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SOCIOLOGIA AMBIENTAL E SOCIOLOGIAL RURAL

6. TRAJETÓRIAS DOS ATORES

6.1. FASE ZERO: OS PRIMÓRDIOS DA PESQUISA E EXTENSÃO EM SANTA CATARINA

As discussões efetuadas anteriormente ilustram que as ações desencadeadas em relação à Agroecologia e/ou à AO não surgem como em um “passe de mágica” na EPAGRI. Compreender a inserção destas práticas no Estado envolve o resgate da atuação de diversos atores (dentre eles, organizações públicas, ONGs, associações etc.), uma tarefa um tanto longa e complexa. Ciente da limitação das informações, no entanto, buscou-se retomar, junto aos entrevistados, ações desenvolvidas localmente, com intuito de contextualizar a fase seguinte, em que pesquisa e extensão atuam em Santa Catarina sob uma única instituição: a EPAGRI.

Um dos entrevistados (ENTREVISTA n.13) recorda que, entre os anos de 1956 e 1957, discutia-se a utilização de técnicas, como a

adubação verde e a compostagem, na pesquisa e na extensão rural. Acrescenta que tais práticas foram trazidas por imigrantes italianos, alemães, poloneses, austríacos, ucranianos etc., e posteriormente, reproduzidas por seus descendentes (“[...] que formam o grosso da agricultura familiar do Sul do Brasil”). Mais do que isso, “o composto”, o uso de estercos, a rotação de cultura, o cultivo mínimo e outras técnicas, utilizadas atualmente na produção agroecológica e orgânica, foram estimuladas no período que esse entrevistado denomina “primórdios da extensão”34

. Segundo ele, essas técnicas caíram no esquecimento, pela maioria dos técnicos de extensão anos depois.

O esquecimento a que se refere o entrevistado ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, com o avanço da Revolução Verde no Estado. Conforme foi discutido anteriormente, naquela época, optou-se pela substituição de práticas agrícolas afirmadas atrasadas ou antigas, por outras consideradas modernas. Para o entrevistado, no entanto, as técnicas trazidas pelos imigrantes europeus não caíram em completo desuso, devido à atuação de:

[…] alguns técnicos, por pendão e decisão própria, continuaram trabalhando a questão das tecnologias sustentáveis, [que] hoje chamamos de sustentáveis. Alguns [...] mantiveram, estudaram mais a fundo a questão da compostagem, a questão da adubação verde. Então, na extensão e, mais tarde, depois na pesquisa, também algumas tecnologias existiam isoladas, sustentáveis, que hoje formam o chamamos de produção agroecológica, produção orgânica; técnicas, sistemas de produção agroecológico, sistemas de produção orgânica. Então, já existia antes da fusão esse histórico [...], quer dizer, não surgiu de uma hora para a outra (ENTREVISTADO n. 13). Corroborando a afirmativa supramencionada, Simon (2003) salienta que a extensão catarinense passou por um período de desvalorização da população rural, considerada inferior e atrasada. Com intuito de “desenvolver” esse contingente populacional, foram indicadas tecnologias trazidas pela Revolução Verde, impulsionando a formação

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O entrevistado também cita a técnica de utilização do Baculovirus erinnyis, no controle do marandová da Mandioca, trabalho pioneiro desenvolvido pela EMPASC de Itajaí.

de projetos educativos voltados à garantia de que o homem do meio rural se inserisse no ritmo e na dinâmica da sociedade de mercado. Assim, foram formados os serviços de extensão rural em Santa Catarina, por meio do ETA - Projeto 17, proveniente de um acordo entre o Governo do Estado de Santa Catarina, através da Secretaria da Agricultura e da Federação das Associações Rurais do Estado de Santa Catarina (FARESC) - com o Escritório Técnico de Agricultura (ETA), assinado em 29 de fevereiro de 1956 (SIMON, 2003 p. 221).

Em junho de 1957, surgiu a ACARESC, associando-se também ao Sistema Brasileiro de Extensão Rural (SIBER). Embora já houvesse debates crescentes em relação à reforma agrária, a extensão defendia a tese de que o desenvolvimento rural realizar-se-ia por meio da adoção de novas tecnologias, viabilizada via crédito rural supervisionado, assistência técnica e cooperativismo. Nesse contexto, as práticas conservacionistas eram consideradas como um “custo extra” e eram responsáveis pelo aumento do esforço nos trabalhos dos agricultores (SIMON, 2003).

Apesar disso, relatórios de trabalho da ACARESC, de 1957/58, já mencionavam algumas práticas que se consolidariam mais tarde dentro da Agricultura Orgânica, destacando a adubação orgânica e o uso de vegetais nas curvas de nível (cordão vegetal). Corroborando o depoimento do entrevistado acima, Simon (2003, p. 223) afirma que tais práticas eram repassadas, de acordo com a sensibilidade do extensionista, pois “o objetivo produtivista se sobrepunha à preservação ou conservação dos recursos naturais e os problemas ambientais ainda não haviam sido questionados”.

Outro entrevistado (ENTREVISTA n.11), que atua na instituição desde o final da década de 1970, compartilha da opinião de que as práticas hoje afinadas à Agricultura não convencional existiam antes da fusão que originou a EPAGRI. O entrevistado lembra que, quando atuava no município de Campo Erê (SC), em 1980, havia uma equipe que utilizava a compostagem e iniciava a substituição de adubos químicos por adubos verdes, tais como o tremoço e a ervilhaca. No mesmo período, segundo outro entrevistado (ENTREVISTA n.10), realizaram-se experiências com práticas alternativas na Estação Experimental de Itajaí. Naquele momento, reuniu-se um grupo de pesquisadores, preocupados com o uso abusivo de agrotóxicos, a fim de realizar pesquisas e participar de cursos na área. Nas palavras do entrevistado: “[...] de lá para cá, no setor de hortaliças [...] nós não desviamos mais o foco no nosso trabalho. Então, o foco do trabalho, dentro dessa visão de Agroecologia, vem desde 1980. [...] E aí fomos

fazendo cursos e aqui virou referência [...] nessa área de Agroecologia”. Outro entrevistado (ENTREVISTA n.02) recorda a existência de grupos informais, atuando desde o final da década de 1970. Os grupos, segundo ele, surgiram no bojo da luta contra a opressão e a ditadura, num cenário de maior militância política e de atuação de movimentos sociais. Ressalta ainda que, no início, o objetivo consistia em “[...] fazer com que os agricultores se organizassem e ganhassem mais dinheiro dentro do modelo da Revolução Verde, não se falava em mudança”. Com o transcorrer do tempo e com o contato com os agricultores, foram introduzidas tecnologias ecológicas. Finaliza: “[...] não se falava em Agroecologia, mas você já ia incorporando outra matriz tecnológica, que ia desmistificando aquela [da Revolução Verde]”.

Parte dos entrevistados recorda práticas desenvolvidas desde o início da extensão rural em Santa Catarina e que hoje estão ligadas às práticas da Rede II. As entrevistas revelaram também a atuação de outros atores sociais na promoção de tais práticas, sobretudo, as ONGs, consideradas por um dos entrevistados (ENTREVISTA n.13) como a “mola propulsora” que levou as práticas não convencionais a serem discutidas na EPAGRI. Outro entrevistado (ENTREVISTA n.09) destaca a atuação da APACO, do Centro Vianei e da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (APREMAVI35). Para ele, a atuação dessas ONGs contribuiu para que a EPAGRI efetivasse o convênio com a UFSC, o que será visto subsequentemente. Em sua afirmativa, argumenta:

E a EPAGRI, claro, a partir desse momento [pressão das ONGs], formou um quadro, talvez seja em torno de pelo menos quinze, acredito que quinze profissionais, quinze a vinte, no máximo. Ficou uns cinco, seis anos mandando para o curso de agroecossistema e o pessoal voltava para o campo. Uma boa parte voltou para a extensão rural, como era a origem, e alguns voltaram para a pesquisa (ENTREVISTA n.09).

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A Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (APREMAVI) é uma ONG, fundada em 09 de julho de 1987, na cidade de Ibirama (SC). Em 1990, a APREMAVI mudou-se para a cidade de Rio do Sul, onde está localizada até hoje. Segundo dados da organização, sua finalidade é trabalhar na defesa, preservação, recuperação e manejo do meio ambiente, dos bens e valores culturais, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida humana (APREMAVI, 2002).

Por fim, um terceiro pesquisador destaca a pressão que as ONGs exerceram na EPAGRI naquele momento:

[...] eu acredito que, antes da EPAGRI, algumas ONGs, tipo CEPAGRO36, Instituto Vianei, lá em Lages, e outras ONGs já estavam começando a mexer com a produção orgânica, fazendo feiras ecológicas e coisas assim. Então, a EPAGRI começou a vir mais, nessa época, junto e até um pouco pressionada por essas ONGs e agricultores que estavam querendo fazer um produto diferente [grifo do pesquisador] (ENTREVISTA n.10).

Outros atores destacados pelos entrevistados são pouco citados e até esquecidos em pesquisas científicas, produzidas acerca da pesquisa agrícola e da extensão rural, em Santa Catarina. Trata-se das mulheres, das extensionistas chamadas de “extensionistas domésticas”. Um dos entrevistados (ENTREVISTA n.02) recorda que tais profissionais utilizavam técnicas como água de sabão e água de fumo, para combater diversas pragas, como, por exemplo, o pulgão. Segundo ele, “[...] a agronomada ficava arrepiada com aquelas mulheres”. Vale ressaltar que a atuação delas ocorria num momento de implantação da Revolução Verde, em que:

Tu era avaliado pelo número de toneladas de calcário, de adubo que entrava no município. [...] Por esforço também, quantos cursos você fazia nessa área, pelas unidades demonstrativas, pelas lavouras demonstrativas, pela média de produtividade. Tanto é que tinha concurso de produtividade que os agricultores competiam, e a gente ia no vácuo, vamos dizer assim, o extensionista. [...] Era apologia à produtividade, mas a gente, alguns de nós, começamos a

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O Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (CEPAGRO) é uma ONG, fundada com o objetivo de atuar com a Agroecologia, de forma participativa, junto às comunidades rurais e urbanas necessitadas. Segundo o site da organização, a CEPAGRO é membro atuante da Rede Ecovida de Agroecologia e autorizada pelo MDA a prestar serviços de ATER, desde 2008 (CEPAGRO, 2011).

perceber, já no final da década de 70, que não precisava ser aquilo (ENTREVISTA n.02). Um segundo entrevistado (ENTREVISTA n.11) destaca o papel das extensionistas que trabalhavam com hortas, ou mesmo na produção de hortaliças na lavoura. Para ele, “[...] era muito mais trabalhado que hoje; hoje elas trabalham mais outras linhas, que também são importantes, mas naquela época se trabalhava muito, até na elaboração dos alimentos, como se elaborar esses alimentos, até nisso”. Por fim, um terceiro entrevistado (ENTREVISTA n.01) avança nessa mesma direção, ao afirmar que:

Existia, sem ser chamado Agroecologia. Sabe quem fazia Agroecologia na EPAGRI? As mulheres. Quando ela ia lá com a família, quando ela trabalhava com processamento caseiro, hortas etc. Isso era trabalho da Agroecologia. E os homens, ao contrário, iam lá e... pacotão [risos]. [...] Então, ela já fazia Agroecologia antes de 1990, com toda certeza. É lógico que a política pública na época era o pacotão da Revolução Verde (ENTREVISTA n.01).

Conforme se afirmou, este item não tem como objetivo oferecer um quadro conclusivo acerca da inserção da Agroecologia e/ou AO, nas organizações de pesquisa e extensão, em Santa Catarina, mas evidenciar o surgimento de ações, através da atuação de grupos que agiam na contramão da Revolução Verde. Este panorama constitui-se um parâmetro para discutir a atuação dos atores sociais ligados à Agroecologia e/ou AO, após a formação da EPAGRI, no ano de 1991.

Quadro 14 - Outros episódios que marcam a fase zero

Congresso de Agronomia: segundo um entrevistado (ENTREVISTA n.11), o evento, realizado em Curitiba, no ano 1980, merece destaque dada a presença de José Lutzemberger e outros importantes pensadores da época. Acrescenta ainda que “[...] foi um congresso muito voltado para a agroecologia” e, através dele, o entrevistado passou a questionar práticas que vinha adotando cotidianamente em seu trabalho.

I Seminário Estadual de Plantio Direto: segundo o entrevistado (ENTREVISTADO n.11), o evento realizado na década de 80 contou com a participação de Hans Peeten, Franke Dijkstra e Manoel (Nonô) Henrique Pereira, que contribuíram com pesquisas acerca do plantio direto no Estado. Fonte: entrevistas ao autor