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3 PROGRAMA DE ESTABILIZAÇÃO – CONFLITO ENTRE SANEAR OU

3.2 Imprensa: economia política e política na economia

3.2.5 Tomada de posição e identidade de classe

O último tema que iremos trabalhar nesse Capítulo diz respeito a que grupos sociais, na questão da inflação, estes jornais parecem querer direcionar o seu discurso ou, ao menos, em quais parcelas da população ele teria mais chances de ser melhor aceito?

Uma das formas de tentar responder a estas perguntas é analisar a maneira como os periódicos abordaram os grupos que poderiam estar se sentindo prejudicados com a política de estabilização do governo.

Nesse sentido, é interessante observar que um tema muito tratado por alguns jornais foi o relativo aos grupos que, por terem se beneficiado com a inflação, não desejavam a sua eliminação da cena econômica brasileira.

Quanto a isso, não encontramos um consenso entre os jornais nem sobre a caracterização exata desses grupos, nem sobre a importância do perigo que eles representariam para a estabilidade financeira. Periódicos como O Jornal e O Globo deram pouca relevância ao tema ou o trataram de forma muito genérica, não nomeando os inimigos da estabilização.152 Já o Correio da Manhã deu mais destaque ao assunto, denunciando, seguidamente, o que chamou de “manobra dos especuladores”, que faziam pressão para que o governo ampliasse o crédito às suas atividades especulativas, o que seria, segundo o jornal, um risco ao programa de estabilidade. Além disso, nomeou os grupos interessados na continuidade da inflação, criticando a ação especulativa dos banqueiros e, especialmente, a pressão dos comerciantes para ampliação da massa monetária.153

152 O Jornal, apesar de mencionar que o combate à inflação poderia ser ameaçado por “poderosos interesses”

contrários à sua aplicação, não deixou claro quais seriam esses interesses, fazendo alusões vagas a conveniências políticas e econômicas daqueles que se acostumaram a viver das benesses Estado. Ppor exemplo: “Política de Economia”, O Jornal, 6 de março de 1951, Caderno 1, página 4, “Compressão de despesas inúteis”, O Jornal, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 4 e “Política de Economia”, O Jornal, 6 de março de 1951, Caderno 1, página 4.). O Globo foi ainda mais discreto e menciona esta questão apenas para cobrar a promessa ainda não cumprida do governo de acabar com a “especulação” a fim de combater o aumento do custo de vida, parecendo mais uma crítica à ineficiência do Executivo do que uma condenação dos “especuladores” (“A verdade é melhor”, O Globo, 18 de março de 1952, Cadernos 1, página 1).

153“Como se vê, não se encontram fundamentos para a alegada escassez dos meios de pagamento. É possível que

determinadas localidades ou empresas tenham sido mal servidas de crédito. Mas a principal causa das reivindicações creditícias está no fato de certos produtores e comerciantes não se resignarem com o saneamento financeiro que os obriga a vender mais barato, reduzindo lucro especulativos a que já se tinham habituados. Atrás dos protestos contra a falta de crédito esconde-se manobra inflacionária” (“Manobra inflacionária”, Correio da

196 A questão, porém, vai atingir a condição de uma verdadeira campanha apenas no Jornal do Brasil, como podemos ver nesse editorial ainda de agosto de 1951, cuja longa citação é justificada pelo seu caráter ilustrativo:

Os poderes públicos têm resistido às investidas dos que só podem viver bem

contando com uma larga margem de lucros rápidos, e, como essas vantagens só

podem ser obtidas dentro de um meio circulante inflacionário, não podem suportar

nem admitir que a administração não atenda aos seus reclamos de mais emissões, porque o reino dos bons e fáceis negócios, das especulações de toda a ordem com as utilidades indispensáveis à subsistência e outras ligadas à

comodidade coletiva.

Até agora, a sorte da luta pende para o ministro, que está resistindo à avalanche dos

que pretendem ver o meio circulante receber mensalmente um jato de novas emissões. (...)

Essa corrente inflacionista não desanima, porém, na sua ânsia de conseguir o

retorno ao paraíso dos bons negócios e fartos lucros a custas do sacrifício da maioria. 154

Neste editorial, o diário não foi muito claro em nomear quais grupos sociais seriam os mais beneficiados com o emissionismo. Mas, na maior parte dos momentos em que aborda o tema da “vida cara” ou das dificuldades de abastecimento urbano, este impresso faz alusão condenatória aos “especuladores”, “exploradores”, “intermediários”, etc., ou seja, emprega um conjunto de categorias que, apesar de ainda imprecisas, são denotações pejorativas daqueles que exercem atividades comerciais.155 Embora não possamos afirmar que o JB faça uma “cruzada” contra o comércio, o periódico localizava entre os comerciantes aqueles que mais lucrariam com a exploração das dificuldades de abastecimento.156 É possível, também, encontrar batalhas em setores específicos do varejo, como a campanha que o Jornal do Brasil promoveu, no início do governo Vargas, contra o alto preço da carne, considerado abusivo.157 Mais do que isso, o jornal abriu uma verdadeira guerra contra os “açougueiros” ou “carniceiros”, chegando ao ponto de defender a expulsão do país daqueles que estivessem se

1951, Caderno 1, página 4. Sobre os banqueiros, ver: “Banqueiro”, Correio da Manhã, 8 de junho de 1952, Caderno 1, página 4.

154“Milagres da austeridade administrativa”, Jornal do Brasil, 12 de outubro de 1951, Caderno 1, página 5. Ver

também: “Oposição à ordem financeira”, Jornal do Brasil, 4 de setembro de 1951, Caderno 1, página 5.

155 Por exemplo: “Para impedir a alta dos preços”, Jornal do Brasil, 22 de junho de 1951, Caderno 1, página 5).

Contra o intermediário, consultar: “Proposições moralizadoras”, Jornal do Brasil, 17 de março de 1951, Caderno 1, página 5. Ver também: “O consumidor não tem defesa” Jornal do Brasil, 23 de maio de 1952, Caderno 1, página 5, “Vida cara”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5, “A crise de autoridade e a ofensiva dos preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5.

156 “A crise de autoridade e a ofensiva dos preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5. 157 São vários os exemplos dessa luta contra o preço alto da carne. Ver: “A crise de autoridade e a ofensiva dos

preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5, “Batalha cruenta e demorada”, Jornal do

Brasil, 7 de abril de 1951, Caderno 1, página 5, “O preço da carne”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5, “O congelamento dos preços”, Jornal do Brasil, 28 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5, “A culpa é nossa”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5 e “Ameaças condicionais e “O problema da carne”, Jornal do Brasil, 11 de abril de 1951, Caderno 1, página 5.

197 tornado “prejudiciais aos interesses do povo, zombando da fome, da ânsia de carne da população carioca” e fossem estrangeiros.158 O periódico ainda exigiu que o poder público

fiscalizasse o tabelamento do preço do produto, localizando na falta de uma ação mais repressora do Estado contra os “açambarcadores” uma das causa do encarecimento do produto.159

Como entender essa preocupação do Jornal do Brasil, singular entre os diários estudados, no combate aos “especuladores”, que o leva, inclusive, a defender o tabelamento de preço e a repressão aos comerciantes?

Embora a própria ênfase que este jornal atribuía ao combate à inflação possa ajudar na compreensão desse tema, para o entendermos corretamente devemos lembrar que na outra ponta dessa batalha contra os “exploradores” estava, nas palavras do próprio jornal, o “consumidor”, especialmente o “povo pobre”, cujas baixas rendas o transformavam na vítima principal do encarecimento da vida. É na defesa do interesse desse consumidor que o jornal constrói seu discurso de combate aos preços altos.160

Em princípio, esta defesa do consumidor poderia ser associada ao tradicional discurso liberal brasileiro, que, como vimos, utilizava este tipo de argumento para combater as políticas de intervenção estatal na economia, em especial as destinadas a incentivar a industrialização brasileira, consideradas a causa do encarecimento dos bens manufaturados. Entretanto, ao menos no tema aqui tratado, não cremos ser esta a intenção do jornal. Até porque seria um discurso liberal, no mínimo, “diferente”, que utilizaria termos como “exploradores”, “especuladores”, “açambarcadores” para se referir à atividade comercial e pregaria, ao invés da maior liberdade possível do mercado, o tabelamento de preços e a

158 “A crise de autoridade e a ofensiva dos preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5 159 “Denuncia-se, agora, o ingente lucro obtido pelos carniceiros do Rio de Janeiro. Pois bem, esse lucro

continua. E as autoridades, apesar de ter elementos para impedi-lo, assistem indiferentes à perpetuação dos abusos dos carniceiros. (…) Por que os açougueiros persistem num privilégio criminoso, com o tácito apoio das autoridades que os deveriam multar e denunciar à Justiça?” (“O congelamento dos preços”, Jornal do Brasil, 28 de fevereiro de 1951, Caderno 1).

160 “Novo Governo, novas esperanças, que se justificam ante as soluções de problemas cuja finalidade é trazer ao

povo o conforto e bem-estar que merece. (...) Difícil, porém, deve ser o chegar-se a um resultado que contente a todos, ao produtor, ao intermediário e ao consumidor, este o mais sacrificado e o que mais direito tem de

reclamar contra a situação, porque, realmente, por mais que ganhe, está sempre em dificuldades ante o custo exorbitante das subsistências” (“Vida cara”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5). Ver também “Batalha cruenta e demorada”, Jornal do Brasil, 7 de abril de 1951, Caderno 1, página 5, “A crise de autoridade e a ofensiva dos preços” Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5, “Política de elevação dos preços”, Jornal do Brasil, 15 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 5, “Projetos irrefletidos”, Jornal do Brasil, 3 de janeiro de 1951, Caderno 1, página 5, “O consumidor não tem defesa”,

Jornal do Brasil, 23 de maio de 1952, Caderno 1, página 5 e “Proposições moralizadoras”, Jornal do Brasil, 17 de março de 1951, Caderno 1, página 5.

198 repressão ao comércio como alternativa de combate à carestia.161

Ao contrário, este caso parece ser melhor explicado como uma tentativa de o JB associar a sua batalha pelo fim da inflação e do emissionismo com a defesa da “economia popular”, ou seja, com a garantia do bem-estar econômico das camadas baixas e médias das populações citadinas. Ou seja, diferentemente da questão do aumento dos direitos trabalhistas e do salário mínimo – onde a possível identificação do JB com as camadas populares não o levou a endossar as mesmas, predominando no diário o discurso conservador – agora, nesse verdadeiro combate aos “exploradores do povo”, a tentativa de reforçar o vínculo com essa parcela do público leitor parece se impor.

Podemos perceber nesta questão da abordagem dos “especuladores” que periódicos como O Jornal e O Globo demonstram pouca iniciativa em nomear e mesmo questionar os possíveis “beneficiários da inflação”, não sendo possível encontrar maiores críticas em suas páginas a comerciantes e banqueiros interessados na continuidade do processo. Enquanto que o Correio e, notadamente, o JB são bem mais pontuados em localizar e condenar estes grupos.

Os dados apresentados acima são ainda preliminares no que se refere à identificação entre o discurso de cada jornal e os grupos sociais externos à sua esfera de produção, mas já é possível perceber:

O Jornal do Brasil foi o periódico que adotou uma linha de ação mais distanciada dos interesses do comércio varejista; além disso, foi o que mais apresentou uma posição capaz de aproximá-lo das camadas de menor renda, no que se refere ao seu combate aos “exploradores” da economia popular; entretanto, no que disse respeito aos aumentos salariais e de direitos trabalhistas, posicionou-se contrariamente às reivindicações das massas operárias e se afilou com os interesses patronais, mesmo os da indústria;

O Correio da Manhã adotou uma linha de ação próxima à do Jornal do Brasil, embora não demonstre propriamente identificação com um discurso de defesa da economia popular; de outra parte, na questão em exame neste Capítulo, não temos elementos suficientes para relacionar a sua tomada de posição a um grupo social específico, nem mesmo com o setor agrícola; mas já é possível perceber que, assim como o JB, o CM apresenta uma posição que não pode ser necessariamente afinada ou subordinada às

161 “Produção, salários e preços”, Jornal do Brasil, o4 de julho de 1951, Caderno 1, página 5, “Efeito da moeda

desvalorizada”, Jornal do Brasil, 15 de março de 1951, Caderno 1, página 5. Já sobre o posicionamento crítico do jornal quanto à eficácia dessas medidas, ver “O combate à crise econômica”, Jornal do Brasil, 13 de maio de 1951, Caderno 1, página 5.

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