• Nenhum resultado encontrado

2 A LUTA PELA LEGITIMAÇÃO DA INDUSTRIALIZAÇÃO PLANEJADA NO

2.2 O Segundo Governo Vargas – política econômica e economia política

Assinalamos anteriormente que o Segundo Governo Vargas corresponde a um período de intenso crescimento e mudanças da economia brasileira, tendo a industrialização como seu carro-chefe.129 Além disso, nele foram tomadas, por parte do poder público, uma série de iniciativas que não só contribuíram para este crescimento conjuntural como também forneceram as bases para as mudanças estruturais dos anos seguintes.130 Contudo, encontramos na historiografia especializada sobre o tema um intenso debate acerca da política

129 Para se ter uma ideia das transformações econômicas ocorridas no período, basta recordar que, entre de 1947

até 1955, o percentual da industrialização no PIB passou de 17,4% para 22,7% e a indústria teve um crescimento anual de 9,4%, bem superior ao PIB cujos índices ficaram em 6,1% (CANDAL, 1977, p. 263). Também LEOPOLDI afirma que a economia brasileira ganhou impulso durante o Segundo Governo Vargas, sendo que o “setor industrial foi o que apresentou maior dinamismo, tendo a produção industrial crescido a uma taxa anual de quase 8 % no período de 1950-4” (LEOPOLDI, 2000, p. 230).

130 Fazendo referência apenas às instituições e organismos mais importantes, podemos citar a criação da

Petrobras, os projetos relativos ao Programa de Eletrificação, que darão origem, futuramente, à Eletrobrás e a fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Também devemos citar as diversas comissões envolvendo a burocracia civil e militar, junto com entidades de classe, que formularam boa parte dos programas de crescimento industrial do período, dentre as quais se destaca a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI). Merecem menção os novos mecanismos de tributação que serviram de base para a capitação e canalização de boa parte dos recursos necessários ao investimento estatal, especialmente no setor de energia.

131 econômica empreendida por Vargas nesse período, no qual se discute desde a provável orientação doutrinária de seu programa econômico (nacionalista, anti-imperialista, desenvolvimentista ou mesmo ortodoxa) até a própria existência de um programa claro e coerente, em especial no que se refere à industrialização.

Para dar curso ao nosso estudo, necessitamos, assim, esclarecer minimamente os termos deste debate.

A primeira interpretação sobre o significado da política econômica de Getúlio em seu segundo governo surgiu ainda no decorrer do mesmo e, pode-se dizer, em oposição a ele. Conforme BOITO Jr., ela foi elaborada por militantes do PCB e se baseava em ações governamentais que contrariavam a linha adotada por este partido. Centrava-se em temas de política externa, como o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos – cuja assinatura forçou o pedido de demissão do ministro da Guerra, Estilac Leal, líder da ala nacionalista do Exército - , e em medidas que pudessem implicar na presença do capital estrangeiro no país, como os acordos envolvendo a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e, até mesmo, a proposta inicial da Petrobras, que não estabelecia o monopólio estatal do petróleo.131 Por esses motivos, os comunistas viam Vargas como “um instrumento servil do imperialismo”132 e seu governo

como “imperialista, burguês e antipopular”.133

Com o fim trágico do governo, a interpretação do PCB foi deslocada por uma tese bastante distinta. Elaborada por intelectuais ligados à Cepal e ao ISEB, que presenciaram ou foram participantes dos acontecimentos, como Celso Furtado, Hélio Jaguaribe e Nelson Werneck Sodré, essa nova leitura do Segundo Governo Vargas defendia que ele havia implementado “uma política econômica cujo objetivo seria propiciar um desenvolvimento capitalista autônomo no país” sendo, por isso, “antiimperialista”.134 Conforme FONSECA,

para esses autores, tal programa se expressaria “na industrialização” e estaria “sob a liderança da burguesia industrial, em aliança com os trabalhadores e os setores da classe média”.135 Em

contrapartida, teria recebido a contrariedade da burguesia ligada à produção primário-

131 Essa questão será tratada no Capítulo IV.

132 BOITO Jr., Armando. O Golpe de Estado de 1954: A Burguesia Contra o Populismo. São Paulo : Ática,

1982, p.11.

133 D‟ARAUJO, Maria Celina. O Segundo Governo Vargas (1951-1954): Democracia, Partidos e Crise Política.

Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1982, p. 120.

134 BOITO Jr, op.cit., p. 13-14. Curiosamente, esta interpretação foi incorporada pelo próprio PCB.

135 FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Nacionalismo e Economia: o segundo governo Vargas. In: SZMRECSÁNYI,

Tamás & SUZIGAN, Wilson (org.) História Econômica do Brasil Contemporâneo. 2ª. edição. São Paulo – HUCITEC/Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica/Editora da Universidade de São Paulo/Imprensa Oficial, 2002, p. 17.

132 exportadora, defensora do papel tradicional do Brasil na divisão internacional do trabalho.136 Em favor dessa tese, são também apresentadas ações concretas do governo, como o estabelecimento do monopólio estatal do petróleo, através da criação da Petrobras, e os limites à remessa de lucros ao exterior pelo capital estrangeiro aplicado no Brasil, mediante o Decreto-lei 30.363, de janeiro de 1952.137

Segundo FONSECA, já nos anos sessenta, alguns autores, dentre eles Fernando Henrique Cardoso e Luciano Martins, passaram a contestar os limites do projeto desenvolvimentista de Vargas, expondo “as razões de sua crise com a internacionalização da economia a partir dos anos cinquenta, e discutiram a ideologia não-nacionalista da burguesia industrial e a postura não de todo industrializante dos setores agrários”.138 Por esta análise, o

projeto de desenvolvimento industrial teve como agente dinamizador a burocracia do Estado, tanto civil como militar, sendo a “burguesia industrial” brasileira um ator coadjuvante que não estava totalmente comprometida com os seus termos. De qualquer maneira, esta linha de abordagem procurou demonstrar as causas do fracasso do desenvolvimentismo varguista, mas não negava a sua existência.

Linha diferente foi adotada pelo brasilianista Thomas SKIDMORE, o qual discordou que um programa industrializante tivesse sido levado a efeito pelo governo Vargas. O autor não contestou a possível tendência nacional-desenvolvimentista do presidente, mas afirmou que, na prática, a sua política econômica foi antes de tudo ambígua e mista. Uma dos propósitos de SKIDMORE era descaracterizar o governo de Getúlio como essencialmente nacionalista, defendendo que o seu desenvolvimentismo era “moderado”. Mas, o autor foi bem mais além, ao afirmar que as medidas capazes de levar adiante tal programa tiveram sua contrapartida ou mesmo neutralização pela “orientação ortodoxa” adotadas pelo governo no tratamento de dificuldades econômicas mais imediatas.139

Para SKIDMORE, problemas como o déficit público, a inflação e o déficit no balanço de pagamentos foram resolvidos através da racionalização dos gastos do governo e do controle do crédito, ou seja, por medidas restritivas baseadas em uma “adaptação pragmática dos princípios do liberalismo econômico” (Idem, p. 125). Isso teria tornado a “ortodoxia” de

136 Sérgio VIANNA afirma que tal interpretação ganhou muitos adeptos porque serviu como uma arma

ideológica aos intelectuais que se agruparam na ala nacionalista, procurando fazer uma leitura dos “acontecimentos da primeira metade da década de acordo com as questões que vivenciavam em sua contemporaneidade” (VIANNA,op.cit., p. 126.)

137 Este decreto será avaliado com detalhes no Capítulo III. 138 FONSENCA, 2002, pp. 17-18.

139 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 11. reimp., Rio de Janeiro :

133 Getúlio incompatível com uma política desenvolvimentista baseada na industrialização, devido à necessidade de investimento público e de aumento do crédito que esta implicava (Ibidem, p. 151 e p. 124). Para este autor, mesmo os avanços industrializantes obtidos no período foram mais resultados inconscientes das políticas de curto prazo – como as tentativas de corrigir os déficits do balanço de pagamentos, que serviriam indiretamente de estímulo à industrialização, ao inibir a entrada de bens de consumo no país – do que metas projetadas por um programa desenvolvimentista coerente (Ibidem, p. 138). No final do governo, quando a ortodoxia se tornou impopular, Getúlio teria radicalizado politicamente e promovido uma “guinada nacionalista”, com a reforma ministerial de outubro de 1953. Contudo, não obteve resultados satisfatórios, até porque, para o brazilianist, o nacionalismo de Getúlio era mais retórico do que propriamente uma orientação de política governamental.140

No início dos anos 80, Maria D‟ARAÚJO retomou a interpretação de SKIDMORE ao afirmar que foi a “ambiguidade e mesmo a ausência de um comprometimento político maior, tanto com ideias quanto com organizações”, que marcou “um governo que oscilou entre posições nacionalistas e soluções conciliatórias e tradicionais” (D‟ARAUJO, op.cit., p. 131.). Contudo, a autora rebateu a tese da “guinada nacionalista”, defendendo que as oscilações foram uma marca constante do governo e não uma etapa cronológica do mesmo, pois estas tiveram sua origem nos próprios acordos para a eleição de Vargas, “responsáveis também pelos impasses, pelas ambiguidades e pelos fracassos do Governo”. 141

Paralelamente e divergindo desta leitura, ainda em meado dos anos 80, Sônia DRAIBE defendeu que o retorno de Vargas ao poder, em 1951, significou também a volta da “aspiração à industrialização acelerada como condição para o progresso social e a autonomia nacional” (DRAIBE, op.cit., 182). Segundo a autora,

sobre base e dinâmica sociais bastante distintas, definiu-se no início dos anos 50 um projeto político e econômico de desenvolvimento do capitalismo no Brasil mais profundo e complexo, mas abrangente, ambicioso e integrado do que o delineado na década de 30

140 Para SKIDMORE, quando voltou ao governo, Vargas teria trazido consigo “um legado de profundas

suspeitas contra os investimentos estrangeiros”, constituindo uma das “poucas paixões genuínas de Getúlio: um nacionalismo antiimperialista nada incomum no seu Estado natal, o Rio Grande do Su” (op.cit., p. 128). Esse nacionalismo era baseado em uma profunda desconfiança com os investimentos estrangeiros. “Quando recorria à linguagem do nacionalismo econômico, Getúlio ampliava grandemente o tom xenófobo que a havia usado de maneira apenas hesitante durante o Estado Novo” (idem., p.128).

141 Idem., p. 14. Para D‟ARAÚJO, durante o mandato do presidente, a ambiguidade se revelou na diversidade

das instâncias de poder, especialmente em uma oposição entre a Assessoria Econômica da Presidência (AEP) e o Ministério, pois, “a maioria das ações importantes que dali [Ministério] se originaram não [estavam] identificadas com uma política mais autônoma de desenvolvimento”, enquanto a AEP aplicaria “uma linha de ação que se identifica[va] com princípios nacionalizantes e que [imprimia] ao governo um caráter nacional- desenvolvimentista”(ibidem, p. 132).

134 Mesmo que o governo não apresentasse “um plano de industrialização” formal, como o Plano de Metas de JK, DRAIBE, analisando as Mensagens Presidenciais, afirma que Vargas “definiu e ordenou seu movimento segundo um plano de desenvolvimento econômico e social de grande envergadura, apoiado em um diagnóstico profundo da economia e da sociedade brasileira” (DRAIBE, loc.cit). Para ela, Getúlio promoveu “uma alternativa global de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, integrando seus aspectos mais substanciais num grau de harmonia e compatibilidade.”142

O grande diferencial de pesquisa de DRAIBE foi tentar demonstrar como este processo se refletiu diretamente no aparelho econômico do Estado brasileiro e como ele implicou em uma “articulação da economia brasileira com o capitalismo internacional, indicando condições preferenciais para a entrada do capital externo nas áreas prioritárias de investimento e limites à remessa de lucros”.143 Desta maneira, mesmo retomando a

interpretação de que o Segundo Governo Vargas tinha um caráter desenvolvimentista e industrializante, a autora não chega a colocá-lo como “nacionalista” ou “anti-imperialista”.

Em contraponto a tese, na mesma década de 80, os economistas LESSA & FIORI retomaram a abordagem iniciada por SKDMORE, mas foram ainda mais longe. Seu principal objetivo era combater a ideia segundo a qual o último mandato de Vargas teria representado a derrota de “um projeto alternativo de desenvolvimento, nacionalista e popular, comandado pelo Estado e sustentado por uma burguesia industrial aliada aos assalariados urbanos”.144

Para tanto, os autores procuraram desmontar os itens básicos da mesma, ou seja, que Getúlio tivesse: a) apresentado algum programa capaz de proporcionar maior distribuição de renda às camadas populares, b) favorecido deliberada e restritivamente a burguesia industrial brasileira e, por último c) levado adiante um projeto de industrialização pesada sob a hegemonia desta classe.145 Vejamos mais detalhadamente essa argumentação.

Para contestar o primeiro ponto, os autores defendem que o segundo mandato de Vargas não se caracterizou nem por tentar a mobilização de massas contra as forças conservadoras, nem por forçar uma integração das camadas trabalhadoras no sistema, via políticas de “bem-estar social”, como chegou a defender DRAIBE. Conforme LESSA &

142 DRAIBE, op.cit., p. 183.

143 Segundo DRAIBE, o plano econômico varguista esteve baseado em quatro elementos fundamentais: “a rede

de mecanismos de centralização efetiva dos comandos, a empresa pública como fator de dinamização do desenvolvimento, o banco de investimento e o novo desenho da articulação do empresariado com o Estado”. Seriam estes os elementos centrais da “alternativa „varguista‟ de desenvolvimento do capitalismo brasileiro”(DRAIBE, loc.cit.).

144 LESSA, Carlos & FIORI, op.cit., p.1. 145 LESSA&FIORI, idem., p. 26.

135 FIORI, o presidente sempre teria deixado claro, em seus discursos e projetos, que a melhoria das condições de vida dos trabalhadores seria uma consequência dos resultados obtidos com o desenvolvimento econômico e não de ações redistributivas – sendo o aumento de 100% do salário mínimo, em 1954, uma medida pontual, motivada por razões políticas imediatas.146

Já no que se refere ao suposto privilégio dado por Vargas à burguesia industrial brasileira e à hegemonia desta classe no processo de industrialização, o argumento dos autores é mais sofisticado. Afirmam que, embora este grupo social tenha realmente sido favorecido pelos efeitos das políticas de controle das exportações e de sobrevalorização do câmbio, “o projeto varguista não foi, em nenhum momento, anti-mercantil ou anti-agrário. Pelo contrário, computou em sua visão mais ampla e, sobretudo, em sua política de curto prazo, os interesses destas facções, preservando com extremo zelo a aliança com a oligarquia e o bloco mercantil”.147

De outra parte, SKIDMORE, LESSA & FIORI questionaram o suposto “nacionalismo” do segundo mandato de Vargas, ao salientar que o presidente, longe de procurar romper com o capital forâneo e com os EUA, tentou apoio norte-americano para o seu programa de reaparelhamento econômico e buscou atrair capital estrangeiro produtivo para o Brasil. Desta maneira, concluem que não é legítimo falar em uma “hegemonia” da burguesia nacional frente às demais classes e mesmo ao capital internacional na condução da política econômica de Getúlio. Na verdade, para os autores, o que se verifica “é um desenho progressivo de uma política de desenvolvimento capitalista 'associado' no longo prazo e uma política econômica absolutamente conservadora, acorde com os interesses em presença, no curto prazo”.148

O último e mais controverso ponto a salientar diz respeito à existência ou não de um projeto desenvolvimentista no Segundo Governo Vargas. Nessa questão, os autores vão ainda mais longe do que SKIDMORE e D´ARAÚJO. Segundo estes últimos, Vargas não seguiu um programa desenvolvimentista por se vir forçado a dar prioridade aos problemas de curto prazo ou às demandas contraditórias por sustentabilidade política. Já LESSA & FIORI afirmam que tal programa nunca existiu. Para eles, Getúlio até poderia desejar a industrialização, mas a sua política econômica foi bem mais modesta e pragmática, voltada para garantir a estabilidade e a promoção do reaparelhamento da economia nacional a fim de superar os problemas gerados

146 LESSA & FIORI, op.cit., p. 10-11. 147 LESSA&FIORI, idem. 29. 148 Ibidem, 27.

136 por um crescimento continuado sem investimentos reparadores.149

O curioso desta interpretação de LESSA & FIORI é que, se ela for aceita, não se torna mais possível afirmar que foi a condução de uma política econômica contrária a fortes interesses nacionais (como os da oligarquia agro-exportadora e da burguesia compradora) e internacionais (capitais estrangeiros investidos no Brasil) que levou estes interesses à oposição e à desestabilização do governo de Vargas. Todavia, é exatamente isso que os autores pretendem, pois, para eles, as medidas levadas adiante por Getúlio (estabilização, investimentos para a infraestrutura e mesmo facilitação para o crescimento industrial) já eram consensuais na década de 1950 (LESSA & FIORI, idem, p. 47). Em consequência, a crise final do governo teria se dado não por divergência de projetos mas por desajustes nas estruturas de poder, tanto interna quanto externas, que se refletiram na incapacidade de Vargas em atender metas de curto prazo, gerando frustração nos aliados e reforçando a posição de seus opositores políticos.150

O trabalho de LESSA & FIORI, embora de dimensões relativamente curtas e apresentado na forma de um ensaio, provocou muita controvérsia e reações diversas entre os especialistas que analisam o dilema da política econômica do Segundo Governo Vargas.

A principal repercussão favorável foi apresentada por Sérgio VIANNA. Este autor, contudo, procurou encontrar um meio termo entre o que chamou de dois “procedimentos” adotados na historiografia para interpretar o Segundo Governo Vargas, a saber, o de “imaginá- lo possuidor de uma estratégia abrangente e bem definida de desenvolvimento econômico que tivesse como finalidade um modelo alternativo para o capitalismo brasileiro” e o de “encarar o Governo Vargas sob o prisma da ambiguidade, a partir do argumento de que ele resultava da imbricação de estratégias diferentes e conflitantes entre si” (VIANNA, op.cit., 32.).

Seguindo LESSA & FIORI, VIANNA condenou o primeiro destes procedimentos por ele colocar, no início dos anos 50, uma concepção sobre o Estado e o capitalismo brasileiro mais moderna do que era possível no período (idem, p. 33). Demonstrou, porém, mais

149 Segundo LESSA & FIORI: “Em nosso entendimento, a política de Vargas foi muito menos utópica do que

quer crer a maioria de seus intérpretes. (...) Porém, durante seu segundo governo, Vargas dá uma indiscutível prioridade aos programas de infraestrutura, com uma ótica de 'reaparelhamento'. Tratava-se de desbloquear engarrafamentos, energéticos e de transportes, muito mais do que alavancar e direcionar o processo industrializante a partir do Estado. Em nenhum lugar se encontra a ideia ou a prática de um Estado que, adiantando-se ao crescimento da indústria, provesse por sua iniciativa um conjunto coordenado de investimentos destinados a puxar uma industrialização rápida e concentrada” (op.cit. pp. 26-27).

150“Deste ponto de vista, o que se passou em 53? Uma espécie de 'vazio de expectativa' para o curto prazo.

Como já vimos, o projeto Vargas fundava sua viabilidade numa integração internacional via ajuda governamental e, secundariamente, nos investimentos privados forâneos (…). Quando ruiu esta expectativa econômica complicaram-se, evidentemente, as expectativas políticas, diminuindo as possibilidades de sucesso da gestão Vargas” (LESSA&FIORI, idem., p. 48).

137 afinidades com o segundo, por considerá-lo “mais apoiado nas evidências históricas” e por endossar a tese de que a característica principal da política econômica de Vargas foi a ortodoxia.151 Contudo, criticou os seus defensores pela ênfase excessiva na ambiguidade e na incoerência das ações do governo ou mesmo na falta de programa econômico claro.

Segundo VIANNA, apesar de sua ortodoxia, o presidente tentou seguir um programa de desenvolvimento coerente, não havendo “ambiguidade” ou “guinada nacionalista”, porque a estabilização econômica deveria anteceder lógica e cronologicamente os investimentos que este programa exigia, sendo condição de possibilidade e não de incompatibilidade dos mesmos.152

A tentativa de procurar fornecer coerência às ações aparentemente contraditórias da política econômica de Vargas, colocando-as como partes integrantes de etapas diferentes de um mesmo plano, constituiu a principal inovação da análise de VIANNA em relação à de LESSA&FIORI. Contudo, seu trabalho tende a convergir com estes autores quando conclui que, na prática, o governo de Getúlio não agiu com vista à industrialização acelerada do país, porque fracassaram o seu programa de estabilização e a busca de recursos nos EUA e o seu objetivo era mais reaparelhar a economia brasileira nos setores de infraestrutura do que fomentar a indústria pesada.153

Seguindo uma linha divergente, tivemos algumas pesquisas que procuraram combater a corrente de interpretação defendida por LESSA & FIORI e VIANNA, equacionando o problema da relação entre “ortodoxia” e “desenvolvimentismo” de forma a sustentar que Vargas sustentou um programa de industrialização. Uma dessas contribuições foi apresentada por Maria LEOPOLDI, que chegou a conclusões contrárias às de LESSA&FIORI-VIANNA e mais próximas as de DRAIBE, quando abordou o papel da burguesia industrial no processo de industrialização brasileira. Analisando a atuação do empresariado no último mandato de Getúlio, esta autora afirma que, neste governo, “havia [...] um projeto de industrialização, através do qual o desenvolvimento de alguns setores acarretava o surgimento e o crescimento de novos setores industriais de base, que por sua vez implicavam em aumento da demanda de

151 VIANNA chega a afirma de Vargas que, desde “a época em que geriu o ministro da Fazenda de Washington

Luís até sua morte, as convicções do pensamento ortodoxo foram as suas” (op.cit., p. 107).

152 VIANNA, idem., p. 16-17.

153 Fazendo uma síntese, podemos dizer que VIANNA justifica esta ausência de industrialização por dois

motivos básicos: primeiro, porque os pilares do programa econômico de Vargas ruíram ainda na fundação, ao

Documentos relacionados