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2 A LUTA PELA LEGITIMAÇÃO DA INDUSTRIALIZAÇÃO PLANEJADA NO

2.2 Ortodoxia X desenvolvimentismo na luta pela industrialização do Brasil: os

2.2.3 Cepal e o desenvolvimento alternativo da periferia

Conforme vimos sobre o contexto internacional no pós-guerra, a estratégia norte- americana de retomada do fluxo de mercadorias e de capitais colidiu e teve que negociar com as demandas por desenvolvimento feita pelos países da periferia do sistema. Receosos de que a “miséria” e a “fome” pudessem se tornar “terreno fértil” para o avanço do comunismo, os próprios EUA procuraram desenvolver propostas alternativas de cooperação econômica – cujo principal exemplo foi o Ponto IV de Truman -, as quais, contudo, apresentavam sérios limites quanto ao alcance e à profundidade de suas políticas.

Numa perspectiva bem diferente do que era concebido no Departamento de Estado, uma outra reflexão e que teve enorme impacto nos países subdesenvolvidos originou-se no interior da Organização das Nações Unidas.

96 Ver LEOPOLDI, 2000. 97 GUDIN, 1959, p. 185 e ss. 98 BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 64.

116 Como lembra MORAES, desde o fim dos anos 40, os debates neste organismo internacional já abordavam a situação especial dos países ditos subdesenvolvidos e, na década seguinte, esse tema iria ficar mais patente nos seus conselhos técnicos, cujos relatórios apresentavam diagnósticos sobre as “patologias” das suas economias e receituários inovadores para as crises que lhes assolavam.99

Um dos itens básicos presentes nesses diagnósticos era a ideia de “desemprego disfarçado”, segundo a qual algumas atividades de baixa produtividade em países não- desenvolvidos utilizavam excesso de mão de obra, que, se deslocadas para outras áreas, não afetaria a produtividade das primeiras.100 Dessa forma, como afirma MORAES, a “tarefa do

desenvolvimento econômico seria criar rapidamente novos empregos, isto é, deslocar para ocupações socialmente rentáveis pessoas que na verdade simulam produzir” (loc.cit). Esses relatórios também apontavam que a economia de mercado não funcionava adequadamente na periferia do capitalismo porque faltavam condições básicas para tanto (MORAES, idem, p. 11). Mais do que isso, afirmavam que, como este ambiente não surgiria espontaneamente, ele precisava ser criado pela ação do poder público, através de uma pesada agenda estatal.101

Na mesma linha de análise dos relatórios da ONU tivemos a importante contribuição de Ragnar Nurske, professor de economia da prestigiada Universidade de Colúmbia (Nova Iorque) e antigo assessor da Liga das Nações. Conforme MORAES, preocupado com o problema da formação de capital nos países subdesenvolvidos, Nurkse vinha elaborando, desde os anos 30, a tese de que estes não estavam apenas em uma etapa cronologicamente anterior de um processo linear e necessário de desenvolvimento como defendia a ortodoxia. Na verdade, para ele, estas nações ocupavam uma posição inferior em uma hierarquia econômica internacional heterogênea, da qual não sairiam pela livre força do mercado. Denominou esta situação de “círculo vicioso da pobreza”,102 o qual só seria quebrado se as

99 MORAES, Reginaldo C. Corrêa de Moraes. Celso Furtado: o subdesenvolvimento e as ideias da Cepal. RJ :

Ática, 1995,pp., 9-32. Conforme este autor, na 5ª. Sessão da Assembléia Geral (1950) afirmou-se que o progresso rápido dos países subdesenvolvidos seria decisivo para o crescimento da economia mundial e para a manutenção da paz e da segurança. Essas ideias – que para o autor foram fundamentais na formação das propostas de planificação na política desenvolvimentista – podem ser encontradas em dois documentos do organismo, o National and International Measures for Full Employment (1949) e o Mesures for the economic

development of underdeveloped countries (1951) (MORAES, op.cit., pp., 10-11).

100 Em outras palavras, nessas atividade, o ganho marginal do fator trabalho havia se tornado nulo e, por isso,

acréscimos e retiradas de mão de obra não afetariam o produto geral, podendo ser tranquilamente transferidas para outros setores.

101 Entre as funções do Estado estaria: “garantir as condições externas gerais imprescindíveis à existência de uma

economia de mercado competitiva: construir estradas, meios de comunicação, rede de saúde e educação, instituto dedicados à informação e à pesquisa, implantar indústrias públicas em setores pioneiros ou de lucratividade duvidosa, engendrar instituições financeiras ágeis para captar e canalizar poupança” (MORAES, ibidem, p. 13).

117 economias subdesenvolvidas conseguissem acumular capital suficiente para novos e pesados investimentos, o que apenas aconteceria através da ação organizada do Estado. Em consequência,

não é difícil identificar o projeto de sociedade que a análise de Nurkse julga adequado à „maturação‟ dos países subdesenvolvidos. Ele implicaria alto grau de estatização: os investimentos feitos pelas autoridades públicas são decisivos, assim como a „poupança coletiva tornada obrigatória pelo Estado‟ (MORAES, 1995, p. 27).

Nurkse também defendia uma mudança na estrutura do comércio internacional, na medida em que, segunda sua análise, os investimentos estrangeiros em países subdesenvolvidos buscavam o lucro privado e não ganhos sociais, destinando-se prioritariamente para atividades exploratórias, que transferiam renda para as nações desenvolvidas. Ao fazerem isso, as trocas mundiais, ao contrário do que defendia a doutrina das vantagens comparativas, não levavam à difusão global da prosperidade mas à concentração da renda nos países adiantados em detrimento dos atrasados. Em síntese, o aporte de Nurkse era uma forte crítica à crença – difundida pela teoria clássica – na existência de mecanismos puros, permanentes e automáticos de transferências internacionais de riquezas. Para ele, o que existia eram mecanismos impuros, políticos, envolvendo juízos de valor, vontades e posição de força, dos quais só se sairia mediante um esforço de igual natureza.

As ideias de Nurske tiveram grande influência no mundo e no Brasil, país onde este economista faz um conjunto de conferências, entre julho e agosto de 1951, posteriormente publicadas pela Revista Brasileira de Economia. Nurkse fora convidado pelo Instituto Brasileiro de Economia, durante a presidência de Eugênio Gudin, o qual era adversário de suas propostas, mas o considerava o prestigiado scolar um digno e influente interlocutor cujas ideias deveriam ser debatidas e, especialmente, combatidas no universo acadêmico nacional.103

Foi nesse ambiente intelectual e político de contestação à ortodoxia e busca de

que reúne as palestras proferidas no Brasil – Nurske define este conceito: “Do lado da oferta, há pequena capacidade de poupar, resultante do baixo nível de renda real. A renda real baixa é o reflexo de baixa produtividade, que, por sua vez, é devida, em grande parte, à falta de capital. A falta de capital é resultado da pequena capacidade de poupar e, assim, o círculo se completa Do lado da procura, pode o estímulo para investir ser baixo em virtude do pequeno poder de compra da população, consequência de reduzida renda real, o que também ocorre por causa da baixa produtividade. Entretanto, o baixo nível de produtividade é consequência do modesto montante de capital aplicado na produção, que pode ser, por sua vez, , causado, ao menos parcialmente, pelo pequeno estímulo a investir.” (NURSKE, Ragnar. Problemas da Formação de Capital em Países

Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro : Editora Civilização Brasileira S/A. 1957, p. 8). 103 BIELSCHOWSKY, op.cit., p. 48.

118 alternativas programáticas às economias subdesenvolvidas que emergiu a mais acabada e influente teoria do desenvolvimento para os países latino-americanos: o conjunto de propostas derivadas dos escritos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), especialmente por seu principal mentor, o economista argentino Raúl Prebisch.

A Cepal foi criada em fevereiro de 1948, pelo Conselho Econômico e Social da ONU, que estava interessado em definir uma “política frente ao subdesenvolvimento” para a América Latina. Era um momento no qual os principais países da região se queixavam “de exclusão com relação ao Plano Marshall e de falta de acesso aos 'dólares escassos'” para o reaparelhamento de seus aparatos produtivos.104 Tendo como base este contexto político-

ideológico, ela recebeu, desde sua origem, a oposição dos EUA, que

via com maus olhos o surgimento de uma entidade paralela à bem-controlada Organização dos Estados Americanos (OEA). Além disso, temia uma tendência ao confronto e o enfraquecimento da influência norte-americana se a Cepal enveredasse por alianças políticas com o nacionalismo local (MORAES, 1995, p. 20).

Contudo, mesmo sendo projetada para funcionar por apenas três anos, em 1951, a Cepal foi constituída em organismo permanente da ONU, devido a pressão de países como o México, o Chile e o Brasil, que vislumbraram na Comissão uma possibilidade real de buscar saídas alternativas para os seus problemas econômicos. Desta maneira, interessa-nos compreender melhor as ideias centrais contidas nos textos iniciais de autoria de Raúl Prebisch, as quais tiveram ampla divulgação e influência no Brasil no período que estudamos.

Preliminarmente, devemos ter em conta que Prebisch, apesar de toda a crítica que iria promover aos pressupostos da ortodoxia econômica, fora um respeitado professor universitário que iniciou a sua carreira acadêmica como “ardente partidário das teorias neoclássicas”.105 Além disso, como economista, Prebisch esteve na linha de frente da

recuperação Argentina no pós-30, ficando marcado por sua colaboração com os governos conservadores do período, o que provocou o seu afastamento da vida pública de seu país com a ascensão do peronismo.106 Esses dados biográficos de Prebisch são relevantes porque eles

104 BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinquenta anos do pensamento da Cepal – Uma resenha. BIELSCHOWSKY,

Ricardo (org.). Cinquenta anos do pensamento da Cepal. Rio de Janeiro : Record, 2000b.

105 SPROUT, Ronaldo V. A., El pensamiento de Prebisch. Revista de la Cepal, no. 46, Abril de 1992, (pp.: 187-

203), p. 188)

106 Sobre a atuação de Prebisch na política econômica de seu país, PAZOS recorda que, de “1930 a 1935, Raúl

Prebisch foi subsecretário da Fazenda e principal assessor econômico do governo argentino; e, de 1935, ano que se criou o Banco Central, a 1943 foi seu gerente geral, seu principal economista, e a pessoa que formulava e decidia a sua política. De 1930 a 1943, a política econômica da Argentina esteve, em grande medida, sob sua responsabilidade” (PAZOS, Felipe. Raúl Prebisch, banquero central. In.: Revista de la Cepal no. 34, abril de 1988, pp.: 189-204, p. 192). Além disso, conforme Aldo FERRER, quando Prebisch voltou à colaborar com na elaboração da política econômica da Argentina, já sob a liderança de Frondizi, em 1958, suas ideias foram

119 nos dão uma boa ideia da sua respeitabilidade como técnico e como pensador, tanto no universo acadêmico quanto político-econômico, fazendo com que as suas propostas fossem consideradas e respeitadas pelo establishment intelectual, mesmo que apenas pela necessidade de contestá-las. Vamos a elas, então.

O ponto de partida de Prebisch era o pressuposto – compartilhado por Nurske – de que a economia mundial não era homogênea, mas estava estruturalmente divida em dois polos distintos.

De um lado, o centro, constituído pelos países industrializados e, por isso, desenvolvidos, dotados de forte concentração de capital e de tecnologia, o que lhes permitia altos e crescentes índices de produtividade; ao mesmo tempo, sofriam de carência de mão de obra, o que tornava o custo do fator trabalho relativamente inflexível; por fim, dispunham de uma economia relativamente homogênea, pois tanto a indústria quanto a agricultura teriam um alto nível de produtividade.

De outro lado, a periferia, formada pelas nações subdesenvolvidas e especializadas na produção primária, com menores índices de concentração de capital e de tecnologia e, consequentemente, com baixa produtividade e pouca capacidade de poupança interna; além disso, a economia dos países periféricos estaria cindida em três espaços diferenciados: um setor de subsistência, um exportador e um industrial. (BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 30), nos quais apenas os setores exportador e o industrializado poderiam dispor de um bom nível de produtividade; por último, esses países apresentavam um “excesso” de mão de obra, cujas origens eram o crescimento proporcionalmente maior de sua população frente a dos países centrais, o aproveitamento pouco produtivo da força de trabalho nas atividades primárias de subsistência – algo semelhante ao “desemprego disfarçado” visto anteriormente – e, ainda, o desenvolvimento tecnológico nas atividades voltadas ao comércio externo, que tendiam a desempregar trabalhadores; a principal consequência dessa abundância de mão de obra era a manutenção de salários e custos produtivos mais baixos na periferia do que no centro.107

Esses dois polos da economia mundial eram, para Prebisch, não apenas diferentes, mais desiguais, na medida em que o centro apresentava características (tenologia, densidade de capital, renda, etc.) muito superiores às da periferia. Essa desigualdade teria se originado:

descartadas por serem consideradas muito presas aos princípios da ortodoxia, como a preocupação em deter a inflação e manter em dia os compromissos internacionais do país (FERRER, Aldo. Las primeras enseñanzas de

Prebisch. In.: Revista de la Cepal, no. 42, Diciembre, de 1990, pp.: 187-203).

107 Sobre esta origem da mão de obra excedente, ver o texto de Prebisch publicado originalmente como relatório

da Cepal (Estudo Econômico da América Latina,), de 1949, e e disponível em Cepal, Estudo Econômico da

América Latina (trechos selecionados). In.: BIELSCHOWSKY, Ricardo (org.). Cinquenta anos do pensamento

120 a) na difusão mais rápida do progresso técnico nos países do centro do sistema do que na periferia, especializada em produção primária e b) na maior capacidade dos primeiros em reter para si os frutos desse progresso.108

Ora, com esses argumentos, Prebisch combatia diretamente a teoria clássica, cujos postulados defendiam que as trocas internacionais deveriam equilibrar as diferenças de produtividade entre os países. Segundo os clássicos, o avanço do progresso técnico nas nações industrializadas deveria se refletir na queda do preço dos seus produtos, beneficiando as nações importadoras de manufaturas e exportadora de bens primários, pois seus preços cairiam menos devido à dificuldade de progredir tecnologicamente no mesmo ritmo.109

Contudo, conforme os estudos de Prebisch e da Cepal, isso não ocorria. Analisando séries histórias do comércio internacional, o economista argentino identificou uma deterioração dos termos de troca para os países de economia primária, ou seja, com o passar dos anos, eles tinham que fornecer cada vez maiores quantidades de bens primários para adquirir o mesmo volume de produtos industrializados.110 Para explicar tal fenômeno, porém, era necessário esclarecer porque a diferença no progresso tecnológico não era revertida pelo intercâmbio externo entre as nações do centro e da periferia.

Um dos argumentos apontados por Prebisch para responder a esta pergunta era a diferença no avanço da demanda entre produtos manufaturados e bens primários: enquanto os primeiros apresentavam uma procura constante e que aumentava conforme progredia a renda mundial, os segundos mostravam um crescimento de demanda bastante lento. Constatação que era explicável tanto pela famosa Lei de Engel – segundo a qual produtos primários apresentam menor elasticidade diante das variações nos rendimentos frente aos bens industriais –, quanto pelo fato de o avanço tecnológico dos países desenvolvidos ter levado a um uso cada vez menor de matérias-primas nas indústrias.

108 PREBISCH, Raúl. O Desenvolvimento Econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais.

In.: BIELSCHOWSKY, Ricardo (org.). Cinquenta anos do pensamento da Cepal. Rio de Janeiro : Record, 2000b. pp.: 69-136, p. 81.

109 Aliás, Prebisch argumenta seguidamente que os postulados da teoria clássica não possuem os valores de

universalidade que lhes são atribuídos. Na verdade, ele afirma que os mesmos estariam sendo contrariados pela realidade da América Latina – havendo a necessidade de se criar um aporte teórico específico para dar conta da realidade dessa região Começa afirmando que “na América Latina, a realidade vem destruindo o antigo esquema da divisão internacional do trabalho que, depois de adquiri grande vigor no século XIX, continuou prevalecendo, em termos doutrinários, até a data muito recente” (PREBISCH, op.cit.,, p. 71). “A falha dessa premissa consiste em ela atribuir um caráter geral àquilo que, em si mesmo, é muito circunscrito” (PREBISCH, idem, p. 72).

110 Esta tese foi claramente exposta no texto inaugural da Cepal, O Desenvolvimento Econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais, disponível em PREBISCH, op.cit.. Segundo FILLIPO, Prebisch

desenvolveu essa tese conjuntamente com o economista Hans Singer, embora seus estudos tenham se dado independentemente e seguido caminhos distintos (FILIPPO, Armando di. Las ideas de Prebisch sobre a

121 Mas o grande argumento de Prebisch estava na forma como entendia o mecanismo pelo qual os países do centro detinham os frutos de seu progresso técnico. Sua explicação focava-se na maneira como cada um dos polos reagia às diferentes etapas do ciclo econômico no capitalismo. Para ele, durante o período de ascensão, o preço dos bens primários tendia a subir mais do que o dos bens manufaturados, mas na queda os primeiros caíam bem mais que os segundo, “de tal forma que os preços finais [dos produtos industrializados] vão-se distanciando progressivamente dos primários através dos ciclos” (PREBISCH, 2000, p. 86). Isso ocorria porque, para Prebisch, a escassez de mão de obra nos países do centro e a sua forte organização sindical impediam a queda dos salários – e, consequentemente, dos preços – na baixa, permitindo às economias centrais reter o aumento de renda derivado de seus ganhos constantes de produtividade. Já o excesso de mão de obra nos países periféricos e sua fraqueza sindical favoreciam que, no descenso do ciclo, os empresários reduzissem os salários para diminuir os valores de suas mercadorias e, dessa maneira, recuperar as suas vendas; contudo, ao fazerem isso, eles comprometiam a capacidade das nações produtoras de bens primários em reter a sua renda.111 Devido à incapacidade das nações produtoras de bens primários em reter os ganhos do seu parco progresso técnico através da manutenção de seus níveis salariais, os produtores de bens manufaturados não apenas detinham os seus ganhos como ainda se apropriavam dos obtidos pela periferia.112

Essas diferenças estruturais no comércio internacional traziam diversas consequências, que exigiam uma ação coordenada de esforços para serem superadas. Uma delas era o constante desequilíbrio no balanço de pagamentos dos países periféricos, na medida em que a sua crescente demanda por manufaturados não podia – ou podia cada vez menos – ser atendida por suas exportações de bens primários.

Na análise da Cepal, aliás, esse desequilíbrio estaria na base da constante inflação que assolava os países periféricos, pois a demanda interna por importados e os limites para importar implicavam em uma corrida dos preços. Essa tese acabará dando origem à teoria da inflação estrutural que, embora não tenha sido esboçada por Prebisch – que era, aliás, um crítico do fenômeno inflacionário -, irá ganhar força no pensamento cepalino ao longo das

111 Nas palavras de Prebisch: “No centro cíclico, a maior capacidade que têm as massas de conseguir aumentos

salariais na fase ascendente e de defender seu padrão de vida na descendente, bem como a capacidade que têm esses centros, pelo papel que desempenham no processo produtivo, de deslocar a pressão cíclica para a periferia, obrigando-a a contrair sua renda mais acentuadamente do que nos centros, explicam por que a renda destes últimos tende sistematicamente mais do que nos países da periferia” (PREBISCH, op.cit., p. 87-88).

112 Ou conforme Prebisch: “Em outras palavras, enquanto os centros preservaram integralmente o fruto do

progresso técnico de sua indústria, os países periféricos transferiram para eles uma parte do fruto do seu próprio progresso técnico” (PREBISCH, idem, p. 83).

122 décadas de 50 e 60 e se tornará o principal contraponto teórico à ortodoxia nesse terreno.

As concepções da Cepal sobre a inflação, apesar de também considerá-la um problema, buscava compreendê-la como um fenômeno mais complexo, cujas origens estariam, além do desequilíbrio do balanço de pagamentos, na rigidez da oferta de gêneros alimentícios para o mercado interno, devida à baixa produtividade no campo, à estrutura fundiária – concentração das terras, latifúndio improdutivo, etc. -, às péssimas condições de transportes e armazenamentos, dentre outras, que mantinham a oferta destes produtos abaixo da procura. Diante desse diagnóstico, o receituário restritivo indicado pela ortodoxia seria insuficiente ou mesmo agravaria o problema. Só haveria saída através da correção dos problemas estruturais da economia e do aumento da produção que isto deveria promover e, para tanto, propunha-se, além da elevação dos investimentos em infraestrutura, a modernização da produção agrícola, inclusive através da reforma agrária. Nas palavras de BIELSCHOWSKY,

De acordo com a visão estruturalista, a moeda se expande, quase sempre passivamente, como respostas das autoridades monetárias a elevações dos preços de

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