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SOCIOLOGIA AMBIENTAL E SOCIOLOGIAL RURAL

5. ATORES, REDES E INTERFACES

5.3 ONGS E COOPERATIVAS ONGS E COOPERATIVAS

5.3.1 Centro Vianei de Educação Popular

Uma das organizações destacadas entre os entrevistados é o Centro Vianei de Educação Popular. Trata-se de uma ONG, sem fins lucrativos, fundada em 1983, na cidade de Lages (CENTRO VIANEI, 2012). Segundo um dos membros da organização, o Centro Vianei surgiu a partir de um projeto estruturado na década de 1970, com foco na educação no campo. O Instituto São João Batista Vianei, proprietário da estrutura de funcionamento do Seminário Diocesano (posteriormente transformada em colégio), abrigou o Projeto Vianei, de modo a ocupar uma sala naquele local. No final dos anos de 1980, o projeto se instituiu na forma de uma associação, nomeada de Associação Vianei de Cooperação, Intercâmbio no Trabalho, Educação e Saúde (AVICITECS), nome jurídico utilizado até os dias de hoje28.

Segundo o entrevistado (ENTREVISTA n.08), em vista ao perfil dos profissionais que atuavam na instituição, até meados de 1998, a atuação se deu com educação no campo e estruturação de movimentos e organizações populares, tais como a oposição sindical, o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MBA) e o Movimento Sem-Terra (MST). Apesar do foco inicial, o entrevistado recorda que, em meados de 1992, já se promoviam debates acerca das tecnologias que deveriam ser adotadas para “pensar uma agricultura diferente”. Além disso, já se faziam experimentos de produção de sementes de milho crioula e resgate de variedades de sementes crioulas, pela organização na região sul e sudeste. Tais experimentos, segundo o entrevistado, eram contestados pelas instituições de pesquisa oficiais, porém, “[...] o pessoal conhecia bem que isso provavelmente aconteceria, [então] se fez no modelo de experimentação mais convencional possível” (ENTREVISTA n.08). Segundo o entrevistado, estas experiências fomentavam discussões em associações, cooperativas e entre os agricultores, sobretudo, entre os “curiosos” presentes nos dias em que ocorria a avaliação dos experimentos. O entrevistado expressa que a EPAGRI também trabalhava com variedades crioulas, no final dos anos de 1990, e “[...] sempre teve gente muito sensível para essa questão”. Mas pondera: “[...] não é que a gente tinha apoio da EPAGRI, mas não tinha uma crítica severa, porque dentro da própria instituição [...] já tinha gente que mexia com isso” (ENTREVISTA n.08).

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Vale destacar a análise crítica acerca da atuação do Instituto Vianei, realizada por Perez (1997).

A partir da metade da década de 1990, conforme o entrevistado, ocorreu uma mudança na equipe que havia dado início aos trabalhos, no Centro Vianei. Passou-se a focalizar mais a produção, em detrimento da educação no campo. Isso fortaleceu o desafio, no sentido de avançar na experimentação para a lavoura e, posteriormente, ao mercado. Nas palavras do entrevistado: “[...] se discutiu muito, na época, de que não adiantava a gente ter aí uma produção agroecológica e a gente não ter estruturas organizativas” (ENTREVISTA n.08).

Com ênfase na produção, em dezembro de 1999, foi formada em Lages a Cooperativa Ecológica Ecoserra, com atuação restrita a agricultores que atuassem com Agroecologia. Uma das primeiras ações da cooperativa consistiu na criação da Feira Regional, no bairro Coral (Lages), em 2000. Inicialmente, a feira recebia produtores dos municípios catarinenses de Frei Rogério, Curitibanos, Lages, São José do Cerrito, dentre outros. A distância e, principalmente, as exigências da vigilância sanitária no tocante a alimentos de origem animal, no entanto, levaram ao fechamento dessa cooperativa, no ano de 2010. O entrevistado recorda: “quando a gente começou a fazer contas: bom, montar uma agroindústria para processar leite, quanto custa? Quanto é a produção da turma? Então não é viável. [...] E a característica ia ser outra, não ia ser queijo colonial, ia ser queijo industrial” (ENTREVISTA n.08).

Em 2004, a Cooperativa Ecoserra centralizou suas ações no mercado institucional com o desenvolvimento do primeiro Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)29 de Santa Catarina. Esse programa permitia que os agricultores de Lages organizassem o sistema de produção, com a garantia do recebimento dos recursos financeiros. No ano seguinte, duas propostas foram formuladas, uma delas envolvendo produtores agroecológicos e outra beneficiando aqueles em processo de transição. Com a pretensão de envolver outras cidades, e não apenas Lages, outros projetos foram elaborados posteriormente. Segundo o entrevistado, atualmente existem 13 projetos em execução, sendo:

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Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (2012), o PAA é uma das ações do Programa Fome Zero e promove: acesso a alimentos, às populações em situação de insegurança alimentar, e a inclusão social e econômica no campo, por meio do fortalecimento da agricultura familiar. Acrescenta-se que o programa contribui para a formação de estoques estratégicos para o abastecimento do mercado institucional de alimentos, por meio de compras governamentais de gêneros alimentícios, permitindo, aos agricultores familiares, estocarem seus produtos, para serem comercializados a preços mais justos.

[...] mais ou menos R$ 1,5 milhão de projetos, que está protocolado na CONAE [Conferência Nacional de Educação], e todos os projetos têm a cara do seu município. A organização local administra o projeto, faz as entregas, tem os controles lá e manda para cooperativa aqui a parte da negociação (ENTREVISTA n.08).

Apesar de as negociações com o mercado institucional terem avançado, foram mantidas relações comerciais com a iniciativa privada. Isso ocorreu de tal forma, que “[...] em 2004, 2005 se vendeu muito produto para São Paulo, para atravessador. Ia caminhão toda semana com produto para São Paulo, principalmente hortaliças”. O entrevistado lembra, no entanto, que o volume de desperdício de produtos e a inadimplência resultaram no abandono das vendas nas grandes capitais.

No ano de 2008, outro passo importante foi dado com a formação de um “circuito de comercialização”, envolvendo as entidades da Rede Ecovida de Agroecologia. Nesse circuito, cada uma das “estações”, ou seja, cada um dos pontos de carga e descarga recebia e enviava seus produtos para todo o Sul do Brasil e para parte de São Paulo.

Apresentados os principais acontecimentos, envolvendo o Centro Vianei, o entrevistado respondeu acerca da terminologia utilizada pela organização. Para ele, trata-se de uma discussão presente na instituição, pois existe uma diferença “gigante”, entre Agricultura Orgânica e Agroecologia, separando o modelo apresentado por Howard, denominado por ele de “agricultura orgânica original” e próximo da Agroecologia, do modelo assumido pelo MAPA, centrado no sistema de produção. Frente a tais questões, o Centro Vianei defende um modelo com vistas a transformar os sistemas de produção, agregando relações sociais e culturais. Segundo o entrevistado, gradativamente, o agricultor compreende a necessidade de promover modificações em diversos aspectos. Em sua verbalização, justifica:

Por que eu opto por um mercado institucional, mais próximo do consumidor e não vou para o supermercado? Essa é uma opção da agricultura agroecológica. Por que eu não faço a monocultura de 300 hectares de soja orgânica? [...] Se você faz a opção de lidar com o PAA e não com o Pão de Açúcar, essa para nós é a grande matriz da nossa discussão da agroecologia. [...] A gente trabalha

com estoques públicos, nós trabalhamos com banco de alimentos, com restaurante popular, com cozinha comunitária [...] [grifo do pesquisador]. (ENTREVISTA n.04).

Apresentado o Centro Vianei, em termos gerais, parte-se para a descrição de uma segunda ONG, mencionada entre os pesquisadores e extensionistas. Desse modo, transfere-se a análise das relações estabelecidas entre EPAGRI e Vianei para o capítulo seguinte, cujas situações de interface apresentadas contribuem para a compreensão das relações de poder, que envolvem as redes internas já mencionadas. 5.3.2 Associação dos Agricultores Ecológicos da Serra Geral

(AGRECO)

A Associação dos Agricultores Ecológicos da Encosta da Serra Geral (AGRECO), sediada no município de Santa Rosa de Lima (SC), é uma organização solidária, que zela pela preservação da vida e da natureza (AGRECO, 2012). Foram entrevistados dois atores ligados à organização: o presidente da associação e o coordenador da COOPERAGRECO, denominada por ele de “braço comercial e de produção da Agreco”. Segundo o coordenador da COOPERAGRECO (ENTREVISTA n.05), a associação foi fundada em 1996, com o intuito de trabalhar com a produção de alimentos sem agrotóxicos, sendo, posteriormente, utilizado o termo orgânico. O diretor da Agreco (ENTREVISTA n.04), por sua vez, ressalta que o lançamento (extraoficial) ocorreu ainda em 1990, com 1ª Gemüse Fest. Nesse evento, os agricultores decidiram que poderiam formar uma entidade organizada que beneficiasse a todos, embora formalmente a fundação tenha ocorrido em 1996, conforme já foi mencionado.

Quanto à terminologia utilizada pela Agreco, o coordenador da COOPERAGRECO afirma que as mais variadas práticas estão presentes na associação, como permacultura, agricultura natural, biodinâmica, homeopatia animal e vegetal; porém, devido à norma brasileira, o termo mais indicado é agricultura orgânica. Ele acrescenta:

[...] se a gente for assumir um princípio radical, que vai à raiz da Agroecologia, pressupõe que um agricultor não poderia produzir orgânico e convencional, em uma área só. Já fomos assim, a Agreco já foi assim, [...] o regimento interno da associação já tinha isso bem claramente colocado.

[...] Hoje nós já mudamos isso, pelo critério da norma. O nosso respaldo é todo na norma de produção orgânica. Dá mais autonomia para o nosso trabalho. Foi uma situação de conflito imenso, esse princípio de assumir a Agroecologia. Porque algumas famílias não cumpriam, outras denunciavam, e tinha uma comissão de ética que tinha que atuar. E aí, de dois em dois anos, ou tem campanha para prefeito ou... aí a coisa começa a se confundir. [...] Então, hoje a gente não pune mais nada, a certificadora pune (ENTREVISTA n.05).

Por outro lado, o presidente da associação afirma que vem se desenvolvendo um trabalho que utiliza uma tecnologia inovadora, na busca de um processo agroecológico de produção. “A gente já desenvolve com bastante sucesso a produção orgânica e com um pouco mais de pesquisa a gente pode chegar num ambiente que obedeça a essa questão sustentável [...]”. Para ele, a Agroecologia está presente, embora o foco da produção seja a orgânica. “Precisa dar um passo a mais. Eu diria que, talvez, a geração seguinte vai dar conta disso [...]” (ENTREVISTA n.04).

Atualmente, a Agreco vende produtos no varejo nacional e no mercado institucional, por meio da COOPERAGRECO. A organização congrega 300 famílias, certificadas, por “auditoria de grupo”, pela ECOCERT. O Coordenador da COOPERAGRECO admite que esse modelo de certificação pode gerar um processo de exclusão de produtores; porém, exime-se da responsabilidade, ao afirmar que a determinação vem de um órgão externo, isento e que não sofre questionamento. Sobre esta questão, acrescenta:

Ficou muito bom de trabalhar, porque é preciso ter objetividade e tratar como negócio, também, a produção orgânica. No início, a gente não tinha muito isso, era muita filosofia. Hoje se mantém a filosofia, é claro, mas [...] existe um foco muito grande no negócio, na viabilidade dos empreendimentos. É muito bom de trabalhar com Agroecologia, quando se tem resultado favorável, porque é agricultura familiar, é o sustento da família (ENTREVISTA n.05).

Conforme se observa no discurso de ambos os entrevistados, a Agreco vem mudando seu foco. No início, a organização priorizou a produção de hortaliças; entretanto, com a falência do Supermercado Santa Mônica, na capital do Estado (até então o principal parceiro comercial) e com surgimento de concorrência na região Grande Florianópolis, a organização foi obrigada a diversificar mais sua produção. Passou, então, a transformar alimentos perecíveis em produtos de “prazo de prateleira alongado”, como, por exemplo, tomate em badeja, que possuía validade de sete dias, e passou a ser comercializado de forma industrializada em molho ou ketchup, com validade de 24 meses. Ainda segundo os gestores, atualmente as vendas ocorrem, em sua maioria, em supermercados da Grande Porto Alegre. O Coordenador da COOPERAGRECO afirma: “nós temos uma clientela muito extensa, mas quem realmente concentra faturamento são as redes de supermercado. E é no litoral, no Brasil inteiro, principalmente nas capitais. Tem esse mapa muito claro”.

Quando questionados acerca das dificuldades enfrentadas pela organização, o presidente da COOPERAGRECO afirmou que estas mudam a cada momento. Segundo ele, atualmente, é possível destacar entraves de investimentos na estrutura, no capital de giro, bem como necessidade de assistência técnica regular, dentre outros. Apesar disso, as expectativas da Agreco residem em viabilizar a existência técnica regular, para acompanhar, principalmente, o processo de produção das agroindústrias, e, em longo prazo, “tornar a encosta da serra geral, quem sabe no futuro de dez, vinte anos, um [...] santuário, uma área livre de transgênicos e agrotóxicos30” (ENTREVISTA n.05).

Na opinião do presidente da Agreco, um dos principais entraves para o avanço da ONG é a existência de conflitos entre adeptos da Agricultura Orgânica e/ou Agroecológica e os não adeptos, na região. Ele mencionou, ainda, os conflitos internos na Agreco, entre grupos em processo de transição e aqueles já certificados, muitas vezes, agregando- se a disputas eleitorais dos municípios.

Questionado sobre os parceiros da Agreco, o coordenador da cooperativa enumerou uma série deles, desde a fundação da organização, acrescentando que “agricultura familiar, para se viabilizar e para a cooperativa nossa ter o nível que tem hoje, fazer tudo isso sozinho, eu não sei se seria possível” (ENTREVISTA n.05). Dentre as parcerias, estão: (i) inspeção da área animal fornecida pelo município;

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O entrevistado ressalta que esse intento surgiu em 2001, como sugestão do governador da época, Espiridião Amin.

(ii) um técnico cedido pela prefeitura, em tempo integral, para auxiliar as agroindústrias; (iii) a UFSC31, que auxilia em programas, na elaboração de projetos etc.; e (iv) chamadas públicas do MDA, nas quais executam-se, frequentemente, programas para assistência técnica, desenvolvimento de rotulagem, dentre outros.

Igualmente, o presidente da Agreco foi indagado acerca das parcerias firmadas pela entidade. Segundo ele, em um primeiro momento, é necessário destacar o apoio de pessoas ligadas à história da região e que se mudaram para o meio urbano, tais como investidores, empresários e donos de supermercados. Posteriormente, o apoio veio de instituições como: Universidade Federal de Santa Catarina, “[...] não formalmente enquanto instituição, mas enquanto pessoas, professores, que esteve muito presente”; bancos, principalmente Banco do Brasil; os ministérios, especialmente a Secretaria da Agricultura familiar e, recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Regional; prefeituras; universidades regionais; EMBRAPA Clima Temperado; SANTUR; e instituições ligadas à iniciativa privada, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

Prosseguindo, ambos foram questionados acerca da relação entre a organização e a EPAGRI. Nos discursos, emergiu a existência de disputas, que oferecem mais elementos para compreender a complexidade das ações que envolvem a Agroecologia e Agricultura Orgânica, em Santa Catarina. Tais informações serão trazidas no capítulo vindouro, abrindo agora espaço para a apresentação de outra organização pesquisada.

5.3.3 Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense