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4. AS FLORES, FOLHAS E FRUTOS

4.2. Outras performances rituais

4.2.3. Cerco de Jericó

No livro de Josué da bíblia hebraica – considerado parte da chamada Obra Historiográfica Deuteronomista (que vai de Deuteronômios até Reis) – é apresentado uma narrativa militar em que os reis de Canaã são derrotados e suas terras herdadas pelas tribos de Israel (Almeida, 2010).

102 Como uma curiosidade, a data de celebração de Nossa Senhora Rosa Mística, uma das aparições marianas reconhecidas pela Igreja Católica, é a mesma do aniversário do fundador da missão, Daniel Pereira de Mattos (ver capítulo 2, subcapítulo “Os primórdios da Capelinha de São Francisco”): 18 de julho.

124 Para Almeida, o livro de Josué pode ser dividido em três blocos principais, esquematizados em (A) abertura, (B) desenvolvimento e (C) conclusão. O bloco A é denominado “Conquista da Terra”, vai de Josué 1-12 e destaca algumas narrativas que “contam a história da chegada e da conquista da terra palestina” (p. 2). O bloco B, definido pelo autor como “Defesa da Terra”, vai de Josué 13-22 e narra a “defesa da terra e sua repartição entre as tribos hebraicas” além de questões ligadas ao assentamento, repartições e disputas entre as tribos. Por fim o bloco C, que vai de Josué 23-24, “discute a despedida do líder Josué com alguns detalhes sobre sua morte” (Ibid., p.2), sendo provavelmente acrescentado depois dos primeiros textos do Livro.

Almeida (2010) esquematiza os capítulos do livro e nomeia o 6º de “Conquista de Jericó”. Este capítulo, resumidamente, conta a história da cidade de Jericó: isolada por altos muros, fora sitiada pelos exércitos de Josué que, no sétimo dia, ao som de trombetas, ruíram os muros de proteção da mesma e assim a dominaram - tal evento é considerado a confirmação da promessa de Deus aos escolhidos.

Narrativas bíblicas deixadas de lado, nos é pertinente considerar um fenômeno do catolicismo popular que fora pouco estudado, do qual não encontrei nenhuma referência em português sobre a história do mesmo. Ao que tudo indica, o chamado “Cerco de Jericó” é o nome dado à uma prática originária de um evento que ocorreu na Polônia, e possivelmente proliferado no Brasil pelo Movimento de Renovação Carismática (RCC). Neste evento, uma suposta aparição mariana teria sido responsável pela sugestão e consequente organização de uma semana de rezas de rosários com a finalidade de obter autorização para a visita do papa João Paulo II:

Tudo começou na Polônia, quando para obter uma vitória certa, alguns piedosos poloneses organizaram em seu país aquilo a que chamaram de Cerco de Jericó. O Santo Padre devia ir à Polônia a 8 de maio de 1979, para o 91º aniversário do martírio de santo Estanislau, Bispo de Cracóvia. Em fins de novembro de 1978, 7 (sete) semanas depois do Conclave que havia eleito João Paulo II, a Rainha Vitoriosa do Santo Rosário, Maria Santíssima deu uma mensagem precisa a uma alma privilegiada da Polônia, onde dizia: "Para a preparação da primeira peregrinação do Papa à sua Pátria, deve-se organizar na primeira semana de maio de 1979, em Jasna Gora, um Congresso do Rosário: 7 dias e 6 noites de rosários consecutivos, diante do Santíssimo Sacramento exposto103

103 Informações obtidas no site da RCC Brasil (http://www.rccbrasil.org.br/artigo.php?artigo=697; acessado dia 29/09/2017).

125 Para Vale (2004), a RCC seria resultado da “norte-americanização da cultura brasileira” (p.98), ou seja, a interiorização do american way of life teria influenciado inclusive o cristianismo brasileiro, fenômeno “mais evidente nos cultos pentecostais e neopentecostais do que nas Igrejas históricas” (p. 99).

O berço da RCC é o catolicismo norte-americano que antes do Concílio era um todo monolítico. Com o Vaticano II, entrou em crise. O impacto dos novos ventos teológicos e pastorais levou à busca de novos caminhos de recuperação da fé. Um grupo de universitários foi encontrá-los em uma tradição de origem protestante popular que vem do século XIX e existia desde o tempo dos “pais fundadores” [...]. Foram esses universitários que “inventaram” o pentecostalismo católico [...] Na primeira metade do século XX o pentecostalismo havia se destacado como sendo o mais eficiente instrumento de revitalização da fé no protestantismo norte-americano (VALLE, 2004, p. 99-100)

Ainda para Valle (2004), os revivalistas católicos souberam se distinguir dos protestantes, principalmente graças às chamadas “três brancuras”: A Eucaristia, o Papa e a devoção à Nossa Senhora, garantindo a identidade católica, que seria reforçada:

Por três armas de extraordinário poder de fogo: a centralidade da Bíblia e de Jesus Cristo, a manifestação livre de carismas no seio da comunidade em festa e as curas e exorcismos, vistos como comprovação do poder de Deus. Todos esses elementos contavam ainda com o reforço da reaprendizagem da oração pessoal através de uma abertura ao Espírito Santo, esse grande esquecido da Teologia Católica no século em que o catolicismo se implantou nos Estados Unidos (VALLE, 2004, p. 100)

Adaptado do evento polonês, e reforçado pelas novas influências carismáticas, o sistema de preces “Cerco de Jericó” fora introduzido na Barquinha de Francisca Gabriel como uma forma de compromisso da missão de Daniel. Sendo realizado pela primeira vez no ano de 2015, esta prática, consiste, ao menos neste centro, na leitura diária de um texto - com rezas como o Creio, passagens da bíblia, trechos que remetem a batalha e vitória de Josué, invocações de São Miguel e outros elementos cristãos - e finalizada pelo rezo de um rosário completo e a devida entrega do trabalho104.

Em função da intensidade deste trabalho espiritual, os centros selecionam ao menos sete voluntários que ficam responsáveis por realizar esta performance ritual, em dias fixos da semana. Em setembro de 2016 tive a oportunidade de participar deste processo: pratiquei o compromisso todas às sextas feiras, por sete semanas. Fora uma das experiências mais intensas que participei com o grupo, que despertou em mim o reconhecimento da necessidade de momentos subjetivos de austeridade e disciplina

126 aspectos que até hoje precisam de constante lapidação. Considero que a Barquinha é a linhagem ayahuasqueira que mais realiza performances rituais e compromissos espirituais, exigindo profunda dedicação de seus membros105.