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Capítulo II A Intervenção dos Municípios na Educação

1.1 Centralização /Descentralização

Formosinho (1986) aborda várias perspetivas de administração: centralizada, que por sua vez pode ser considerada como administração centralizada concentrada e desconcentrada e ainda uma administração descentralizada. Por administração centralizada concentrada entende-se uma administração com um superior hierárquico único, competente e capaz de tomar as decisões (que em particular no caso da escola pode-se considerar o Ministério da Educação enquanto superior hierárquico), onde os restantes agentes apenas se limitam a executar o que foi previamente decidido. Quanto à administração centralizada desconcentrada esta consiste numa administração em que os “graus intermédios e inferiores, chefes com competências para decidir imediatamente, embora sujeitos à direção e inspeção dos superiores, que podem modificar as decisões tomadas”, ou seja, estes chefes de grau intermédio ganham poder quando os superiores lhe delegam competências de forma a poupar algum tempo (Formosinho, 1986, p.67).

A desconcentração pode ser interpretada através de três perspetivas, isto é, pode ser considerada como originária, fragmentada e coordenada. A desconcentração originária remete-nos para uma transferência de competências através da lei de tomada de decisões para os “chefes subalternos” que por sua vez delegam certas competências a inferiores. Neste processo de desconcentração “destina-se a descongestionar os serviços centrais e a possibilitar decisões mais rápidas e mais próximas dos problemas”. Relativamente à desconcentração fragmentada ocorre “se em cada distrito ou região os diversos departamentos centrais tiverem uma delegação que comunica directamente com eles”, como por exemplo com a existência de serviços locais de diversas Direções- Gerais. Por último, a desconcentração coordenada, isto é, “quando existe a nível local um serviço que coordena e dirige as diversas delegações”, exemplo disso é diretor regional de educação que sendo inferior hierárquico aos serviços centrais, mas superior aos serviços locais tem como função a coordenação destes (Formosinho, 1986, p.64). De uma forma geral este processo de desconcentração tem como principal objetivo o aumento da eficiência das atividades administrativas dentro do modelo centralizado. Aumentando essa eficiência podemos aumentar em simultâneo a adequação das organizações, isto é, “a execução das normas centrais por quem está mais perto dos problemas é mais rápida porque há menos distância geográfica” podendo as decisões serem mais claras e concisas. Além desta situação nem sempre os serviços centrais preveem “com exactidão certos problemas que surgirão a nível local” (Formosinho, 1986, p.64).

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Sendo assim, tal como Baptista Machado (1982) defende

“a administração diz-se desconcentrada quando certo ou certos poderes de decisão são delegados pelo superior hierárquico nos seus subordinados (…) a desconcentração assim configurada é uma desconcentração vertical. Mas também existe uma desconcentração horizontal. É o que se verifica logo a nível governamental, quando as diversas atribuições e competências da administração central são repartidas pelos vários departamentos ministeriais e pelas diversas direcções-gerais e inspecções-gerais dentro de cada ministério” (Machado, 1982, p.4).

Estamos perante uma administração descentralizada quando as “organizações e órgãos locais não dependentes hierarquicamente da administração central do Estado”, mas isso não significa que não estejam sujeitos ao poder de direção do Estado (Formosinho, 1986, p.64). A descentralização “resulta do reconhecimento de que há necessidades colectivas que devem ser satisfeitas pelos próprios interessados, através de órgãos por ele eleitos, traduz-se, portanto na criação de administrações autónomas”. Exemplo claro e “mais acabado de descentralização são as autarquias de base territorial – as Regiões Autónomas, as Regiões, os municípios (concelhos) e as freguesias” (Formosinho, 1986, p.65).

Baptista Machado (1982) introduz-nos uma nova perspetiva de descentralização, a descentralização territorial. Para a existência desta é necessário pressupormos três condições, isto é, “a) reconhecimento pelo Estado de colectividades humanas baseadas numa solidariedade de interesses;

b) a gestão desses interesses por órgãos eleitos, emanados das colectividades; c) e o controlo administrativo sobre estes órgãos, emanados de colectividades”

Para Fernandes (2005) dentro do conceito de descentralização existe duas variantes, a descentralização territorial, já referenciado por Baptista Machado, e a descentralização institucional. Podemos encontrar a primeira variante no exercício de administração de determinadas missões administrativas, ou seja, parte dos agentes, que representam o território e os cidadãos em questão assumem por completo as funções de administração deixando de existir dependências em relação ao governo. Para Baptista Machado (1982, p.5)

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“a descentralização territorial [verifica-se] em colectividades territoriais autónomas, que muitos consideram ser a única verdadeira descentralização. Esta descentralização corporiza- se nas autarquias locais, que são pessoas colectivas de população e território, com fins múltiplos, isto é, pessoas colectivas que têm um substrato pessoal constituído pela comunidade de pessoas que habitam certa circunscrição do Estado”.

A descentralização territorial assenta na existência de uma identidade específica e de uma pessoa coletiva territorial. Neste caso de descentralização a dimensão política, defende os interesses comuns de determinada população, o que por sua vez permite níveis de descentralização mais amplos do que por vezes os expressos nos seus objetivos. Sendo assim, este tipo de descentralização sendo mais política, uma vez que são os órgãos descentralizados definem as suas ações, o processo de intervenção. Exemplo deste tipo de descentralização em Portugal, encontramos apenas as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Para Fernandes (1999b, p.189) estas representam a “mais importante e consistente descentralização territorial (…) portuguesa.”

No entender de Baptista Machado (1982, p.27) a descentralização territorial detinha três requisitos: o reconhecimento do Estado de coletividades humanas alicerçadas numa solidariedade de interesses; o controlo administrativo exercido pelo Estado face aos órgãos eleitos; e a gestão desses interesses por esses órgãos.

Relativamente à segunda variante (a descentralização institucional), verifica-se quando agentes dependem de entidades para exercerem as suas funções, isto representa assim uma descentralização limitada. Porém, para Fernandes (2005, p.57-58)

“Em ambos os casos a descentralização define-se pelas seguintes características:

• Supõe o reconhecimento de interesses próprios de uma colectividade humana definida ou pela pertença a um território ou por constituir um certo aglomerado social com identidade própria e interesses comuns;

• Implica a gestão desses interesses por órgãos cujos titulares são eleitos pelos membros da coletividade perante os quais respondem;

• Não está subordinada hierarquicamente a outro órgão constituindo uma organização administrativa independente. O controlo de um órgão externo, nomeadamente do Estado, limita-se a verificação da legalidade dos actos praticados.”

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Relativamente aos processos de descentralização institucional podemos encontrá-los nas Universidades e Institutos Politécnicos, uma vez que, foram adquirindo um certo estatuto de autonomia. Neste sentido, tanto as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, assim como as Universidades e Institutos Politécnicos exemplificam a importância que os atores territoriais ou institucionais podem ter nos processos de descentralização e criação de autonomia. Concordando com esta perspetiva, G. Santos (2002, p.50) defende que

“A descentralização estimula a motivação, cultiva a responsabilização, dignifica e realiza. Os docentes, porque desempenham um papel complexo – o de educar – e sendo pessoas inteligentes e criativas – porque são professores – não devem temer a descentralização.”

Estando em escalas completamente destintas destas importa, ainda referir quais os casos existentes de descentralização no âmbito educacional. Voltando a 1975, onde os órgãos de gestão e administração das escolas passaram a ser eleitos democraticamente, foram alterados, isto é, com o Decreto-Lei 75/2008, tal como Lima (2011, p.71) refere “celebra a transição da colegialidade para a unipessoalidade, remetendo a representatividade democrática para o órgão de topo (…)”. Outro exemplo desta descentralização na educação foram as transferências e delegações de competências aos municípios, como já referíamos anteriormente. No entanto, para Fernandes (1999b, p.190) sendo este um processo de “seletividade das descentralizações efetuadas (…) tem conduzido a descentralizações guiadas mais por lógicas conjunturais do que por um projecto político coerente e concertado”, ou seja, um processo que espelha a eminência do poder central, assim como o seu controlo dos recursos humanos, financeiros, não esquecendo ainda da gestão administrativa e pedagógica da educação.

Neste sentido, enquanto que numa democracia centralizada a participação dos cidadãos pode resumir-se à votação para a eleição de aparelhos/governos partidários, não tendo voz em qualquer política a ser implementada. A descentralização é então criada como um instrumento capaz de “fazer vingar e actuar a própria democracia”, ou seja, “surge para dar um conteúdo mais substancial à participação dos cidadãos” (Formosinho, 1986, p.65)

Desta forma, a descentralização é em primeiro lugar um problema político, e só “acessoriamente” um problema técnico, ou seja, entre a desconcentração e a descentralização não existe um processo contínuo, uma vez que são processos destintos “sujeitos as regras diferentes” (Formosinho, 1986, p.65). Para Formosinho (1986, p.65) não se descentraliza

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“por meras razões técnicas. A gestão dos interesses locais pelos próprios não se consegue justificar apenas porque é mais eficiente, mas porque incentiva a participação dos cidadãos na gestão da administração pública”

Para Diogo Freitas do Amaral (1994, p.693-697) a descentralização pode ser territorial, institucional, tal como já foi apresentado por outros autores anteriormente, mas propõe ainda uma outra forma de descentralização, a associativa. No seu entender, estes tipos de descentralização estão associados a diferentes categorias, isto é, a descentralização territorial origina existência das autarquias locais; a institucional origina os institutos públicos ou empresas públicas; e a associativa, a nova proposta, pode originar as associações públicas. Ressalva ainda que, no sentido jurídico, o sistema pode ser considerado descentralizado se a função administrativa estiver repartida e não apenas centralizada no Estado. Exemplo desses podem ser pessoas coletivas territoriais, ou autarquias locais. No entanto, não podemos esquecer que só é considerada quando estes órgãos são livremente eleitos pelas respetivas populações locais.

Em suma e utilizando a perspetiva de Barroso (1998), a descentralização surge como uma opção ao Estado, uma vez que se tem verificado que a ação deste é centralizada. Mas quando se coloca a possibilidade de descentralização como uma outra opção significa uma possibilidade de aprofundamento da democracia. O autor é desta opinião, uma vez que esta (a descentralização) beneficia a participação dos cidadãos neste processo administrativo. Permitindo ainda a redução da distância entre a administração e os administrados, admitindo a resolução de problemas, conflitos e interesses de uma forma mais imediata e precisa. Barroso realça ainda que este aumento de polos de decisão poderia, por um lado, incentivar à inovação, mas por outro, a uma maior competitividade, ou seja, uma dinâmica entre concorrências, acabando por diminuir ou mesmo extinguir alguma ineficiência que pudesse existir.