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Capítulo I – Realidade Portuguesa da Descentralização da Administração Educativa

1. Resenha Histórica

1.7 Lei de Bases do Sistema Educativo

Entramos agora na década de 80, um período marcante para a Educação portuguesa. Esta nova etapa assentava nos valores e princípios defendidos pela Constituição de 1976, mas urgia cada vez mais a necessidade de um sistema educativo que respondesse às carências do país. Além das dificuldades que se viviam deparamo-nos com as adversidades e exigências para a entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), isto é, a insistência de uma reforma do sistema educativo português com o objetivo de se criarem todas as condições para a implementação de uma política educativa descentralizadora (Lima, 2011).

Em Março de 1984 é apresentado um Decreto-Lei (nº77/84) que específica algumas das competências dos municípios no âmbito educacional. As câmaras passavam agora a ter a responsabilidade sobre os investimentos públicos referentes à construção de centros de educação quer pré-escolar como do ensino básico, além de alojamentos ou residências para estudantes, uma

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rede de transportes escolares, ocupação de tempos livres, uma continuidade e aprofundamento do que já tinha sido anteriormente decretado.

No entanto, na perspetiva de António Sousa Fernandes (1996, p.115)

“O teor e o enquadramento destas responsabilidades, a que o decreto-lei eufemisticamente chama “competências”, mostram que de facto não estamos perante verdadeiras competências educativas mas antes perante uma transferência unilateral de encargos financeiros da administração central para a administração local”.

Neste sentido, este normativo apenas oficializa o papel que esta deve ter a nível educacional (em particular da educação pré-escolar e básica), mas aumentando as suas responsabilidades, que por sua vez pode gerar tensões e conflitos entre o Governos e os Municípios, especialmente pelo facto de apenas ser atribuídos encargos financeiros sem qualquer apoio adicional (Fernandes, 1996). Sendo assim, os municípios nesta fase acabam por ter apenas um papel de colaborador financeiro e não um papel, que seria o esperado de parceiro ativo com poderes de decisão a nível local (Fernandes 1995 & Fernandes, 2000).

A 1 de Janeiro de 1986 quando Portugal integra a CEE, é promulgada poucos meses depois a Lei nº 46/86, ou a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE). Fernandes (1995, p.55) considera- a (LBSE) como “uma abertura da administração educativa à descentralização e participação”. Concordando, J. Martins (2007, p.130) refere-a como iniciativa que veio alterar “profundamente a configuração geral do sistema e estabeleceu, nos contextos social e político, princípios, critérios e orientações que, finalmente, constituíam a ruptura com o passado próximo e a compaginação democrático-constitucional da educação”, ou seja, esta Lei de Bases definia o sistema educativo como um sistema descentralizado e desconcentrado, onde a sua administração seria a nível local. A Lei de Bases procurava

“Contribuir para desenvolver o espírito e a prática democráticos, através da adopção de estruturas e processos participativos na definição da política educativa, na administração e gestão do sistema escolar e na experiência pedagógica quotidiana, em que se integram todos os intervenientes no processo educativo, em especial os alunos, os docentes e as famílias” (artigo 3.º, b).

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Se até então os municípios estavam a tentar intervir e contribuir para a educação sem legislação reguladora, neste momento, com a Lei de Bases, estamos perante uma legislação supostamente oficializadora dessa participação e contributo no campo educacional. Detendo agora a oficialização de um papel assente em estruturas administrativas que passam a estar organizadas a um nível regional e local autónomo. Nesta medida, com esta proposta tornava-se possível a participação dos professores, dos alunos, da própria autarquia, de outras entidades representativas de atividades sociais, culturais, científicas, económicas. Apesar de estruturar uma proposta de um modelo administrativo descentralizado, pouco clarifica a participação das autarquias neste processo de descentralização, bem como em ações educativas. No documento proposto as referências e atribuições referidas e especificas sobre as autarquias, apenas a consideram como parceiros locais, estando equiparadas a outras parcerias locais. Estas parceiras tinham como principal objetivo a promoção de atividades educativas tanto na educação pré-escolar (art.º 19, nº6) e na educação extra- escolar (art.º23, nº5). A situação criada por esta falta de clareza legal, leva as autarquias a uma vez mais à incerteza, isto é, as autarquias deparam-se com a posse de competências que não estão corretamente regimentadas, ou mesmo por falta desta regulamentação.

Posto isto, é cada vez mais visível que a realidade que se segue à publicação da Lei de Bases permanece assente no paradigma mais centralizador da educação, colocando as autarquias apenas como estruturas que detêm deveres, mas os direitos são escassos ou nenhuns. Na perspetiva de Fernandes (1995) a proposta da Lei de Bases do Sistema Educativo ficou aquém do que era expectável, especialmente no que diz respeito à participação dos municípios neste processo de descentralização da educação. Porém, o mesmo autor ressalva que a não referência ao papel das autarquias na intervenção do ensino regular, referindo-a apenas como um parceiro não é ocultada de significado. Nesta medida é possível elencar-se que a LBSE, apesar de atribuir e reconhecer competências às autarquias na estruturação e criação dos centros de educação pré-escolar e especial, atribui-lhes um estatuto privado em vez de um estatuto público (Fernandes, 1996).

De acordo com Licínio Lima (1987, p.16)

“À intervenção autárquica em diversas áreas educativas não tem correspondido uma política de descentralização a nível municipal e regional, de tal forma que em muitos casos se pode afirmar que os investimentos realizados e as responsabilidades assumidas não têm paralelo no plano da participação na administração dos estabelecimentos de ensino”

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Em paralelo a esta LBSE, com a resolução do conselho de ministros nº8/86, o governo chegou à conclusão de que seria necessário nomear uma Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE) que teria como principais funções a responsabilidade de coordenação e articulação desta reforma. Isto é, cabia a esta comissão analisar toda esta situação que envolvia desde a noção tradicional de escola, que com alterações propostas pela LBSE passou a estar em causa, até às funções, papeis, assim como as relações dos vários atores educativos, principalmente entre as escolas e os municípios. Nesta medida, a CRSE procurava centrar-se na organização, nos critérios pedagógicos e científicos da administração. Para isso, esta comissão teria que investigar a LBSE e a promoção da participação da comunidade educativa, em particular na elaboração de projetos educativos adequados às especificidades de cada (J. Martins, 2007).

Ainda neste período, num estudo que a CRSE verificou que a descentralização proposta na Lei de Bases não estava a ser executada a nível local, mas a nível municipal. Nessa medida a CRSE avança com a possibilidade da existência de uma estrutura de consulta, apoio, dinamização e coordenação educativa. Esta proposta pela CRSE no relatório final da proposta global da reforma passou a designar-se de Conselho Local de Educação. Para J. Martins (2007, p.135) este conselho procurava assegurar “o princípio da autonomia relativa das escolas no domínio administrativo e financeiro”. Mas a CRSE não o estruturou apenas para assegurar esta autonomia, mas propondo uma entidade com funções associadas à coordenação dos diferentes níveis de ensino. Porém, os governos procuraram dar prioridade a outras reformas acabando por adiar a implementação desta, ao contrário do que aconteceria noutros países, como o caso de Inglaterra e França (Fernandes, 1995).