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CENÁRIOS E RITUAIS NOS EVENTOS DE CAPACITAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

4 A APROXIMAÇÃO COM OS CONSELHOS TUTELARES MEDIADA PELA

4.3 CENÁRIOS E RITUAIS NOS EVENTOS DE CAPACITAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

Na agenda da ACCT estavam previstos, para o ano 2010, 17 seminários regionais durante os meses de março e abril, um seminário estadual em maio, um encontro estadual de conselheiros em julho e uma assembleia ordinária em 27 de outubro, data em que é comemorado o dia estadual do conselheiro tutelar e o aniversário da ACCT. Não obstante organizados pela ACCT, todos os eventos têm sido abertos à participação de profissionais vinculados aos órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, reunindo profissionais das áreas de educação, saúde, assistência social, segurança pública, poder judiciário entre outras.

Os locais onde se realizaram os seminários e demais atividades foram os mais variados. Auditórios de hotéis, de prefeituras, de associações de municípios, de aeroporto e de escola pública, em centros de eventos, casa de cultura, associações recreativas de empresas privadas, salões de igreja e outros espaços disponibilizados nos municípios que sediaram os eventos. Em decorrência, as condições estruturais para o acolhimento dos participantes e a realização das atividades eram igualmente diversas, desde as mais confortáveis às precárias e improvisadas. De auditórios climatizados, com equipamentos multimídia, sistema de som, cadeiras confortáveis, recepcionistas uniformizados a cadeiras de palha, ambientes com acústica imprópria que chegaram a comprometer negativamente os trabalhos e locais montados com o trabalho braçal de conselheiros e de grupos de apoiadores.

Mesmo nos municípios onde as condições disponíveis eram precárias presenciamos atitudes de agradecimento dos organizadores pela colaboração da comunidade, imprescindível à realização das ações da ACCT, especialmente, aqueles de âmbito regional. Não há financiamento público para estas ações e quando há cobrança de inscrição as taxas são irrisórias para não inviabilizar a participação dos conselheiros, pois nem todos contam com apoio financeiro das prefeituras ou dos Fundos da Criança e do Adolescente, em cuja rubrica deve constar recurso para este fim. Situação que foi explicitada pelos conselheiros ao se referirem às dificuldades sentidas à frente das Coordenações Regionais, pois há:

Falta de material para organizar os eventos (não tem).

Dificuldades financeiras.

Falta de participação financeira [da ACCT].

Falta de recursos financeiros para a organização, bem como para a participação dos conselheiros (DIÁRIO DE CAMPO, 24/05/2010).

Os eventos da ACCT são os únicos que ocorrem de modo sistemático e cuja cobertura alcança grande parte do Estado, mas não significa que supram as necessidades de formação exigidas para o exercício das atribuições do Conselho Tutelar43. Do que pudemos constatar, a própria ACCT não dispõe de diagnóstico que permita a definição de conteúdos a partir das necessidades e o planejamento das ações de capacitação para atender os interesses de conselheiros recém eleitos, assim como daqueles mais experientes e de outros participantes que integram a rede de atendimento.

As discussões alternavam-se entre debates de temas mais gerais, como o rebaixamento da idade penal, a criminalização da pobreza, a instituição do toque de recolher para crianças e adolescentes, a redução da intervenção do Estado na área da proteção social e questões pontuais focalizadas em encaminhamentos cotidianos. Por exemplo, “o que fazer quando a escola nega vaga para jovens que querem voltar a estudar após período de afastamento e com distorção série e idade?” (DIÁRIO DE CAMPO, 27/04/2010). E “quando as crianças se machucam na escola, quem leva ao Posto de Saúde?” ou “Quando os professores sofrem agressões de alunos devem registrar Boletim de Ocorrência?” (DIÁRIO DE CAMPO, 14/04/2010).

A este respeito, consideramos, ainda, o fato dos eventos serem abertos, dificultando a manutenção do foco em necessidades específicas dos conselheiros, queixa registrada por um participante do seminário estadual que reivindicou a organização de “um seminário só com conselheiros” para “tratar sobre medidas e realidades que enfrentamos no dia a dia” (RELATÓRIO do VIII Seminário Estadual,

43 Em 2010 o Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude, do Ministério Público de Santa Catarina, desenvolveu o projeto “Capacitação em Políticas Públicas na Área da Infância e Juventude”, o qual foi dirigido aos operadores do Sistema de Garantia de Direitos, incluindo os conselheiros tutelares. Do programa constavam os conteúdos: Orçamento Público e Fundo da Infância e Adolescência, O papel do Conselho Tutelar e do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, O Sistema de Garantia de Direitos, Saúde mental infantojuvenil, Sistema de atendimento social e as entidades de acolhimento. De acordo com o cronograma, estavam previstos nove encontros no período entre abril e outubro, nos seguintes municípios: São Miguel do Oeste, Chapecó, Joaçaba, Canoinhas, Lages, Rio do Sul, Joinville, Criciúma e Florianópolis (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2010).

25/05/2010). Posição que se aproxima do que nos foi exposto por uma conselheira ao referir-se às capacitações que “são sempre a mesma coisa”, “não contribuem para a prática”, pois “temos necessidades que não são abordadas pelos palestrantes” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/03/2010).

Exceto as capacitações organizadas por algumas prefeituras para os seus próprios conselheiros, principalmente por ocasião dos períodos de escolha, não há política de formação continuada para os conselheiros tutelares em Santa Catarina.

Em alguns casos, as atividades oferecidas pela ACCT são as únicas oportunidades de acesso à capacitação, reiterando o que alguns autores já indicaram, ou seja, os conselheiros aprendem na prática e com as informações acumuladas por outros que os antecederam.

Os seminários regionais e o estadual tiveram como tema “A efetividade do Sistema de Garantia dos Direitos Infanto-juvenis após 20 anos de sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente: desafios e perspectivas”, conforme aprovado em assembleia no ano anterior. Com algumas variações, a maioria das Coordenações Regionais seguiu a proposta aprovada em reunião de coordenadores que previa palestra e mesa redonda com representantes de órgãos do Sistema de Garantia de Direitos. Em duas Regionais houve apenas palestra, sendo que em uma delas o palestrante, ex-presidente da ACCT, introduziu cantos religiosos e orações durante todo o evento, prática que era comum até então e que já havíamos presenciado quando participamos de atividades em anos anteriores. A esse respeito, em vários momentos ouvimos elogios às mudanças inauguradas na forma de organização dos trabalhos pela atual Diretoria da ACCT e críticas, tanto veladas quanto explícitas, às práticas precedentes fortemente impregnadas por elementos religiosos presentes, inclusive, nas correspondências. É ilustrativo o depoimento público de uma participante sobre este aspecto, a qual afirmou que “o antigo formato dos seminários desvirtuava a proposta de formação e reflexão” (DIÁRIO DE CAMPO, 10/03/2010).

Em todos os seminários dos quais participamos foi constatada a adoção de práticas semelhantes que incluíam inscrição, credenciamento e acolhimento dos participantes com farto café, durante o qual as conversas animadas eram comuns; a ornamentação cuidadosa dos locais, com arranjos de flores, frutas e outros produtos

da região; almoço coletivo; apresentações culturais protagonizadas por crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e idosos vinculados a programas sociais;

cerimônia de abertura, com mestre de cerimônia, composição de mesa com autoridades dos poderes executivo, legislativo, judiciário, ministério público, representantes de conselhos de direitos e de conselhos tutelares e execução do Hino Nacional e, às vezes, Municipal, conferindo um caráter solene e formal à atividade. Em um seminário houve crítica ao uso do tempo para formalidades e o participante propôs “mudar o sistema e dispensar a parte das autoridades e dar mais ênfase à situação em cada município” (DIÁRIO DE CAMPO, 05/03/2010).

À semelhança dos eventos oficiais, os pronunciamentos das autoridades seguiram o protocolo e o representante do Conselho Tutelar, fequentemente, limitou-se a dar boas vindas aos participantes e a agradecer os apoiadores. Desfeita a mesa de autoridades, tinha início a programação relativa ao tema com a formação da mesa com representantes do Sistema de Garantia de Direitos ou palestra. Em algumas Regionais não havia convite prévio e coube a quem coordenava os trabalhos, na maioria das vezes a presidente da ACCT, convidar participantes para que espontaneamente viessem a compor a mesa. Nessas circunstâncias, a falta de preparo para falar era apresentada como argumento, mas não registramos rejeições que inviabilizassem a proposta. Contudo, os depoimentos eram improvisados, marcados por avaliações pessoais e desprovidos de dados sistematizados que pudessem ser submetidos à análise mais consistente, em conformidade com a proposição do seminário.

Além do debate sobre a efetividade do Sistema de Garantia de Direitos, estava prevista na programação dos seminários regionais a eleição dos membros das respectivas Coordenações. Nesse aspecto, presenciamos a diversidade dos procedimentos realizados em 12 seminários, pois cada grupo encaminhou de modo peculiar o processo de escolha. Em duas Regionais houve apresentação de chapa única organizada em reunião anterior ao seminário. Em cinco Regionais a chapa foi articulada durante o seminário. Nas demais os participantes sugeriam nomes e as pessoas indicadas manifestavam-se quanto ao interesse e disponibilidade. Quando o número de indicados era superior ao número de cargos o próprio grupo negociava a composição final, aplicando alguns critérios como a inserção de representantes de

municípios diferentes e o tempo restante do mandato do conselheiro para garantir a permanência do eleito até o final da gestão. Em uma Regional não foi possível saber se a organização foi prévia e em outra a coordenadora não soube informar aos participantes sobre os procedimentos para a eleição e sobre a composição, o que exigiu a nossa colaboração e de outros participantes para encaminhar o processo.

Exceto nas Regionais onde houve a formação de chapas, nas demais a distribuição dos cargos foi feita pelo próprio grupo. Em todas as situações os candidatos foram apresentados à plenária e diante da inexistência de objeção foram eleitos por aclamação e empossados.

Além do cerimonial de abertura praticado em todas as Regionais da ACCT, das estratégias para que a acolhida fosse agradável e dos mecanismos diversificados para a escolha dos membros das Coordenações, foi possível delinear a posição dos Conselhos Tutelares no Sistema de Garantia de Direitos, bem como os temas recorrentes nos debates e que expressavam as preocupações com a proteção de crianças e adolescentes por parte dos seus componentes, dentre eles os Conselhos Tutelares e seus conselheiros. No capítulo que segue essas questões serão exploradas.

5 A CAPACIDADE DE VOCALIZAÇÃO DOS CONSELHOS TUTELARES NO