• Nenhum resultado encontrado

Ainda no Centro Cultural dos Santos, Margarida e os seus colaboradores vão visitar outra sala dos acervos, (que foi denominada pelos personagens de a Sala dos Santos Anônimos),

para selecionarem outras “frases geradoras” e continuarem a dinâmica de construção e

preenchimento da “matriz performática”. Seguindo a esta etapa realizam a improvisação das

cenas performáticas a partir da combinação das “frases geradoras” elaborando-se frases

corporais que se inter-relacionam na construção de uma história e posteriormente, realizam

os “debates narrativos”, debates sobre as cenas performáticas buscando construir os

contextos e sentidos da história através da subjetividade dos sujeitos envolvidos.

4.3 A Sala dos Santos Anônimos e a Construção de Sentidos

Maria: Nossa Margarida! Esta experiência foi um tanto diferente do que vínhamos fazendo até agora. Nunca tinha visto tanto santo junto em uma única sala assim. Margarida: Diferente como Maria?

Maria: As imagens a partir dos gestos e olhares dos santos pareciam nos

interrogar. Só consegui sentir isto nesta sala, mas não sei a razão disto acontecer. Bartolomeu: E quando começamos a improvisar o que parecia ser certeza a partir das frases que escrevemos se desmoronou ganhando outra dimensão. Como se a sacralidade da sala fosse abalada.

Jequitibá: Acho o que muito contribuiu para o que vocês estão falando e que sentimos é consequência da própria atmosfera da sala e que pouco a pouco, fomos nos deixando ser absorvidos na improvisação. Este corredor comprido, as

esculturas dos santos distribuídos nas duas laterais, algumas luzes, focos dispersos e estas frechas de luz que entram e saem pelas janelas da sala criam esta atmosfera de purgatório e ao mesmo tempo de redenção, mas não onde os santos estão em seus pedestais julgando o que de fato não conhecem, mas embaixo, no meio do povo, em meio à profanação.

Bartolomeu: E é por isto que a partir das nossas improvisações conseguimos ver uma santa, que se torna para mim Eva.

Margarida: Eva? Que ótimo! Seguimos construindo sentidos.

Bartolomeu: Quando a personagem insiste em repetir, percorrendo todo o

corredor: “A força das palavras talvez esteja em não emiti-las, mas em senti-las!” Põe em causa a verdade do santo, da escultura do pedestal que segura o livro aberto. Eva então diz: “Cada palavra tem um signo e escreve a história no livro. Troquem as palavras! Se trocarmos as palavras elas perdem o seu significado e passam a contar outra coisa.” Eu completaria com: “Elas passam a ter outro sentido.”

Miguel: Acho que as nossas palavras, são as nossas ações e são elas que se contrapõem ao silencio velado desta sala. O mais interessante disto tudo, eu não sei se chegaram a perceber, é que nesta sala os guias não falam, não dão as suas explicações de sempre e o cortejo junto com os públicos e turistas segue

silencioso, olham e seguem em frente. Ao contrário da sala vizinha na qual as esculturas de santos tem seus nomes nos pedestais, estes aqui são anônimos.

Bartolomeu: Mas deixaram de ser a partir das nossas improvisações. Podem ser qualquer um. Ou eu, ou você. Podem até nem serem santos. Ou deixaram de ser. Será que eles são realmente santos? Preferia que em nossa “narrativa" eles não fossem.

Margarida: Uma questão importante Bartolomeu e para problematizarmos. Sinto- me em uma rua, cujos olhares nos chegam do alto e questionam sobre aquilo que ainda não sabemos o que é. Daqui de cima eu posso ver tudo! Fala um rosto desconhecido. Mas eles não veem! A voz desanima. Quando construí as minhas frases que se seguiram as improvisações fui mobilizada por este sentimento de vigília e de subversão.

Maria: Por que de vigília Margarida?

Margarida: Porque para mim era como se fossemos observados do alto de janelas e atravessávamos a rua sem perceber. Muito embora, em nossa improvisação existem momentos que é como se eu estivesse no alto, nas janelas.

Maria: Então sua personagem seria uma santa. Um dos santos que olham o povo do alto de janelas?

Margarida: Sim. Mas a posição logo se inverte, aproveitando a construção de sentido de Bartolomeu, quando ela, a santa torna-se Eva. Neste momento ela está na rua em meio ao povo. Quem são então estas pessoas que estão nas janelas? Será que são mesmo santos?

Bartolomeu: Seria o momento da subversão? Outro personagem cai ao chão: “Senhor! Senhor! Arrepende-te!”

Miguel: Acho que por isso os santos aqui são anônimos. Podem ser qualquer um. Maria: Fico me perguntando por que estes santos não tem nome e os outros da outra sala têm.

Miguel: Os outros santos pertencem ao acervo da arquidiocese. Eles têm rostos. Maria: Mas estes têm também rostos Miguel.

Miguel: Quis dizer Maria que aqueles têm identidade fixa, estes não. Maria: Como assim?

Miguel: Os santos da sala da arquidiocese podem ter seus traços descodificados. É assim que se pode identificar um São João Batista, um São Pedro. São santos bíblicos. Os seus traços foram tecnicamente, ou melhor, seus traços foram aprimorados, refinados com este fim. Mas os desta sala não. Aproveitando a construção de sentido de Margarida, os santos que em nossa “narrativa” estão nesta rua, tem seus traços inacabados, imperfeitos, podem ser qualquer um e ao mesmo tempo podem ser vários. São santos anônimos. Esta sala bem que poderia ser chamada de “Sala dos Santos Anônimos”.

Bartolomeu: E será que eles são santos mesmo? Até o momento em nossa “narrativa” a vila presenciou a chegada de anjos.

Miguel: Mas lembram? Vocês discordaram de mim e fizeram na procissão um anjo de santo. De um anjo reencarnado, um santo.

Bartolomeu: Então anjos e santos tem o mesmo sentido. O que acham? Maria: Estamos numa rua abarrotada de anjos que não são nada santos! Desculpem a brincadeira.

Margarida: Não há nada do que se desculpar Maria. Por eles estarem no anonimato, eles podem ser um pouco disso mesmo. Ou talvez possamos construir as suas identidades.

realmente anônimos?

Bartolomeu: Talvez eles tenham mesmo sido relegados às zonas subalternas. E deixaram de ser importantes aos olhos dos outros mesmo tendo muito a dizer. Precisamos resgatar o espírito transgressor e fazê-los voltar a entrar em “cena”, ou melhor, estar na rua.

Margarida: Aqui esta coleção de esculturas de homens e mulheres sem nomes, que tem olhares fixos em nós, pedem respostas que não podemos dar, mas apenas criarmos suposições, sugestões através da nossa “narrativa”. Passamos a vivenciar através da nossa atuação performática, uma experiência sinestésica. A sinestesia possibilita experimentarmos através de uma modalidade sensorial, como a escultura; uma modalidade sensorial diferente, como a atuação

performática, quando o nosso corpo reage em ação física ao olhar da escultura. Bartolomeu: Interessante que quanto mais estimulamos o ato de ver, ele se desmembra em outros sentidos.

Margarida: Nesta rua somos afetados pelas vozes anônimas “deles” e cujos olhares indiscretos das janelas nos intimida e ao mesmo tempo nos convida a não passarmos desatentos, ou despercebidos àquela presença: “Mas por que será que eles não percebem que o caminho não é este? Ei! Você!” Grita o rosto anônimo da janela.

Bartolomeu: O personagem de Miguel é então taxativo e fala lá da última janela: “Deixa! O destino de cada um é de cada um.” Por que estão rindo? Já estou contando a história me colocando dentro da “narrativa”.

Margarida: Não liga para eles Bartolomeu. Segue em frente. Foi só pra descontrair.

Miguel: Deixa comigo Bartolomeu. O meu personagem é mesmo determinado: “Vocês nunca ouviram falar em livre arbítrio?!”

Maria: A mulher lá no fim da rua se alvora e diz: “É isso! Talvez as palavras sejam mais fortes quando não faladas, mas vividas! Então elas se transformam em portas que se abrem.”

Jequitibá: Incrível como o olhar da escultura sobre o nosso rosto nos afeta e buscamos intensificar o contato quando vamos criando ações que se relacionam com estes olhares. Algumas dessas esculturas que contém livros sobre as mãos cujas palavras são irreconhecíveis, chegavam até mim, saltavam dos livros a partir dos gestos, dos seus olhos. Eu me apressei em anotar o que vinha da expressão dos olhos desses santos esculturais, dos seus gestos. Será que eles me viam? Precisei acreditar que sim.

Margarida: Eu te entendo Jequitibá. Senti algo semelhante. Acho que cada um de nós, sentíamos que as frases que escrevíamos, sendo frases que surgiam das percepções de cada um a qualquer momento podiam se esvanecer como aquelas palavras que brotam de um sonho, e que somente se completam com o sono (SHAKESPEARE, 2002). As frases que escrevíamos se transformavam a partir das nossas ações, se desdobravam em outras frases agora também corporais e ao mesmo tempo mantinham relação com as esculturas que insistiam em dizer: “Presta atenção! A força das palavras talvez esteja em não emiti-las, mas em senti-las! Troquem as palavras! Se trocarmos as palavras elas dirão outra coisa e assim nós poderemos escrever o livro. E quem sabe um dos que “ela” vê, possa vir a ser você!?”

Bartolomeu: Uma questão identitária.

Margarida: E de construção de subjetividades. As visões das esculturas também são as nossas e dizem um pouco de cada uma delas e de cada um de nós. E quem

sabe não consigamos quebrar o anonimato dos santos cujas almas esta mesma rua silenciou?

Jequitibá: Neste corredor, que poderíamos chamar de “Rua das Almas”, os olhos

desta santa parece ver a morte a sua frente e isto fez com que meu personagem pedisse piedade em minha improvisação: Senhor! Senhor! Não! Não! Acho que em nossa “narrativa” precisaremos compreender esta repressão. Quando interajo com a personagem Eva, através do meu personagem, peço para que ela se arrependa porque ela não pode profanar a perigosa “Rua das Almas”.

Miguel: Nas conexões entre a arte e a vida, já sabemos o que nos aconteceu

quando profanamos a Capela Dourada.

Jequitibá: Por isso meu personagem insiste para Eva: “Menina! Arrepende-te!” Bartolomeu: Mas Eva vai profanar o “livro santo” e a verdade que Jequitibá fala do olhar das imagens quando ele diz: “Os seus olhos são tão verdadeiros que são mais verdadeiros que o próprio real, sabia?!” E Eva retruca: “Cada palavra tem um signo e escreve a história no livro. Se trocarmos as palavras elas contam outra coisa. Troque as palavras!”

Margarida: Será que realmente existe esta verdade dos olhos das imagens ou a fabricamos? Terminamos hoje por aqui pessoal. Pensem nisto. Sim Maria?

Maria: Posso terminar com uma de minhas frases o nosso dia de trabalho de hoje Margarida?

Margarida: Claro que sim Maria.

Maria: Por que será que aqui nesta rua, ninguém sorri?!

Nesta sala, chamada de Sala dos Santos Anônimos e cuja seriedade das expressões dos rostos

Outline

Documentos relacionados