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JULGAMENTO DE DESVIOS ÉTICOS: DESCOMPOSTURA DOS ATORES POLÍTICOS E DESCONTROLE NOS GASTOS PÚBLICOS

5 DISCUSSÃO E RESULTADOS DO EXAME DAS CATEGORIAS, ATRIBUTOS E POLARIZAÇÃO

5.1 JULGAMENTO DE DESVIOS ÉTICOS: DESCOMPOSTURA DOS ATORES POLÍTICOS E DESCONTROLE NOS GASTOS PÚBLICOS

A maioria dos desarranjos observados pelos jornalistas na cobertura do Escândalo do Senado e seus desdobramentos estão nesta categoria ou rubrica, portanto, a de maior representatividade. Muitos dos itens mais citados indicam práticas políticas reprovadas pela população, visto o descumprimento da Constituição vigente; dos códigos morais escritos ou consuetudinários da nossa época; do desrespeito aos eleitores, da dilapidação do patrimônio público e das ações secretas para driblar os órgãos fiscalizadores, o próprio governo e os cidadãos comuns brasileiros sujeitos aos bancos dos tribunais. O julgamento ético é feito também a partir do descumprimento dos códigos de conduta do Senado, dos veículos de imprensa analisados e dos próprios jornalistas brasileiros.

Seguindo os preceitos editoriais da publicação, o texto de Otávio Cabral na Veja de 18 de março, amplifica as denúncias contra o presidente do Senado, relembrando à audiência que:

Ele (Sarney) despachou quatro funcionários do Senado para o Maranhão a fim de proteger sua casa. [...] Os Correios 160 cederam uma museóloga para catalogar obras de arte e documentos pessoais de Sarney. [...] O Senado, definitivamente, está perdendo a compostura (p. 78-79).

Em observação à conjuntura do Parlamento, o repórter da Carta Capital, Leandro Fortes, na edição de 13 de maio, perde o otimismo diante dos fatos, considerando-o aquém da

importância de sua existência desde a Constituição de 1988. O enquadramento é de indignação e pessimismo. Aos poucos, as legislaturas quadrianuais [...] configuram-se

lentamente num ambiente fértil para negociatas, maracutaias, fraudes, tráfico de influência, fisiologismo, nepotismo, e gangsterismo político, de alto a baixo (p. 26).

As modalidades mais constantes encontradas na categoria do julgamento dos desvios são citadas abaixo. Os dois itens não foram escolhidos aleatoriamente, eles encabeçam uma lista dos elementos mais enfocados pelos jornalistas. A constância dos temas combatidos pelos jornalistas definiu as quatro categorias.

Itens constantes da categoria do Julgamento de desvios éticos

Descompostura dos atores políticos

Malversação de recursos da União Abuso e usurpação de poder Frágil espírito público

Irregularidades administrativas – atos secretos Corrupção

Descumprimento das leis

Pouca transparência nos negócios públicos Acordos ilícitos e alianças ilegítimas Mau uso do “jeitinho brasileiro” Fraudes de várias ordens

Descontrole nos gastos

Estrutura improdutiva e perdulária do Senado Extravagantes e numerosas diretorias

Altos salários e gratificações

Pagamento de horas-extras não trabalhadas Funcionários fantasmas

Fonte: dados da autora extraídos das revistas.

A frequência maior aponta para acusações ao presidente do Senado, julgando eticamente as irregularidades imputadas ao senador Sarney. Um exemplo da categoria do descontrole com o dinheiro público aparece na matéria de Mauricio Dias, da Carta Capital de 15 de julho:

[...] o caldeirão vai ferver com a história dos recursos da Petrobras repassados para um projeto cultural da Fundação Sarney. Segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, 500 mil reais teriam sido desviados para ‘contas fantasmas’ de empresas fictícias ligadas à família Sarney (p. 37).

O abuso do poder político atravessa as ações, até porque é algo exclusivo daqueles que o detém, é o escândalo político por natureza. A propósito, Rosa (2003) evidencia que apesar desse abuso ser um vício grave, praticamente não é punido no Brasil.

De uma forma geral, as coberturas avaliam as ações e declarações dos agentes políticos de maneira sofrível, à base da indignação, como aconteceu em matéria de Mino Carta no exemplar de 06 de maio da mesma revista:

A opinião pública brasileira [...] está indignada com os comportamentos dos parlamentares federais entregues a uma mamata sem precedentes. [...] E sem falar na leniência mais ou menos generalizada em relação a valores éticos, em nome do célebre jeitinho,161 praticado em quaisquer níveis com a celebração do lema: aos amigos tudo, aos inimigos a lei (p. 18).

O destaque acima é pertinente tanto à categoria de julgamento de desvios éticos quanto a de causas gerais do escândalo e o atributo de acusação. O detalhe é comum na qualificação das duas temáticas mais populares, por assim dizer.

Presentes, assim o julgamento recriminatório pelo comportamento antiético e a crítica ao tratamento diferenciado que classifica os cidadãos em primeira e segunda classe, exemplificados pela boca de dois brasileiros. O estudante paulista, Lucas Soares (18),1 responde a pesquisa da revista Veja, de 24 de junho, afirmando que a história não legitima ninguém a ser julgado de forma diferente. “Sou contra qualquer tipo de foro privilegiado. Se todos se envolvessem com a política não haveria essa impunidade” (p. 63). Segurança na Bahia, Francisco de A. Barbosa (45), pergunta o que o Sarney tem de diferente dele. Nada, responde. “O que ele tem que eu não tenho é poder e dinheiro. Se o presidente quer evitar denúncias, é porque tem medo de um dia ser alvo delas” (p. 60).

O descontrole dos gastos ou o desvio do patrimônio público são características de escândalos financeiros que se baseiam em alegações sobre o abuso de dinheiro assinalando, conforme Thompson (2002, p. 197), “[...] infração de leis que regulam a aquisição e alocação de recursos econômicos”. Tais componentes causam o tipo de escândalo de maior visibilidade no Brasil, sendo sinônimo de corrupção e patrimonialismo.

Na Veja de 01 de abril, Otávio Cabral e Alexandre Oltramari informam que “nos últimos catorze anos, foram criadas 4000 vagas”. Dessas, no Senado, pouco mais de 150

161 Grifo nosso para relembrar à referência feita ao jeitinho brasileiro como uma “entidade nacional”. estudada

foram preenchidas por concurso público” (p. 60). O enquadramento do julgamento de desvios éticos, centrado no descontrole de gastos aparece espontaneamente: Em uma década, o

orçamento do Senado saltou de 882 milhões de reais para 2,7 bilhões neste ano. É disparado, a casa parlamentar mais cara para os brasileiros (p. 57).

A avaliação do desperdício na arena política destaca a opacidade deliberada dos fatos. O motivo detonador do escândalo do Senado é justamente a denúncia da prática dos atos secretos de nomeações, exonerações, aumentos de salários, promoções e outras medidas irregulares na instituição para driblar a fiscalização de leis como o nepotismo.

O quadro unidimensional a favor da moralidade e transparência continua em todos os recortes, também é recorrente o tema da perda de credibilidade e reputação. Neste caso, a imprensa agendou o escândalo, salientou os atos sigilosos, o que acionou a interpretação da opinião pública. Com a imagem implodida da instituição, submergem as revelações envolvendo os parlamentares e funcionários. Otávio Cabral em reportagem, na Veja, de 01 de julho, a Veja salienta que o Senado é invejado pelo tratamento que dá a seus servidores.

Sua direção tem carta branca para aumentar os próprios vencimentos e se conceder privilégios, como promoções, plano de saúde vitalício e pagamento de horas extras, inclusive para quem não trabalha. E o mais impressionante; tudo pode ser feito na surdina [...](p. 78).

Em coluna do mesmo exemplar, Roberto Pompeu de Toledo explica melhor os atos secretos na linguagem do presidente do Senado, na coluna que leva seu nome, sob o título

Politicolíngua, série Sarney:

‘Atos dos quais faltou a formalidade da publicação’- expressão preferida pelo presidente do Senado, José Sarney a ‘atos secretos’, para designar as nomeações, exonerações, promoções, aumentos de salários e outras medidas que seus promotores preferiam manter longe das vistas do público. A intenção é de lavar pela linguagem um procedimento delituoso [...](p. 162).

Nesta subcategoria encontra-se o maior nível de indignação pública graças à publicação do funcionamento improdutivo e dispendioso do Senado com suas diretorias excêntricas, altos salários, funcionários fantasmas, tudo que existe na “BRASILHA da fantasia”162 onde os contribuintes que pagam a conta são barrados da festa. Diga-se, a

162

indignação entre os brasileiros não surgiu agora, os meios de comunicação cuidam da transmissão dos fatos para dar conhecimento dos eventos políticos. As revistas estudadas e mais outros veículos midiáticos, formando todos seus enquadramentos, colaboram para a formação da opinião pública.

Destaca-se na análise da descompostura, o desmerecimento à opinião pública pelos legisladores, característica diretamente proporcional à desmoralização com que a própria audiência e o jornalismo político os concedem. O temor de manchar a reputação ou desconstruir a boa imagem perante a população surge apenas quando da possibilidade da perda de votos. Os meios de comunicação de massa operaram segundo a teoria dos escândalos políticos midiáticos de Thompson (2002), despiram os fatos e investiram contra a cota de reputação e confiança dos envolvidos.

A divulgação do fato de 37 dos senadores de vários partidos, inclusive do PT e do PSDB, terem sido beneficiados pelos atos secretos provocou temor entre os parlamentares, como revela Cynara Menezes em matéria da Carta Capital em 01 de julho, afinal

Não interessa a nenhum senador, às vésperas de ano eleitoral, quando a maioria deles se lançará à reeleição, ver-se tragado pela má fama de que ‘político é tudo igual’ (p. 28-29).

Todos subiram à tribuna para se explicar. Os procedimentos não recomendados foram publicizados quase que homogeneamente pelas semanais, ou seja, tirou-se o véu, por exemplo, da utilização irregular de verbas da Casa para motivos desnecessários ao exercício do mandato. As revelações expõem o eixo central da crise senatorial e a demonstração de que o fato da indignação dos parlamentares com o desvelamento das benesses pouco tem a ver com a defesa moral.

A indiferenciação entre o público e o privado parece ser o eixo central da crise no Senado. [...] Não se pode descartar que a indignação agora revelada por quem nunca se preocupou com a gestão de legislativo, inclusive na imprensa, atende a interesses que pouco têm a ver com a defesa da moralidade (p. 29).

O jornalismo cumpre seu papel de fiscalizar os atos de quem exerce o poder. Com essa atitude, a mídia destaca os valores morais e éticos aos quais pretende se associar.