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SOCIOLOGIA AMBIENTAL E SOCIOLOGIAL RURAL

4. A EPAGRI E O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

4.1.1. O surgimento da EPAGR

A EPAGRI constitui-se em uma instituição com duas décadas de atuação em Santa Catarina. Diante de sua abrangência, remontar a história da instituição em algumas páginas é uma tarefa um tanto complicada e extrapola os objetivos deste item. Diante disso, optou-se por destacar três aspectos da trajetória da EPAGRI: seu surgimento, sua atuação por meio de três programas e sua inserção na Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Vale lembrar que esses acontecimentos, por serem de grande importância na história da instituição, serão analisados também nos capítulos subsequentes.

A formação da EPAGRI está ligada a uma controversa fusão, envolvendo ACARESC, ACARPESC, EMPASC e IASC. A Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina (ACARESC) foi constituída em 21 de junho de 1957. A instituição integrava o Sistema Brasileiro de Extensão Rural - representado pela Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) - e possuía a incumbência de promover a execução da extensão rural no Estado. Em Santa Catarina, tornou-se EMATER13-SC/ACARESC (ao invés de

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A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Santa Catarina (EMATER) originou-se por uma exigência do Governo Federal, em consequência da criação da EMBRATER. Segundo Souza (1996 apud SANTOS, 2001, p. 96), a maioria dos estados aderiu ao novo modelo proposto, extinguindo as ACAR e criando as EMATER. Santa Catarina, contudo, resistiu à criação da EMATER, por julgar que tal transformação não melhoraria os

EMATER-SC), dada sua natureza filantrópica, que incluía a obtenção de certos privilégios e isenções. Nos últimos anos de existência, a ACARESC possuía 1.639 funcionários, distribuídos em dezessete escritórios regionais, 199 escritórios locais e oito centros de treinamento (SANTOS, 2001, p. 90-94).

A Associação de Crédito e Assistência Pesqueira de Santa Catarina (ACARPESC) foi fundada em seis de janeiro de 1968, vinculada à Secretaria da Agricultura e do Abastecimento. Tal entidade objetivava executar um programa de assistência técnica, econômica e social, destinado aos profissionais da pesca (artesanal), buscando elevar a produtividade, melhorar as condições de vida e promover o desenvolvimento e progresso das comunidades pesqueiras do estado. Quando de sua extinção, a ACARPESC possuía bases físicas apenas no litoral catarinense (um escritório central, quatro escritórios regionais e uma estação de piscicultura), tendo em vista que a assistência da piscicultura de águas interiores havia sido transferida à ACARESC.

A Empresa Catarinense de Pesquisa Agropecuária S.A. (EMPASC), por sua vez, foi criada em 30 de abril de 1975, por meio da Lei Estadual n. 5.089/75. Suas ações ancoravam-se na principal finalidade, que era a de executar a política de implantação e desenvolvimento do Sistema Estadual de Pesquisa Agropecuária (SEPA). Tratava-se de uma empresa vinculada à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, constituída sob a forma de sociedade por ações. Seus principais acionistas eram o Governo do Estado (com 60% do capital) e a EMBRAPA (com 40% do capital). Na ocasião de sua extinção, a EMPASC totalizava 810 funcionários, dentre pesquisadores, técnicos de nível superior e aqueles pertencentes às áreas de suporte à pesquisa. A receita anual da instituição alcançava cerca de US$ 10 milhões, provenientes dos governos federal e estadual, da captação de recursos junto à iniciativa privada (empresas, associações, cooperativas etc.) e das atividades de prestação de serviços, venda de sementes, descartes da pesquisa e publicações técnicas (SANTOS, 2001, p. 87-90).

serviços e traria mais despesas operacionais e de pessoal ao Estado. Em 1997, o governo acabou cedendo, criando a EMATER-SC, baseada na Lei n. 5.347, com a condição de que a ACARESC não fosse extinta. Na prática, esta última continuou executando todos os serviços pertinentes à extensão rural, enquanto a EMATER contratava-lhe os serviços e repassava-lhe os recursos, tendo ambas as empresas a mesma diretoria. O único funcionário contratado pela EMATER era um contador, que assinava os balanços enviados à EMBRATER, em Brasília (SOUZA, 1996 apud SANTOS, p. 97).

Finalmente, o Instituto de Apicultura do Estado de Santa Catarina (IASC) foi instituído em 13 de outubro de 1981, por meio do Decreto Lei n. 15.227/81, enquanto parte integrante da estrutura da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento de Santa Catarina. A instituição possuía o objetivo de executar a política de desenvolvimento e aperfeiçoamento da produção apícola no Estado, e incentivar o consumo do mel (WIESE, 1996 apud SANTOS, 2001, p. 102). O quadro de pessoal era composto por um diretor, um secretário e três técnicos especialistas em apicultura, sendo que os demais funcionários eram cedidos pela Secretaria da Agricultura (um médico veterinário, um engenheiro agrônomo, um biólogo, dois técnicos agrícolas e dois apicultores profissionais). O IASC utilizava a estrutura de escritórios locais da ACARESC e das associações de apicultores, para a coordenação de trabalhos no interior. Os recursos da entidade provinham do Governo do Estado, embora, nos últimos anos, contribuições não permanentes tenham sido recebidas também do Banco do Brasil, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e do governo estadunidense.

Quanto às razões que levaram à junção das instituições citadas, percebe-se que não existe um consenso. Simon (2003, p. 261) afirma que o processo teve início em meados de 1980, quando o então Ministro da Fazenda - Paulo Haddad - afirmou que a “mão invisível” atuaria incisivamente sobre a sociedade brasileira. Naquele momento, o Estado produziu mudanças no setor público agrícola, com base nos preceitos da ideologia neoliberal do Estado Mínimo, ou seja, de desestatização da economia e de redução do tamanho das estruturas governamentais.

Segundo Santos (2001, p. 58), razões para fusão podem ser encontradas no próprio Plano de Governo da época, mais especificamente num conjunto de mudanças chamado de Plano de Modernização da Agricultura, que tinha como foco: (i) a retirada gradativa do governo das atividades de competência da iniciativa privada; (ii) a diminuição de organismos e cargos de chefia; (iii) incentivo à municipalização dos serviços; e (iv) a criação de Centros de Tecnologia Agrícola (CTA), com intuito de desenvolver pesquisas agropecuárias e projetos importantes, tais como Microbacias, Irrigação e Drenagem, Sistema de Troca-Troca etc.

Seibel (1994), por sua vez, apresenta argumentos que justificam o processo de fusão. Um deles chama de “revanchismo político”. Segundo o autor, em 1983, o então Secretário da Agricultura, Vilson Pedro Kleinübing, teria entrado em choque com a nova diretoria da ACARESC. O futuro governador teria exigido uma ação mais comprometida com seu plano político e não teria encontrado a esperada

correspondência da direção da instituição. Diante deste fato, Kleinübing, eleito governador em 1989, assumiu o cargo, já com a intenção de extinguir a empresa, devido ao confronto anteriormente travado com a direção e com o corpo técnico. Uma segunda razão é denominada de tecnocrática. Para o autor, o ex-presidente da ACARESC, Glauco Olinger, concordava com a necessidade de um saneamento administrativo da empresa (embora não estivesse de acordo com sua extinção). Para Olinger, deveria ser reinstaurada a competência técnica e a neutralidade política na extensão rural, de modo a desmantelar o empreguismo e as práticas patrimonialistas, mantendo a autonomia em relação às forças políticas locais. Um terceiro motivo seria o clientelismo político. Com o reinício da atividade político-eleitoral no país, “[...] ficaram reavivadas as forças políticas fisiológicas no sentido de utilizar-se não somente da máquina administrativa, mas de sua reapropriação – 'usurpada' pelas forças tecnocráticas – com a finalidade de dispor dos cargos que estas empresas criavam” (SANTOS, 2001, p. 59). Conforme aponta Seibel (1995), soma-se ainda o fator mais importante, o ciclo institucional. Para o autor, o modelo de vinculação do produtor rural, como fornecedor de matéria-prima para a agroindústria teria tornado o serviço da ACARESC dispensável, não justificando a manutenção da empresa, para produtores não vinculados às agroindústrias ou às cooperativas.

Outras razões são apresentadas por diferentes autores. Entre eles destacam-se: (i) o desejo de Kleinübing, no sentido de agradar o recém- eleito Presidente da República Fernando Collor, indo ao encontro dos projetos federais de extinção de empresas estatais (OLINGER, 1996); (ii) a fusão pesquisa-extensão rural, em Santa Catarina, seguiu as tendências do modelo liberal de administração pública, nesse caso, objetivando racionalizar recursos e atividades e aproximar o trabalho dos pesquisadores e extensionistas (FRANCO, 1996); e (iii) a fusão das empresas se deu a partir de uma mudança do enfoque do trabalho do Setor Público Agrícola de Santa Catarina, resultado de um Planejamento Estratégico, objetivando implantar mudanças profundas na estrutura pública estatal (MUSSOI, 1998).

Santos (2001), por fim, aponta razões, a partir de dados coletados em entrevistas. O primeiro refere-se a um contexto mais amplo e a antecedentes econômicos e políticos organizacionais e pessoais. O entendimento da equipe de governo da época era de que o ambiente e as tendências do cenário estadual, nacional e internacional exigiam mudanças estruturais na agricultura e na estrutura de governo. No caso da estrutura do setor público agrícola, isso significava uma diminuição

no número de empresas, a atuação em pesquisa agrícola e em projetos de desenvolvimento, por meio dos Centros de Tecnologia Agrícolas, bem como a transferência da responsabilidade da execução de serviços públicos aos municípios. Para a autora, contudo, a maior parte dos entrevistados percebeu outras razões subjacentes ao discurso: (i) questões pessoais de relacionamento entre o governador e as empresas, especialmente a pretensão de Kleinübing de utilizar as estruturas da ACARESC, como instrumento para a realização de seu projeto político pessoal e a resistência que encontrou por parte desta; (ii) questões de ordem macro que se desenrolavam no Estado, como a tendência ao esvaziamento do campo, esgotamento do papel da extensão rural, necessidade de adequação das empresas às novas demandas da sociedade, contenção de gastos públicos, pressão dos prefeitos etc.; e (iii) questões de ordem macro que se desenrolavam no país e, até mesmo, no mundo, como a inadequação do modelo agrícola do final dos anos de 1980 às demandas da agricultura de Santa Catarina, a abertura comercial brasileira, a crise financeira do Estado, a extinção da EMBRATER e as próprias forças neoliberais (SANTOS, 2001, p. 219- 20).

Segundo Mussoi (1998), a EPAGRI surgiu em um momento de confusão e preocupação, pois a fusão administrativa havia ocorrido em um ambiente demarcado: (i) pela perda de identidade para o segmento extensionista, em função da municipalização dos serviços de extensão rural; (ii) por um momento de indefinição, dados os rumores de extinção de empresas, a interiorização dos funcionários das sedes e regionais, as demissões generalizadas etc.; e (iii) pela necessidade de uma convivência repentina e desprovida de um preparo prévio de funcionários nos níveis estadual e regional. Santos (2001, p. 221) destaca, ainda, outro ingrediente complicador: o caráter autoritário com que projeto foi implantado. Para a autora, os entrevistados interpretaram o processo de negociação “vindo de cima para baixo”, omitindo consultas ou discussões com produtores rurais e funcionários.

Embora alguns entrevistados reconheçam que não teria havido disposição por parte das empresas em negociar mudanças, principalmente por parte da ACARESC, outros tantos asseguram, por outro lado, que o tempo que transcorreu até a estrutura nova ser digerida e internalizada teria sido bem menor se tivesse havido mais investimento de tempo na fase preliminar, de discussão (SANTOS, 2001, p. 222).

Neste contexto de indefinições, a fusão foi oficializada. Em 20 de abril de 1991, constituiu-se oficialmente a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Difusão de Tecnologia de Santa Catarina S.A.