aquelas que revelam um Brasil arcaico, dizendo melhor, a comprovação ainda de métodos pré-históricos no desenvolvimento moral dos indivíduos.

Por causas gerais entendem-se aquelas relativas aos métodos políticos já descritos, provenientes da gênese histórica perdida no tempo. Quanto às específicas, são as causas pertinentes a este escândalo midiático, portanto, mais atuais embora algumas possam também ter raízes imemoráveis.

A seguir, as temáticas de causas mais presentes encontradas das coberturas jornalísticas das revistas Carta Capital e Veja:

Itens constantes da categoria das causas do escândalo do Senado

Gerais

Velhos hábitos patrimonialistas e clientelistas Nepotismo

Fisiologismo Impunidade

Brasil arcaico – pré-história do desenvolvimento moral Mediocridade ou baixa capacidade ética dos congressistas Simbiose nociva entre parlamentares e servidores

Conivência dos atores políticos Burocracia da Casa

Específicas

Rescaldo da competição pela presidência do Senado Atos administrativos secretos de nomeações Disputa interna entre grupos de interesses Demissão do diretor-geral Agaciel Maia

Diminuição do papel da mídia pelos congressistas (crise de imagem) Fonte: dados da autora extraídos das revistas.

Detalhando, as causas específicas do escândalo mais discutidas pelas reportagens são o rescaldo da disputa pela presidência do Senado e a concorrência de poder entre os grupos de interesses. Surge também uma terceira, citada na Carta Capital de 13 de maio, pelo cientista

político Lúcio Rennó como responsável pela crise de imagem do parlamento: a tendência dos congressistas de minimizarem o trabalho da mídia.

No box A história, segundo Sarney a jornalista Cynara Menezes compara fatos e versões do imbróglio; ainda na edição de 24 de junho, Menezes inclui mais uma causa específica do escândalo, relembrando que no princípio, a esfera de Sarney e Renan atribuía a avalanche de acusações ao rescaldo da disputa entre ele e Tião Maia. “[...] Mais tarde, os sarneyzistas tiraram a mira de Viana e passaram a apontar para uma disputa de poder interna entre os próprios funcionários.”163 (p. 31).

Ao patrimonialismo, divisado em tempos imemoriais, é imputado o retardamento democrático do Brasil e, muitas vezes, serve aos propósitos oportunistas e aos políticos ou partidos de má fé para atribuírem à “cultura” a culpa de desmandos éticos, uma característica da política brasileira ou um comportamento histórico.

Na entrevista feita a Michel Temer, em 22 de abril, Otávio Cabral fez uma pergunta que diz respeito à multiplicação de escândalos no Congresso, ao enquadramento dominante da entrevista, às categorias do julgamento dos desvios éticos e das causas da crise governamental. “A falta de parâmetros éticos tomou conta da política?”

M.T. [...] Evidentemente há uma confusão entre o que se pode fazer e o que não se pode fazer. Há falhas no controle, mas esses casos vão ser solucionados pouco a pouco. Não dá para chegar arrombando a porta. O patrimonialismo é uma característica da política brasileira, e esses desvios de comportamento são históricos. [...] Quem erra precisa ser condenado. Os erros de poucos não podem contaminar a instituição (p. 20).

O parágrafo sugere atenuação dos equívocos dos atores, atribuindo a responsabilidade das falhas éticas à história política e à cultura nacional. Retomam-se as observações contidas no primeiro capítulo sobre a imanência do patrimonialismo ao longo da história política nacional. Tal característica, com seu recheio de estamento burocrático, impediu a ocorrência da Revolução Burguesa na Península Ibérica, contemporizando sua entrada na Idade Moderna. As decorrências pavimentaram a história política, sociocultural e religiosa do país, o que formalizou as noções éticas delineadoras, juntamente a outras influências estrangeiras, da conduta jornalística professada no Brasil.

163

A crise, segundo o jornal O Estado de São Paulo (19/04/09), expôs uma disputa interna entre dois grupos que cobiçavam administrar um orçamento anual de R$ 2,7 bilhões. De um lado, a “elite técnica”, formada pelos concursados. Do outro, a turma dos que entraram “pela janela”, sem concurso público, incluindo o diretor- geral, Agaciel Maia (ESCÂNDALO..., [entre 2004 e 2012]).

Diversas expressões colhidas no decorrer das coberturas mostram marcas históricas da colonização brasileira, das práticas políticas, origens socioculturais ou religiosas, cuja herança viria pavimentar as ações políticas atuais, as condutas éticas na esfera pública, na profissão jornalística ou no âmbito privado.

Seguindo o rastro do procedimento ético dos atores políticos interpretado pelo jornalismo, Otávio Cabral relembra aos leitores, na matéria de 25 de março, que o clientelismo, também mencionado no primeiro capítulo deste trabalho, é de natureza de grande parte dos políticos, e convoca o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para legitimar o pensamento, enquadrando-o na temática das causas:

Há uma tradição patrimonialista, o dinheiro público dos impostos dos contribuintes é apropriado privadamente pelos políticos. Junte-se ao patrimonialismo a certeza da impunidade e chega-se ao quadro vivido hoje no Congresso (p. 68).

De acordo com a observação dos motivos que proporcionaram a crise do governo muitos são mesmo considerados raízes históricas, a exemplo do desejo de ser incomum ou superior, de ser pessoa e não indivíduo, de obter vantagens indevidas ou do mau uso do dinheiro público. A então diretora Thaís Oyama, autora da matéria da Veja, Com o rei na

barriga, conta-nos em 24 de junho que,

A divisão entre uma classe superior de cidadãos e outra inferior está no núcleo da formação da sociedade brasileira e, a despeito de todos os avanços, ainda representa um quisto obscurantista nas regiões mais atrasadas do país – como o Maranhão de Sarney, como a Brasília dos políticos. Antes mesmo de dom João VI aportar no país, trazendo em seus baús o modelo do estado absolutista, o sistema de capitanias hereditárias já previa a diferenciação entre os cidadãos ‘comuns’, que não tinham riquezas, e os cidadãos ‘incomuns’, aqueles que haviam recebido terras do rei – os chamados ‘homens bons’ (p. 67-68).

As categorias do julgamento ético e das causas do escândalo algumas vezes confundem-se ou assemelham-se justo porque ambas destacam velhas chagas, as mesmas anomalias do cenário político nacional.